“Engolido pela cólera de seu povo”
Governo e analistas e até um escritor suíço que foi próximo de Muammar Gaddafi comentam o que pode ocorrer na Líbia depois da morte do coronel.
“Engolido pela cólera de seu povo”, “A Líbia escreve uma nova página da história”, “Morte sem processo” são alguns dos comentários feitos na Suíça.
O Ministério das Relações Exteriores (DFAE) faz um “apelo ao respeito dos direitos humanos e ao direito humanitário na Líbia. Exalta os diferentes atores à prudência e a não exercer represálias. Esse desaparecimento permitirá ao Conselho Nacional de Transição (CNT) de prosseguir seu trabalho para uma transição democrática”. Resumidamente, foi essa a posição oficial do governo suíço.
“Para a justiça, seria melhor um processo, mas a morte de Gaddafi evita de lhe dar uma tribuna. Ela também é do interesse dos Estados Unidos e da Europa que não gostaria que Gaddafi relatasse as relações duvidosas que tiveram com a Líbia durante anos”.
A guerra ainda não acabou
É o que afirma do jornal Le Temps o diretor do Centro de Estudos do Mundo Árabe e Mediterrâneo, em Genebra, Hasni Abidi. Ele adverte ainda que “a guerra ainda não acabou” porque ainda não foram capturados todos os filhos de Gaddafi e de fiéis ao regime. “A prolongação de três meses do mandato da Otan “mostra que a guerra ainda não acabou.”
Essa revolução “não constava do livro verde do livro verde do coronel Gaddafi, que cai após 42 anos de poder absoluto”, escreve o jornal Le Temps na resenha de dois livros sobre a história recente da Líbia.
O escrito suíço Jean Ziegler,vice-presidente do comitê consultivo do Conselho de Direitos Humanos da Onu, foi próximo do coronel Gaddafi anos atrás: “Sua recusa até o fim de negociar prova sua loucura. Ela tinha perdido o senso da realidade e acreditava até o fim que o povo iria mudar de opinião. Pelo menos um perigo foi descartado, o de criar, com os fanáticos tuaregues, o Estado do Saara para resistir e impedir a reconstrução da Líbia.”
Suíça pode ajudar na recontrução
O custo da reconstrução do país é estimado entre 500 e 700 bilhões de dólares. Segundo o atual embaixador da Líbia em Berna, Sliman Bouchuiguir, a Suíça já poderia ajudar a Líbia na área de avaliação e planificação da reconstrução. (Leia mais em matérias relativas).
Bouchuiguir acha que os suíços podem contribuir em vários setores, dada sua competência em matéria de desenvolvimento e de tecnologias em desenvolvimento sustentável, tecnologias de ponta, construção de infraestruturas, inclusive estradas, eletricidade e comunicações.
760 milhões de dólares pertencente ao Estado líbio estão bloqueados na Suíça. Durante uma conferência organizada pela França em 1° de setembro, a chanceler Micheline Calmy-Rey anunciou que Berna estava pronta a liberar 380 milhões de dólares.
Relações conturbadas
A Suíça foi um dos primeiros países a reconhecer a Líbia depois da declaração de independência, em 1951.
Com a chegada das companhias de petróleo, muitos geólogos, técnicos e especialistas suíços foram para a Líbia. Em 1965, a Suíça abriu um consulado em Trípoli e uma embaixada em 1968.
A breve detenção de um dos filhos do coronel Gaddafi, Hannibal Gaddafi, em 28 de julho de 2008, em Genebra, provocou tensões políticas entre a Líbia e a Suíça. Hannibal e sua esposa estavam hospedados em um hotel em Genebra e foram denunciados por maltratar dois empregados domésticos que os acompanhavam. Daí a detenção de ambos e o início de um período tenso nas relações dos dois países.
As autoridades líbias tomaram medidas coercitivas contra pessoas de nacionalidade suíça e empresas suíças estabelecidas na Líbia. Houve inclusive intervenção da União Europeia, proibindo a entrada de pessoas do clã Gaddafi devido acordos de Schengen que incluem a Suíça. Empresas suíças foram proibidas na Líbia.
Houve muitas negociações e certa confusão dentro do próprio governo suíço, principalmente em torno da liberação de dois cidadãos suíços retidos em Trípoli.
Em 23 de fevereiro de 2010, um dos suíços retidos na Líbia, Rachid Hamdani, voltou ao país e o outro, Max Göldi, em 13 de junho de 2010.
Com a guerra que se instalou na Líbia, a Suíça fechou sua embaixada e bloqueou 650 milhões de francos suíços depositados por dignitários do regime. Com a mudança de regime, as relações entre a Suíça a Líbia tendem a se normalizar.
Estados Unidos: $34 bilhões Inglaterra: €12 bilhões
Itália: $8 bilhões
Alemanha: €7 bilhões
França: €7.6 bilhões
Espanha: €2 bilhões
Canadá: C$2.3 bilhões
Áustria: €1.2 bilhão
Luxemburgo: €1 bilhão
Suíça: CHF650 milhões
Nascido, segundo sua própria lenda, dentro de uma tenda beduína no deserto de Syrte em 1942, o coronel Gaddafi, filho de um pastor da tribo dos Gaddafa, teve uma educação religiosa rigorosa antes de entrar no exército em 1965.
Aos 27 anos, em 1° de setembro de 1969, ele derruba o velho rei Idriss sem que uma gota de sangue seja derramada. Em 1977, ele proclarama a “Jamahiriya”, que ele define como “Estado das massas”, que governam através de comitês populares eleitos e se atribui como único título o de “Guia da revolução”.
Nos anos 1990, Gaddafi, isolado no cenário mundial e decepcionado por seus parceiros árabes, volta-se para a África negra e defende a criação dos “Estados Unidos da África”.
Tratado durante décadas de chefe de um Estado “terrorista”, ele decide se reconciliar com o Ocidente. Em 2003, anuncia o abandono dos programas secretos de armamentos. Reconhece também a responsabilidade de seu país nos atentados contra um avião norte-americano no espaço aéreo de Lockerbie, na Escócia (270 mortos, em 1998), um avião francês no Níger (170 mortos, em 1989) e paga indenizações às famílias das vítimas.
O ex-pária abre-se então ao Ocidente. Gaddafi recebe na Líbia os dirigentes ocidentais e, no estrangeiro, estendem para ele o tapete vermelho como em Paris e, mais recentemente, em Roma, sempre suscitando polêmicas.
Poderoso com seu petróleo, em 2008 ele salda o passado colonial com a Itália e obtém desculpas e indenização de Roma pelo período colonial. Mais recentemente, fez dobrar a Suíça, que lhe pede desculpas, um ano depois que seu filho Hannibal foi preso em Genebra por violência contra seus empregados domésticos.
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