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“A democracia direta não existe no Brasil”

Jean Wyllys no centro de Zurique. Leta Motta

Em meio à votação do impeachment no Brasil, Jean Wyllys visita a Suíça. Entrevistado por swissinfo.ch, o parlamentar brasileiro explica que seu principal objetivo é sensibilizar a opinião pública para o que considera "um golpe" e fala sobre homossexualismo e a democracia direta no Brasil.

swissinfo.ch: O que o Senhor vai efetivamente apresentar ao público suíço?

Jean Wyllys: Eu vou apresentar um panorama da América Latina dos próximos 15 anos. Esse cenário, denominado Alerta Democrático, foi desenvolvido por 37 lideranças latino-americanas, fruto de uma discussão realizada em três etapas: no Panamá, na Colômbia e em São Paulo. Financiado pela Fundação Avina e Open Society, o projeto foi desenvolvido por um grupo formado por diferentes lideranças, como empresários, indígenas, pessoas de esquerda e de direita. A partir desses panoramas, que são pano de fundo para nos posicionarmos contra o golpe aplicado na presidenta deposta Dilma Rousseff, nós iremos discutir a democracia. Eu acho que é golpe e assim me posiciono para a sociedade internacional. Nós queremos sensibilizar os suíços sobre isso. Eu fui convidado pelo Centro Latino-Americano de Zurique (Lateinamerika-Zentrum ZürichLink externo), da Universidade de Zurique.

swissinfo.ch: O que leva um parlamentar brasileiro vir à Suíça para discutir suas posições contra o impeachment da presidente afastada e da luta em favor das causas homossexuais?

J.W.: Nós queremos sensibilizar a comunidade política e científica internacional para o que acontece no Brasil. A imprensa brasileira, que é extremamente hegemônica e está nas mãos de sete famílias, fez uma cobertura tendenciosa do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O noticiário foi baseado em fatos que não correspondem à verdade do golpe parlamentar. Pretendemos também chamar a atenção para a situação das minorias no Brasil; não só dos homossexuais, mas também da juventude negra e pobre, que é assassinada pela polícia.

Eu vim à Suíça porque o país se interessa pela América Latina, o que demonstra com a criação do Centro Latino Americano de Zurique. Essa sociedade compreende o impacto da América Latina no futuro do mundo. Eles sabem que não há como se isolar, que o que acontece no continente sul-americano afeta o mundo. E eu fui convidado porque sou ativista reconhecido dos direitos humanos.

swissinfo.ch: Como o Senhor vê a democracia direta no Brasil? Caso ocorra uma reforma do sistema político, plebiscitos e referendos teriam algum papel nela?

J.W.: A democracia direta não existe no Brasil. Os plebiscitos e os referendos, como existem aqui na Suíça, apesar de estarem previstos na Constituição brasileira, quase nunca foram postos em prática. O último deles aconteceu em 2005, a despeito da proibição de armas de fogo e munição, conhecido como plebiscito do desarmamento.

Dilma Rousseff diz que se não fosse esse impedimento injusto, faria um plebiscito para consultar a população sobre sua permanência no governo. O meu mandato, por exemplo, é formado por conselhos: são 104 cidadãos consultivos. Parte dessas pessoas veio da campanha eleitoral. Nós nos reunimos de dois em dois meses, além de dimensão virtual por meio de redes sociais. O Brasil precisa aprofundar a participação democrática mais qualitativa.

swissinfo.ch: Em sua opinião, qual o papel da Suíça no combate à lavagem de dinheiro?

J.W.: Poderia ser mais eficaz, aprofundar e estender essas averiguações. As elites e o capital transnacionais, que são aqueles que não precisam ter endereço fixo, podem financiar horrores, além de dinheiro sujo de corrupção. A Suíça precisa aperfeiçoar o mecanismo de fiscalização sobre esse dinheiro. Pode ser que o Estado Islâmico esteja participando indiretamente da lavagem de dinheiro e as autoridades não saibam.

swissinfo.ch: Qual a sua avaliação do governo de Dilma Rousseff? Por que não houve grandes mobilizações no Brasil contra o impeachment?

J.W.: Houve grandes mobilizações. Não houve grandes coberturas. A imprensa brasileira até convocou o povo a ir em passeatas contra Dilma Rousseff. Ela não foi deposta porque tinha como inimigos Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros.

O problema dela foi mexer com o dinheiro das elites. O Brasil é um grande exportador de commodities agrícolas. O governo Lula promoveu o crescimento social e 40 milhões saíram da miséria. Lula tirou o Brasil do mapa da fome, mas tudo isso graças aos bons ventos da economia. Quando pararam de soprar a partir do governo Dilma, a crise econômica começou a impactar o Brasil.

Ela tentava solucionar essa questão, mantendo ao mesmo tempo os gastos com políticas sociais. As elites econômicas não queriam mais custear essas políticas. Queriam manter os seus privilégios e repassar a conta da crise para os trabalhadores. As classes dominantes não têm interesse na reforma tributária para que sejam tributadas as maiores fortunas. Ao contrário, querem acabar com as políticas sociais, desmontar a rede de proteção dos trabalhadores, conquistas desde a Era Vargas, como décimo terceiro, férias etc.

swissinfo.ch: O Congresso brasileiro sofre uma grande influência da bancada evangélica. Qual o verdadeiro poder das igrejas no país? Existe uma tendência dessa influência se tornar ainda maior com as próximas eleições parlamentares em 2018?

J.W.: Sim, principalmente com o governo Temer. Para que ele conseguisse maioria, ele precisou contar com essas forças fundamentalistas cristãs. Eles são uma força política poderosa. Eles estão nos parlamentos, nos horários importantes em programas religiosos e com o seu discurso de ódio.

swissinfo.ch: O senhor é realmente o único parlamentar a lutar abertamente em favor da causa homossexual no Congresso?

J.W.: Eu sou o único a assumir a homossexualidade, mas existem outros parlamentares como Maria do Rosário (PCdoB) e Erica Kokay (PT), que também lutam pela causa. Elas são parceiras, mas a luta LGBT não é prioridade delas. Elas não são lésbicas, mas essa é a causa da minha vida.

Eu sou homossexual e ouvi o primeiro insulto na minha vida aos seis anos de idade. E desde então, o insulto nunca mais desapareceu. As pessoas de certa forma aceitam a difamação contra mim porque eu sou homossexual.

O Brasil ainda é um país homofóbico, onde calúnias na internet dizendo que eu apresentei projeto a favor da pedofilia e para as crianças mudarem de sexo ainda é aceito. Isso não é verdade, eu defendo, embora não seja de minha autoria, um programa educativo de redução de bullying homofóbico, que é o Escolha Sem Homofobia.

swissinfo.ch: Aqui na Suíça, desde a década de 90 é possível fazer cirurgia de troca de sexo, a partir de 2007 se tornou possível registrar relacionamento entre pessoas do mesmo sexo em alguns cantões. Mas ainda assim, o país ainda não tem uma estatística específica em violência contra homossexuais, transgêneros. A sua vinda aqui estaria relacionada de alguma forma de ajudar algum projeto em andamento nesse sentido?

J.W.: O projeto Escolha Sem Homofobia foi concebido no governo Lula. Eu vou me encontrar com a prefeita de Zurique para falar sobre isso e também vou me encontrar com vários representantes de grupos LGBT.

swissinfo.ch: O senhor não tem medo de perder votos com a questão do cuspe no deputado Jair Bolsonaro?

J.W.: Muito pelo contrário. Se eu tivesse que fazer isso de novo, eu faria. Então quer dizer que esse deputado pode dizer que arrancar as unhas das outras pessoas é normal? Defender crimes de tortura é aceito e um cuspe é considerado pior? Cuspe é uma resistência a um sistema corrupto.

Biografia

Jean Wyllys de Matos Santos nasceu em Alagoinhas, Bahia, em 10 de março de 1974.

Formou-se em jornalismo e tem mestrado em letras e linguística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atuou também como professor universitário na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Universidade Veiga de Almeida (UVA).

Em 2005 participou da quinta temporada do programa televisivo Big Brother Brasil, no qual terminou com vitorioso e ganhador de um prêmio de um milhão de reais.

Foi eleito deputado-federalLink externo pelo PSOL-RJ em 2010 e reeleito em 2014.

Jean Wyllys foi uma das 50 personalidades incluídas na “Lista Global da DiversidadeLink externo“, divulgada pela revista britânica The Economist em outubro de 2015. 

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