Imprensa suíça dá destaque ao impeachment no Brasil
A suspensão temporária do mandato da presidente Dilma Rousseff após a votação Senado federal é debatida amplamente pela imprensa helvética. Muitos editorialistas colocam em dúvida a validade da decisão e consideram que as dificuldades do Brasil estão apenas no começo.
O Neue Zürcher Zeitung (NZZ) interpreta o voto contrário à Dilma Rousseff como um sinal de sua fraqueza. “A processo de destituição decidido de fato contra a presidente brasileira é, finalmente, consequência da perda de confiança por parte da população e do Parlamento. A continuação do seu governo não parece mais oportuna frente à grave crise atual”.
Se os partidários do PT e seus apoiadores consideram o processo movido contra ela como um “golpe”, o jornal de Zurique lembra que o Supremo Tribunal Federal aceitou as justificativas dadas para votar o impeachment. Porém, a verdadeira razão, é que “se trata de fato de um voto de desconfiança disfarçado, já que o sistema de presidencialismo do Brasil não o permite”. A oposição é forte demais contra Rousseff. “O fato é que na difícil situação que se encontra o país, a presidente conduz um Estado apoiada por apenas um décimo da população e um quarto do Congresso”.
Se nada pode ser provado contra Dilma Rousseff, o NZZ considera que ela não está livre de culpa. “Durante dois anos e meia ela presidiu o conselho de administração da Petrobras como ministra da Energia em um momento que o escândalo de corrupção estava a todo o vapor. Ela apoiou com a sua assinatura grandes projetos que terminaram custando somas adicionais ao Estado devido a atividades criminosas”. E conclui que o impeachment deve ser visto como um novo começo. “A renovação absolutamente necessária das elites políticas no Brasil está apenas no seu começo com a suspensão da presidente Rousseff.”
Como o Paraguai
“Com arrogância e esgotamento, Dilma Rousseff fez muitos inimigos no Brasil. Porém isso não justifica sua destituição. O drama em torno da presidenta desacredita o país e coloca-o em uma crise profunda”, escreve o portal Watson, ressaltando que o Brasil terá de aceitar “ser colocado no mesmo patamar de países como Honduras e Paraguai “devido às intervenções bizarras dos seus parlamentares ao decidir pelo impeachment de Dilma Rousseff.
O portal destaca também a pouca consistência das acusações contra a presidente – as manipulações orçamentárias – as “pedaladas fiscais” e a edição irregular de decretos de suplementação orçamentária. No seu entender, elas poderiam ser aplicadas aos seus predecessores ou a maior parte dos governadores. Porém as acusações ficam mais fracas perante o perfil dos acusadores. “Contra mais de 60 por cento dos senadores que votaram contra Dilma existem investigações em curso e o mesmo vale também para dois terços dos deputados.”
O Aargauer Zeitung já vê na destituição temporária “o fim de quatorze anos de política social de esquerda” e que poderá ter influência sobre o destino de outros países no continente. “Nos últimos meses, governos de esquerda na Argentina e no Peru já caíram. Na Venezuela, a presidência nacional-esquerdista do presidente Nicolás Maduro está à beira da bancarrota”.
Para o jornal dessa região central na Suíça, a missão do presidente Michel Temer é de “reconquistar os mercados, relançar o crescimento econômico e diminuir o déficit orçamentário de quase 30 bilhões de euros através de cortes de despesas”, lembrando que a economia teve uma queda de 3,8% no ano passado e que nove milhões de pessoas estão sem trabalho.
Decisão justa
“Não foi bonito, mas também não foi injusto”, intitula o Tages-Anzeiger ao avaliar a decisão do Congresso brasileiro. Para o seu editorialista, o principal erro da presidente Dilma Rousseff foi a falta de articulação política: “Ela nunca aprendeu governar com um Parlamento de trinta partidos”. Especialmente a disputa com oponentes selou o seu destino. “A presidente já vivia uma crise dois meses depois de ter sido eleita para o segundo mandato. Os deputados, desmerecidos e repudiados sistematicamente por ela, elegeram Eduardo Cunha como seu chefe. A sequente luta política arruinou o país. Agora os dois partiram. A maioria dos brasileiros não acha isso bonito, mas justo.”
O St. Galler Tagblatt destaca as comemorações dos partidos conservadores após a destituição de Dilma, mas considera “que não há nada a festejar, pelo menos para o povo brasileiro”. O jornal considera as acusações contra a presidente como um “subterfúgio para tirá-la do poder”, mas que “ela é também corresponsável pela catastrófica situação econômica do país” e “culpada por tolerar políticos corruptos no seu governo e fração parlamentar”.
Falhas no sistema político
Para o Basler Zeitung, o impeachment significou um fim “indigno” para Dilma Rousseff, pois a fundamentação é “hipócrita”. “Seus opositores utilizaram o processo de destituição da presidente, ou melhor dizendo, abusaram, para punir a chefe de Estado da esquerda liberal pelos seus erros e livrar-se dela: em primeiro lugar devido à catastrófica situação econômica e as dimensões do escândalo de corrupção em torno da estatal do petróleo, Petrobrás. Porém o impeachment não é previsto para esses casos. Até hoje nenhum procurador conseguiu culpar pessoalmente Rousseff de enriquecimento ilícito.”
O jornal do norte da Suíça considera que a crise vivenciada atualmente no Brasil tem origem nas suas leis. “As tomadas e retomadas políticas dos últimos meses mostra claramente as falhas do sistema político brasileiro: o impeachment paralisa a política. Os trabalhos de governo em Brasília estão bloqueados há muito tempo. Novas eleições seriam a solução ideal, mas não estão previstas na Constituição”.
O jornal Le Temps sai com manchete em sua página internacional: Como Rousseff chegou onde chegou? A correspondente do jornal em São Paulo explica que essa frase teria sido pronunciada pelo ex-presidente Lula em abril deste ano. “Um golpe com aclamação popular”, afirma um dos entrevistados para a matéria, o professor da PUC de Minas Gerais, Malco Camargos. Ele explica que a maioria da população queria a saída da presidente Dilma Rousseff. “Ela foi engolida pelos lobos da política e o machismo do meio piorou as coisas”, afirma outro entrevistado, Aldo Fornazieri, professor de sociologia e política na Universidade de São Paulo (USP).
O artigo diz que Dilma foi boicotada pelo Congresso desde sua reeleição. Afirma que se o PT está no centro do escândalo da Lava Jato contra Rousseff não há denúncias de corrupção, ao contrário de boa parte do Congresso e de agora ministros do governo Temer.
Golpe da oposição
A Tribuna de Genebra publica um editorial com o título “A oposição conseguiu dar o golpe”. Diz que Dilma é substituída pelo seu ex-aliado Michel Temer, chamado de “traidor” pelos defensores de Dilma. “Dado o resultado da votação no Senado, ela praticamente não tem chance nenhuma de voltar ao cargo”, afirma o editorialista. Em sua opinião, Dilma não foi afastada por falhas administrativas e sim porque perdeu apoio político e popular, mas que a oposição instrumentalizou um mecanismo constitucional para derrubar o governo.
Diz que os brasileiros não suportam mais “as tramoias e a corrupção generalizada da classe política. Conclui que os analistas são unânimes que é preciso uma reforma profunda do sistema eleitoral. Mas não é um governo liderado pelo PMDB de Michel Temer, “um partido sem linha ideológica e que deve seu poder às lacunas do sistema, que vai se empenhar a reformá-lo.
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.