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As mulheres suíças já percorreram um longo caminho, mas ainda enfrentam discriminação

Some of the 8,000 protesters hold signs and umbrellas at the Women s March in the city of Zurich on Saturday, March 18, 2017.
Milhares de pessoas participaram da Marcha das Mulheres em Zurique há um ano Keystone

A Suíça foi tomada pelo movimento #MeToo e a crescente insatisfação feminina com seu “status quo”. Muitas mudanças ocorreram desde 1971, quando as mulheres suíças conquistaram seu direito de voto.

A campanha nas redes sociais contra o assédio sexual e a igualdade de gênero, iniciada nos Estados Unidos no ano passado, deu energia nova ao movimento feminista de hoje na Suíça, de acordo com Silvia Binggeli, editora em chefe da revista feminina suíça AnnabelleLink externo, fundada há 80 anos.

Ela, que participou da Marcha das Mulheres em Zurique há um ano e ficou impressionada com o número de mulheres e homens de várias gerações que estiveram presentes, argumenta: “Há um movimento feminista em curso hoje. Eu vejo colegas mais jovens que são muito mais ativas politicamente do que dez anos atrás”.

No entanto, a igualdade de gênero continua sendo ilusória tanto na Suíça quanto nos Estados Unidos.

Nos EUA, o movimento feminista é de forma geral descrito em três ondas: começando pela primeira convenção de direitos das mulheres em Seneca Falls, Nova York, em 1848, seguido pelo movimento dos direitos civis nos anos 1960 e 1970, e pela terceira onda na década de 1990, em resposta, parcialmente, ao caso de assédio sexual sofrido por Anita Hill (alguns acreditam que o movimento de hoje representaria a quarta onda).

Em contrapartida, o movimento feminista na Suíça mais se assemelha a uma longa e penosa escalada alpina.

Fabienne AmlingerLink externo, pesquisadora em Comunicação e Relações Públicas do Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero da Universidade de Berna (IZFG), explica que “a metáfora da onda é difícil de se aplicar ao contexto suíço. Não houve uma mobilização em grande escala de mulheres suíças em torno de um objetivo. Na verdade, existem muitos braços do movimento suíço lutando por diferentes direitos”.

Alguns dos primeiros registros de qualquer mobilização de mulheres suíças foram feitos em 1847, quando 157 mulheres do cantão de Berna erradicaram a prática da “tutoria de gênero”, uma forma de guarda baseada na diferenciação sexual.

Uma mulher que compreende esta situação nos dois lados do Atlântico é Margrit Zinggeler, uma suíça que se mudou para os Estados Unidos aos 20 e poucos anos de idade.

Autora de “Swiss Maid: The Untold Story of Women’s Contributions to Switzerland’s SuccessLink externo” (A Dama Suíça: a história não contada sobre as contribuições das mulheres para o sucesso da Suíça), ela argumenta que “nos ensinaram que a história da Suíça foi feita por homens, guerras e contratos. Ao contar as histórias das muitas mulheres escondidas e silenciadas que foram essenciais para o sucesso da Suíça, podemos entender como a cultura, as tradições e as instituições moldaram e influenciaram a nossa compreensão de gênero hoje e o que é necessário para alcançar a igualdade”.

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O longo caminho para a solidariedade

Zinggeler, professora de alemão na Universidade Easter Michigan, ressalta que existia uma ala poderosa que lutava pelos direitos sociais e econômicos, incluindo o acesso à educação secundária e universitária, antes dos direitos políticos. “Foi apenas depois que as mulheres foram educadas e perceberam que os direitos à igualdade não poderiam ser alcançados sem uma voz na política que a situação mudou”.

Havia também segmentações rígidas entre as próprias mulheres, o que Amlinger acredita ser uma das razões pelas quais se levou tanto tempo para se garantir o voto. Ela diz que “as mulheres foram divididas em categorias políticas, entre áreas rurais e urbanas, em diversos cantões”.

Um dos segmentos se relacionava à visão tradicional das mulheres como donas de casa, vigente na Legislaçao Civil Suiça até 1988. Zinggeler explica que “essa visão foi fortemente influenciada pela religião, mas também pela importância atribuída às habilidades de gestão doméstica e cuidados na sociedade suíça”.

Não antes do fim da década de 80, as escolas aboliram suas aulas de gênero obrigatórias de economia doméstica e artesanato para meninas e de oficinas para meninos.

Como retratado no filme “Die Göttliche Ordnung” (A Ordem Divina), uma parcela significativa da população pensava que as famílias permaneceriam em melhores condições se as mulheres não estivessem envolvidas em políticas “sujas”. Esse medo foi usado em algumas das propagandas da campanha contra o voto feminino na época.

Uma revolução pela lei

Em uma entrevista realizada em 2011, seis anos antes de sua morte, Marthe Gosteli, pioneira do movimento pela legalização do voto feminino, descreveu a luta pelos direitos políticos como “exaustiva”.

Zinggeler explica que o sucesso em 1971 “foi o resultado de 100 anos de luta e petições”. Desde a primeira petição à Assembleia Federal [Parlamento] em 1886, as mulheres passaram a manifestar constitucionalmente os seus direitos por meios de referendos, mais petições, incluindo a primeira votação nacional sobre a legalização do voto feminino em 1959, que foi rejeitada por mais de 65% da população masculina votante.

Mesmo depois de 1971, o movimento na Suíça “seguiu fortemente as leis” de acordo com Zinggeler, recorrendo a petições e processos formais para atingir seus objetivos.

Black and white archive photo of women demonstrators
Em 1969, milhares de ativistas dos direitos das mulheres participaram de uma manifestação na capital suíça, Berna Keystone

Em contrapartida, o movimento de libertação feminina nos anos 60 nos Estados Unidos empregou táticas provocadoras e disruptivas como greves, protestos em massa e manifestações pacíficas. A imagem feminista da “queima de sutiãs” está tão fortemente associada ao movimento que muitos americanos aceitaram-na como genuína.

Uma greve geral das mulheres na Suíça ocorreu em 1991 para protestar contra a lenta implementação do artigo sobre a igualdade de gênero na Constituição. Houve alguns momentos escandalosos, como por exemplo quando a socialista Christiane Brunner não foi eleita para o colegiado de sete membros do Conselho Federal, desencadeando protestos generalizados e um grande processo de transformação para a igualdade de gênero na política suíça.

Amlinger argumenta que, “como é notório, o sistema político federalista da Suíça pode requerer um tempo relativamente longo para que algo seja realizado. No entanto, de forma frequente, as conquistas persistem e não são revertidas rápida ou facilmente”.

A igualdade de gênero foi finalmente incluída na Constituição Suíça em 1981 e a licença-maternidade se tornou lei em 2005, sendo que nenhuma delas ainda tinha sido alcançada nos Estados Unidos. Além disso, outros direitos garantidos em ambos os países, como o direito ao aborto, ainda exigem vigilância constante nos EUA.

Black and white archive photo of women and men holding up their hands to vote
A História se repetiria uma segunda vez: levaria 20 anos depois que as mulheres suíças receberam o direito de votar em questões nacionais até que o pequeno cantão rural de Appenzell Innerrhoden concederia os mesmos direitos a nível regional Keystone

Feminismo “em seus próprios termos”

A luta pela igualdade de gênero está longe de ter um fim tanto nos Estados Unidos quanto na Suíça. No ano passado, os eleitores suíços rejeitaram uma proposta para introduzir a licença paternidade nas leis trabalhistas. A discriminação no emprego, a desigualdade salarial e o assédio sexual continuam a ser alguns dos desafios principais em ambos os países. Zinggeler observa que existem questões controversas na Suíça, como o serviço militar obrigatório para os homens e a prostituição, que é legal e regulamentada.

O movimento feminista atual vai além das mudanças legais. Ele discute também os mecanismos para se colocar em prática tais leis, algo que só pode ser alcançado engajando mulheres e homens de todos os setores da sociedade.

Binggeli explica que “a Suíça pode não ter as estrelas ‘hollywoodianas’ defendendo os direitos das mulheres como nos Estados Unidos, mas há uma comunidade vibrante de mulheres empreendedoras, intelectuais e inovadoras que estão inspirando uma nova geração de mulheres a viver e agir de acordo com suas próprias convicções”.

No ensaio publicado em 2014, “We Should All Be FeministsLink externo” (Todos devemos ser Feministas), a autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie argumenta que ser feminista é reconhecer que “há um problema como os gêneros são vistos hoje e que devemos corrigi-lo, temos que fazer melhor. Todos nós, mulheres e homens, devemos fazer melhor”.

Igualdade salarial – superando a diferença de gênero

Equivalência salarial pelo mesmo trabalho executado é um exigência constitucional na Suíça. De acordo com os dados mais recentes (2014), as mulheres ganharam quase 20% menos no setor privado e quase 17% menos no setor público em relação aos homens. Nos últimos anos, tem sido amplamente debatido sobre uma possível aplicação de medidas legais pelo Parlamento Suíço para obrigar o cumprimento das obrigações constantes no Ato de 1995 por empregadores. No mês passado, o Parlamento sugeriu que o Conselho Federal recomeçasse do zero um projeto de lei que exigiria que empresas com mais de 100 funcionários conduzissem e publicassem uma análise de equidade de pagamento a cada quatro anos.

Este projeto atraiu muitas críticas de todas as alas políticas, alguns se queixando de que estaria muito diluído e outros acreditando que criaria procedimentos administrativos adicionais sem a garantia de benefício às mulheres.

O debate reflete os principais desafios para entender o que tem sido chamado de diferenças salariais “inexplicadas”, referentes a lacunas que não podem ser justificadas, como o nível educacional ou segmento de mercado. Até mesmo os próprios meios de análise estão sendo contestados. Como exemplo, os críticos argumentam que as estatísticas podem ser falsas quando fatores como o equilíbrio de gêneros entre os trabalhadores de uma empresa não são levados em consideração.

Biografia

Jessica Davis Plüss é uma norte-americana residente em Berna. Ela é assessora independente e escritora especializada em sustentabilidade corporativa e o papel dos negócios na sociedade. Nos últimos cinco anos, publicou diversos relatórios e artigos sobre como as empresas podem promover a igualdade de gênero em suas cadeias de valor.

Adaptação: Renata Bitar

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