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Teste para a liberdade de expressão

Como tornar as mídias sociais novamente sociais?

Facebook-Gründer Mark Zuckerberg umringt von Fotografen im US-Kongress.
O fundador e presidente da Facebook, Mark Zuckerberg, sendo acareado pelo Congresso Americano em 2018. Xinhua News Agency All Rights Reserved

Notícias falsas, apelos à violência, teorias conspiratórias e censura: a reputação das mídias sociais está em jogo. Como a internet pode voltar a reforçar a democracia?

As mídias sociais se tornaram um canal indispensável para o debate público. Mas é raro que isso seja visto como um ganho para a democracia. Ao contrário, hoje a internet dissemina notícias falsas, teorias conspiratórias e até mensagens de ódio. Ao mesmo tempo cresce o temor frente ao poder crescente das gigantes da tecnologia e que estas possam coibir as vozes que incomodam. A informação sem fronteiras tornou-se um fator de polarização.

O que é preciso fazer para que o intercâmbio de informações na internet voltar a ser um fator positivo para a democracia? Quem tem a responsabilidade de frear a crescente polarização de ideias? Enquanto os políticos procuram soluções e as próprias plataformas de mídias sociais estão sobrecarregadas com os problemas que criaram, a solução está na própria sociedade civil. A mudança deve ocorrer de baixo (usuários) para cima, ou seja, de forma democrática.

Como os países querem regular as mídias sociais

Muitos países tentam lidar com os problemas ao introduzir novas leis e regulamentos. A Alemanha assumiu um papel pioneiro com uma lei intitulada “Mandato de busca na rede” (‘Netz-Durchsuchungs-Gesetz’, em alemão, abreviada para NetzDG). Todas as plataformas com mais de dois milhões de usuários atuantes no país europeus estão sob a sua alçada. As plataformas devem assegurar que as reclamações sejam investigadas e todo o conteúdo ilegal, removido no espaço de 24 horas. Em 2019, a Facebook teve que pagar uma multa de dois milhões de euros por não atender a essas exigências.

A lei alemã é um sucesso de exportação: a partir de outubro de 2020, o grupo de reflexão dinamarquês Justitia avaliava que aproximadamente 25 países já haviam discutido ou até implementando leis inspiradas na NetzDG.

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Porém há um problema: a ideia básica do projeto de lei alemão pode funcionar como um instrumento de repressão por regimes pouco afeitos à democracia. Justitia observa em seu relatório que a NetzDG contém garantias do Estado de direito e proteção da liberdade de expressão que não foram adotadas igualmente por todos os países.

A Índia, por exemplo, quer proibir conteúdos que possam colocar em risco a “unidade, integridade, defesa, segurança e soberania do país”. Essa é uma formulação que mais parece feita sob medida para silenciar opiniões divergentes.

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Também a Rússia apresenta a NetzDG como modelo para a sua lei de combate às notícias falsas. Em 2020 foi criada a uma estrutura legal que permite paralisar completamente a internet em casos de “emergência”, sem definir, portanto, que casos seriam esses.

Bloqueio ao invés de proibir conteúdos: a opção na Hungria e Polônia

Enquanto a maioria dos países se ocupa em combater conteúdos perigosos ou desapropriados na rede, Polônia e a Hungria adotam uma abordagem diferente: os dois países europeus querem impedir que Facebook e outras mídias sociais bloqueiem perfis dos usuários se suas postagens não infringirem as leis vigentes. O ministro da justiça da Hungria anunciou em fevereiro (no Facebook) que as principais mídias sociais querem limitar “a visibilidade das opiniões cristãs, conservadoras e de direita”. Na Polônia o debate ocorre após uma longa disputa entre Facebook e políticos do partido no poder, que muitas vezes disseminaram mensagens anti-LGBT nas mídias sociais e, consequentemente, foram banidos da plataforma.

Faça ouvir a sua voz!

Série SWI #liberdade de expressão

Em princípio está tudo claro. Os artigos 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ONU (1966) estipulam que “Toda pessoa terá o direito à liberdade de expressão; esses direitos incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha”. Na Europa, a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (1950) confirma a liberdade de expressão como um direito juridicamente vinculante (artigo 10). A Suíça consagra esta liberdade fundamental no artigo 16 de sua Constituição de 1999.  

Na prática, porém, muito permanece contestado. Muitos governos em todo o mundo não protegem o direito à liberdade de expressão, mas o atacam. Em outras partes do mundo, indivíduos e grupos se aproveitam da “liberdade de expressão” para justificar discursos discriminatórios e de ódio. Mas, embora seja um direito universal, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Garantir e aplicar essa liberdade é equilíbrio bastante delicado.

Na nova série de artigos da SWI swissinfo.ch, abordamos vários aspectos, desafios, opiniões e desenvolvimentos em torno da liberdade de expressão, tanto na Suíça como no mundo. Fornecemos uma plataforma para que os cidadãos se expressem sobre o assunto, oferecemos análises de acadêmicos e destacamos desenvolvimentos locais e globais. E, naturalmente, os leitores são convidados a participar da conversa posteriormente e a fazer se ouvir.

Por isso a diferença: o que para uns é a luta contra a mensagem de ódio, para outros significa censura. Petra Grimm, professora de ética digital da Universidade de Mídia de Stuttgart, considera que liberdade de expressão não significa dizer o que quiser. “A liberdade de expressão, como a liberdade em si, vem sempre com certas barreiras.”

Ativista cobra ações da Suíça

Na Suíça ainda não regulamentou as mídias sociais. Jolanda Spiess-Hegglin luta contra as mensagens de ódio na rede através da sua ONG “Netzcourage”. A suíça do cantão de Zug cobra ação do país. “O governo federal deveria instituir um grupo de trabalho para elabora uma lei contra o discurso do ódio.”

Jolanda Spiess-Hegglin vor ihrem Laptop.
Jolanda Spiess-Hegglin. © Keystone / Gaetan Bally

É muito fácil se abster da responsabilidade após publicar mensagens discriminatórias ou maliciosas alegando que o computador foi hackeado ou que outra pessoa utilizou sua conta.

A professora da Universidade das Mídias em Stuttgart ressalta que a obrigação de agir não é só da classe política. “Precisamos também responsabilizar a plataformas. Elas precisam controlar o que é publicado nas suas redes”, declara Grimm.

Facebook ou Twitter chegam a exigir hoje regulamentação em alguns países. Spiess-Hegglin considera que não é suficiente. “Se essas empresas exigem regras mais claras por parte do Estado, é como se um assassino estivesse dizendo: vocês não podem me vender facas, pois senão acabo matando alguém.”

Cliques como problema central

É pouco provável que as plataformas sociais comerciais mudem voluntariamente. O problema básico é estrutural, segundo Grimm: “Notícias espetaculares, que vão um pouco além da verdade ou, sobretudo, que aquecem as emoções das pessoas, são clicadas com mais frequência. E os cliques obviamente são o principal negócio das plataformas de mídias sociais”. Spiess-Hegglin resume desta forma o dilema: “As plataformas permitem o discurso do ódio, pois têm mais cliques e, assim, faturamento.”

Qual a solução? “Seria necessária termos uma plataforma de mídia social alternativa, que funcionasse de acordo com os princípios de um entendimento de direito público sem fins lucrativos”, exige Grimm.

Prof. Petra Grimm
Petra Grimm. Radmila Kerl

O que a professora sugere já existe na prática. Em Taiwan funciona a plataforma PTT, muitas vezes descrita como uma versão nacional da popular “Reddit”. Essa plataforma é financiada pela Universidade Nacional, e não depende de publicidade ou sofre controle por parte dos acionistas.

Audrey Tang, ministra digital de Taiwan, entrevistada pela SWI swissinfo.ch, compara a plataforma PTT com as outras, privadas, que considera como mídias “antissociais”.

“Precisamos de uma nova narrativa”

Para que as plataformas de mídias sociais solucionem seus problemas, é preciso mais pressão da sociedade. É o que acredita Tang. Um exemplo: Em Taiwan, a sociedade civil exigiu mais transparência na política e teve sucesso. “Hoje temos uma transparência absoluta do financiamento de campanhas políticas no país.”

Facebook se adaptou às regras de Taiwan e publica em tempo real o que é propaganda política. “Não introduzimos uma lei para isto. Essa regra se baseia exclusivamente em sanções sociais”.

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Fabrizio Gilardi, professor de Ciência Política e pesquisa de digitalização, também ressalta a importância de avaliar como as pessoas interagem no mundo digital. “Não é principalmente uma questão legal, mas sim de como queremos lidar com ela como sociedade.”

Spiess-Hegglin está convencida de que também é preciso repensar a comunicação direta. “Temos de aprender a cultivar uma comunicação que não degenere”, afirma e acrescenta. “As mídias sociais são importantes para ativistas que dificilmente seriam escutados nas mídias tradicionais”.

“Trata-se de construir uma cultura de virtude da mídia social com base no interesse dos próprios usuários”, reforça Grimm. “Precisamos de uma nova narrativa, mais otimista e baseada em valores”. São necessários esforços com apoio político para criar alternativas às plataformas comerciais dos gigantes da tecnologia. “E ela deveria ser, pelo menos, europeia”, o que inclui também a Suíça.

Adaptação: Alexander Thoele

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