Plano suíço de combate à pobreza mostra contradiçoes
A contribuição da Suíça para a redução da pobreza no mundo depende de uma combinação de democracia direta, disponibilidade financeira e interesse próprio que começa a mostrar sinais contraditórios.
Nos últimos três anos, o público ajudou a definir a contribuição da Suíça para a próxima rodada das Nações Unidas de combate à pobreza, os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou ODS. São 17 novos objetivos globais, não vinculativos, da ONU, com 169 metas específicas em questões que vão desde o fim da pobreza à proteção do meio ambiente.
Uma reunião realizada em Berna no mês de outubro atraiu mais de 100 participantes oficiais que “marcaram o fim de um processo de três anos” para moldar a posição da Suíça, de acordo com Michael Gerber, enviado especial da Suíça para o desenvolvimento sustentável mundial que ajudou a liderar o processo.
A Suíça vai enfatizar a segurança da água, a saúde, a paz sustentável e as sociedades inclusivas, bem como a igualdade de gênero, os direitos das mulheres e seu empoderamento.
Há também uma forte atenção em questões como imigração e desenvolvimento, redução do risco de catástrofes, consumo e produção sustentável.
“Em cada evento que organizamos, tivemos muitas pessoas articulando suas posições, então tentamos coloca-las todas juntas”, disse Gerber para swissinfo.ch na ocasião do encontro. “Isso mostra que as pessoas estão muito engajadas”.
Pobreza suíça
Para os suíços, objetivos como o Estado de direito e o acesso à água são particularmente importantes, uma vez que são básicos para a paz e a justiça.
“Temos uma agenda muito ambiciosa e precisamos fazer o nosso melhor para alcança-la”, disse Gerber. “Nós certamente não chegaremos a poder dizer que não há mais guerra nem pobreza no mundo, mas temos de ir o mais longe que pudermos”.
Não é apenas uma questão de dar dinheiro e apoio aos países em desenvolvimento: a Suíça também deve melhorar para atender as metas de 2030, mesmo na área de elevar o padrão de vida para alguns de seus próprios cidadãos.
“Todos os objetivos se aplicam à Suíça”, acrescentou Gerber. “Pode-se dizer que em alguns casos já estamos bem avançados. Mas se você tomar, por exemplo, a meta do combate à pobreza e medi-la em relação ao índice nacional de pobreza, você vai ver que ainda há muito a fazer na Suíça”.
O país continua sendo um dos mais ricos do mundo, com um PIB per capita de cerca de 81.545 francos por ano, um dos mais altos do mundo, de acordo com o Banco Mundial. No entanto, cerca de 7,7% da população – ou cerca de um em cada 13 habitantes – vivem abaixo da linha de pobreza nacional.
De acordo com a Secretaria Federal de Estatística, quem ganha menos de CHF2.200 por mês (CHF4,050 para um casal com dois filhos) é considerado pobre na Suíça.
Esses números seriam adequados para muitos europeus, mas na Suíça, o seguro obrigatório de saúde privado, aluguéis caros e outros altos custos de vida fazem uma pressão no orçamento privado, principalmente no das famílias monoparentais, dos trabalhadores não qualificados e dos adultos que vivem sozinhos.
Ceticismo
Na reunião em Berna, a luta mundial contra a pobreza foi resumida em cinco P, para pessoas, prosperidade, planeta, paz e parceria.
Um painel de oradores incluiu um representante dos jovens suíços, um porta-voz da gigante suíça de alimentos Nestlé, um especialista em desenvolvimento da Universidade de Berna e um especialista em política da Alliance Sud, um think tank suíço que reúne as seis principais organizações não governamentais de ajuda ao desenvolvimento do país.
Muitas dessas ONGs se dizem céticas em relação à capacidade da Suíça em implementar algumas das novas metas para o desenvolvimento sustentável, como a redução da produção de resíduos ou a redução do fosso entre ricos e pobres no país. Elas dizem que os planos do governo em cortar gastos nos próximos anos também tornarão mais difícil cumprir as metas.
A Alliance Sud, por exemplo, considera a agenda 2030 um bom compromisso, mas repleto de contradições. O grupo também questiona quanto os governos e as empresas privadas podem ser responsabilizadas.
Manuel Sager, diretor-geral da Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (SDC), que assumiu a liderança para o processo de participação do público, disse na reunião que, para cumprir as metas, “o primeiro fator é certamente a vontade política”.
Mas de acordo com Rolf Kappel, professor emérito da Universidade de Zurique e especialista em problemas dos países em desenvolvimento, as novas metas são amplas demais e mal definidas. O primeiro conjunto de metas da ONU se concentra na redução da pobreza nos países em desenvolvimento. O segundo visa apoiar a economia sustentável, a ecologia e as sociedades de todos os países.
“Os ODS incluem um grande número de alvos difusos para os quais faltam indicadores e dados adequados”, escreveu Kappel em um boletim publicado pelo centro acadêmico dirigido por ele há 22 anos.
“Para todas estas metas, o acompanhamento e a avaliação do progresso da agenda serão baseados mais opiniões do que em evidências”, escreveu. “Por sua vez, haverá o risco de que os ODS sejam levados menos a sério pelos tomadores de decisão, impedindo assim ações decisivas”.
Kappel argumenta que o mundo mudou bastante desde a formação do último conjunto de metas, com o desencanto substituindo as esperanças que voam alto. “Enquanto os novos ODS agradam os países em desenvolvimento e as organizações que produzem relatórios e organizam conferências, o enorme alargamento do âmbito da nova agenda pode diluir a dedicação global para a redução da pobreza, e os pobres podem sair perdendo. Isso não pode acontecer”, adverte.
Custos e benefícios
O governo suíço planeja implementar os objectivos políticos como parte de sua estratégia de desenvolvimento sustentável para 2016-2019 e na sua estratégia de cooperação internacional.
Caberá ao parlamento suíço determinar se a contribuição da Suíça vai atingir o nível recomendado pela ONU, de 0,7% do PIB para a ajuda ao desenvolvimento. Com a mudança para a direita na eleição deste ano, é provável que o parlamento esteja menos inclinado a gastar muito com a ajuda ao desenvolvimento.
Essa é a primeira meta com a qual os países se comprometeram na Assembleia Geral da ONU de 1970, reafirmada em diversas cimeiras e conferências mundiais.
Pierrette Rey, porta-voz do grupo ambientalista WWF Suisse, disse que as metas para 2030 são ambiciosas, mas viáveis, como o conjunto anterior de metas da ONU para os primeiros 15 anos do novo milênio, que também foi considerado ambicioso demais na época.
Para seu grupo, as principais prioridades são a luta contra as mudanças climáticas, a redução da pegada ecológica suíça e a defesa da biodiversidade da natureza.
“A Suíça não é exemplar em muitas áreas. Se todos vivessem com o mesmo estilo de vida de um cidadão suíço médio, precisaríamos de quase três planetas e isso não é sustentável”, disse para swissinfo.ch.
“Nossos bancos financiam indústrias que estão causando um enorme impacto sobre o clima e o meio ambiente, por isso precisamos de grandes mudanças”, acrescentou.
Ambição e renovação
A rodada anterior da ONU para redução da pobreza mundial – os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, aprovados há 15 anos – ajudou a tirar mais de 1 bilhão de pessoas da pobreza extrema, disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Uma cimeira da ONU em Nova York adotou o documento final em setembro, com um custo estimado entre 3.5 a 5 trilhões de dólares por ano para cumprir as metas até 2030.
Entre os objetivos, a erradicação da fome e da pobreza, a igualdade de gênero, o aumento dos padrões de vida e medidas fortes e imediatas para reduzir o aquecimento global.
Na Assembleia Geral da ONU, que aconteceu após a cimeira das Nações Unidas, a presidente da Suíça, Simonetta Sommaruga, disse que a ambiciosa agenda 2030 “mostra a capacidade da ONU de se renovar”.
Adaptação: Fernando Hirschy
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