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A neutralidade suíça existe de fato?

Castro
Neutra ou aliada dos Estados Unidos? Fidel Castro, comunista e revolucionário, encontra em 1964 o embaixador suíço Emil Stadelhofer em Havana. Documents Diplomatiques Suisses, dodis.ch/40943

O caso de espionagem internacional em torno da Crypto AG é uma lembrança dos bons velhos tempos em que a Suíça era útil para os dois blocos durante a Guerra Fria. Mas já como mediadora entre a China e os Estados Unidos a situação difere.

As revelações sobre a operação de espionagem utilizando dispositivos de criptografia da empresa suíça Crypto AG chocaram a opinião pública, sobretudo por causa de sua extensão e duração. 

A questão é saber até que ponto as autoridades suíças, incluindo o governo, sabiam que os proprietários da empresa – na realidade, os serviços secretos dos EUA e da Alemanha – tinham manipulado esses dispositivos no processo de produção para poderem espionar outros países.

Na Suíça, o caso envolvendo a Crypto AG está apenas começa. Algumas das pessoas aparentemente envolvidas ainda são funcionários de alto escalão. Um deles é o antigo chefe do Serviço Suíço de Informações (NDB, na sigla em alemão, o serviço secreto), Markus SeilerLink externo, atualmente o segundo funcionário mais elevado no ministério suíço das Relações Exteriores (EDA).

O caso também levantou mais uma vez a questão da neutralidade, uma política suíça reconhecida pelo direito internacional, ao qual a grande maioria do povo suíço continua fortemente apegada.

O último estudo anual de segurançaLink externo (2019) do Centro de Estudos de Segurança (CSS) da Escola Politécnica Federal de Zurique mostra que  “a defesa da neutralidade está no seu maior apogeu de todos os tempos. As pessoas questionadas foram quase unânimes (96%, +1 ponto percentual) no seu apoio à manutenção da neutralidade. (…) Além disso, os suíços atribuem grande importância à neutralidade como um componente da identidade suíça.”

De fato, o governo suíço compreenderam já a partir da I. Guerra Mundial as vantagens da neutralidade, especialmente como fator apaziguador entre as populações germanófonas, francófonas e italófonas. 

E a nível internacional, durante a Guerra Fria, a maioria dos países estava ciente de que a Suíça neutra também fazia parte do bloco ocidental, que lutava contra o totalitarismo soviético. A defesa do mundo livre, que os Estados Unidos invocaram para justificar o seu papel de polícia mundial, não era apenas uma fórmula de propaganda. Mas na Suíça, a rejeição do sistema soviético era particularmente forte desde o início.

“Mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, a luta contra a esquerda, e depois contra o comunismo, era um princípio norteador da diplomacia do país”, explica o historiador Hans-Ulrich Jost. “Mas isso não significa que a Suíça como país industrial se recusava ter relações com a União Soviética ou a China maoísta.” Se os interesses econômicos fossem afetados, era possível desviar-se um pouco desta orientação.”

Além disso, esta filiação com o Ocidente não impediu de forma alguma a Suíça de oferecer os seus bons serviços. Por exemplo, o artigo sobre a Guerra Fria no Dicionário Histórico da SuíçaLink externo afirma: “A utilidade da neutralidade suíça foi demonstrada à comunidade internacional em 1953, com a sua participação na comissão de monitoramento neutro para o cessar-fogo na Coréia e na comissão de repatriação neutra para prisioneiros de guerra, ainda que a Suíça fosse considerada um país ‘ocidental neutro.'”

A Suíça também pôde desempenhar um papel na Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa, que mais tarde se tornaria a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCELink externo), que desde o início dos anos 1970 levou a uma aproximação entre o Bloco de Leste e o Ocidente.

No entanto, o caso Crypto AG mais uma vez deixa claro como a Suíça teve que se curvar fortemente às exigências dos EUA naquela época. “Até o início dos anos 1950, a Suíça era maltratada pelos americanos”, diz Hans-Ulrich Jost.

Uma atitude que foi resultado da política do governo suíço de acomodar a Alemanha nazista e suas reservas de ouro. “Com o Acordo Hotz-LinderLink externo, um embargo contra os países do Bloco Oriental, a Suíça praticamente se juntou ao Ocidente sem nunca o fazer formalmente”, acrescenta o historiador, que desenvolve neste artigoLink externo suas reflexões sobre a neutralidade suíça.

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Versammlung des Völkerbunds

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A Suíça, a Liga das Nações e a Hipoteca Bolchevique

Este conteúdo foi publicado em “A Suíça luta contra a revolução, realizando todas as reformas sociais que considera possíveis; para este fim, nosso povo está concentrando todas as suas forças econômicas e morais”. Em 2 de julho de 1919, o ministro Félix Calonder recebeu representantes da imprensa suíça para promover a favor da candidatura da SuíçaLink externo à adesão à…

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Por sua vez, Georges Martin, ex-diplomata e alto funcionário do EDA, salienta que a Confederação Helvética, como muitos outros Estados, sempre manteve três tipos de relações externas: segurança, econômica e política.

“No entanto, muitas vezes foram feitos compromissos em favor da economia ou da segurança. O ministério das Relações Exteriores tentou desenvolver eixos que mostrassem como nos diferenciamos dos outros países, mas foi ingênuo nas suas considerações do que poderíamos ser, e as nossas ideias de solidariedade e compromisso na comunidade internacional (ONU) foram muitas vezes rejeitadas, quando se tratava da nossa economia ou da nossa segurança.”

Mas a extensão da manipulação que foi realizada com as máquinas Crypto AG, sob o pretexto da neutralidade suíça por assim dizer, vai além do curso normal dos acontecimentos. “Não podemos colocar toda a culpa sobre a Guerra Fria, porque a operação, que afetou dezenas de países, continuou muito depois da queda do Muro de Berlim. A melhor maneira de limitar os danos em termos da nossa credibilidade é ir ao fundo das coisas agora, e trazer tudo à luz”, diz Georges Martin, cujo blogLink externo no jornal Le Temps analisa e comenta a política estrangeira da Suíça.

Hans-Ulrich Jost, por sua vez, recorda outro caso sensacional que veio à tona em 1957, quando a imprensa revelou que o procurador-federal René Dubois havia acompanhado conversas telefônicas na embaixada egípcia em Berna para reunir informações sobre a FLN (Frente Nacional de Libertação) argelina, que depois foram passadas para os serviços secretos franceses. “Foi um jogo semelhante ao da Crypto AG”, diz Jost.

Em 2007, o jornalista e editor Charles-Henri Favrod analisou o casoLink externo, que tinha acompanhado de perto como jovem jornalista, num artigo para o jornal suíço Le Temps.

Na sua opinião, este infeliz incidente – o procurador tinha, segundo a teoria oficial, cometido suicídio – tinha levado Max PetitpierreLink externo – então chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros – a estabelecer contatos com os combatentes da independência argelina e a mediar entre eles e o Estado francês, até à conclusão dos acordos de EvianLink externo em 1962. Com isso a guerra de independência na Argélia finalmente foi terminada.

Além dos possíveis danos que o caso Crypto AG poderia ter para as relações externas da Suíça, no plano internacional a neutralidade da Suíça poderia ser novamente um trunfo? A Suíça perdeu este capital após o colapso do bloco soviético. Atualmente, outros países também podem desempenhar o papel que a Suíça desempenhou durante a Guerra Fria, incluindo membros da OTAN, como a Noruega.

O ex-diplomata Georges Martin, que recorda o choque daquela época, concorda com esta avaliação: “Não tínhamos previsto nada, e caímos das nuvens.” E não éramos mais o “queridinho” da comunidade internacional. Hoje, é muito mais difícil nos posicionarmos nas relações internacionais extremamente voláteis.”

Hans-Ulrich Jost coloca isso de forma um pouco diferente: “A Suíça perdeu sua credibilidade como ator, cuja prioridade máxima é a neutralidade. Por outro lado, a Suíça permanece dependente da UE, que por sua vez está enfraquecida internacionalmente.

De acordo com o historiador, a Suíça está oscila atualmente entre duas opções: “Ela pode tentar se recuperar no cenário internacional através dos EUA. Isso se reflete na busca por um acordo de livre comércio com os EUA. Mas, para além das finanças, o peso da Suíça não é suficiente para jogar este jogo.

Por outro lado, ela é quase obrigada a cooperar com a União Europeia (UE) para garantir a segurança nas suas relações diárias com o mundo exterior. No entanto, essa não é necessariamente uma perspectiva para o futuro, uma vez que a UE não parece ser capaz de unir forças para agir como um ator global.”

A Suíça poderia, portanto, refletir sobre um ditado africano citado por Georges Martin: “Na savana, quando os elefantes fazem guerra ou amor, a vida fica perigosa para os ratos.”

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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