Fazer da água uma fonte de paz no Oriente Médio
Resultado de uma vasta consulta, um relatório encomendado pela Suíça e pela Suécia traça um quadro inquietante do problema da água no Oriente Médio.
Ele também abre pistas para que a questão da água torne-se um fator de paz. Esse é um projeto que a diplomacia suíça vai promover.
“No futuro, o principal recurso geopolítico no Oriente Médio será a água e não mais o petróleo.” A constatação é da presidente da Suíça este ano e ministra das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, por ocasião da publicação do relatório Blue Peace, Rethinking Middle East Water no Clube Suíço da iImprensa, em Genebra.
Escolhido em 2009 pela Suíça e pela Suécia, um grupo de especialistas independentes indianos – o
– le Strategic Forsight Group (SFG) – fez esse relatório depois de uma ampla consulta aos países da região.
Esse documento de 150 páginas avalia os desafios ligados à gestão transfronteiriça dos recursos hídricos pressionados pelo crescimento demográfico, as migrações, a urbanização e as mudanças climáticas.
Como sublinha o autor do relatório, Sundeep Waslekar, o rio Jordão tinha em 1960 um débito de 1,3 bilhão de m3 por ano. Hoje ele oscila entre 100 e 200 milhões de m3. No mesmo período, o Mar Morto passou de 950 km2 a 650 km2. Atualmente, a maioria dos países da região têm penúria estrutural de água.
“Hoje fator de divisões e tensões, a água pode tornar-se um instrumento de paz e de cooperação. Essa é a tese do relatório”, explica o Ministério das Relações Exteriores (DFAE), dirigido pela chanceler Micheline Calmy-Rey.
Com intenção pragmática e ancorado nas realidades complexas do Oriente Médio, o documento faz dez recomendações, como a criação de um Conselho de Cooperação para a água, reunindo inicialmente o Iraque, a Jordânia, o Líbano, a Síria e a Turquia. A médio prazo, esses países poderiam cooperar na elaboração de programas conjuntos de gestão dos recursos hídricos.
“Um processo de consolidação de uma verdadeira paz azul poderia assim ocorrer”, espera o DFAE. Explicações do embaixador Jean-Daniel Ruch, enviado especial para o Oriente Médio.
swissinfo.ch: Como surgiu essa iniciativa?
Jean-Daniel Ruch: O projeto nasceu de discussões em que nos demos conta que a questão da água aparecia sempre no plano dos governos como das sociedades civis de toda a região. Foi conversando com
Sundeep Wasleka, autor de vários estudos sobre a gestão da água e grande conhecedor do Oriente Médio, que surgiu a ideia de um relatório baseado em informações do terreno.
A Suíça organizou então três ateliês em 2010 em Montreux (Suíça), Ammman (Jordânia) e Sanliurfa (Turquia), com atores locais da sociedade civil, do mundo acadêmico e do mundo político. Os países representados eram Turquia, Síria, Líbano, Iraque, Jordânia, Autoridade Palestina e Israel.
Também tivemos uma série de encontros bilaterais. Esse relatório é, portanto, o resultado de uma consulta muito ampla dos meios diretamente interessados em toda a região.
swissinfo.ch: Como foi a participação israelense?
J-D. R: Os israelenses tem algo a oferecer no setor da água. Há muito tempo, Israel desenvolveu uma excelência na pesquisa utilizando as tecnologias mais modernas para gerir o problema da água. Atualmente, os israelenses se concentram em soluções baseadas na dessalinização da água do mar.
Israel imagina portanto que pode oferecer seus conhecimentos a outros países.
swissinfo.ch: os outros países da região estão interessados pelos conhecimentos israelenses?
J-D. R: Esse projeto está entre o político e a tecnologia. Ora, Israel continua tecnicamente em guerra com o Líbano e a Síria e só tem tratado de paz como a Jordânia e o Egito. Ao mostrar esse interesse comum forte na questão da água, esperamos criar uma vontade política de ter mais cooperação e paz.
swissinfo.ch: os países europeus e os Estados Unidos estão envolvidos?
J-D. R: É um projeto que fazemos juntamente com a Suécia. Brevemente iremos apresentar o relatório ao Parlamento Europeu.
Os Estados Unidos também estão envolvidos na gestão da água na região. Estamos em contato com diferentes projetos ativos nessa área. Durante uma viagem, falei à administração norte-americana que se mostrou muito interessada pela perspectiva regional do relatório. Essa visão poderia ser aplicada a outros setores, segundo as reflexões em curso na administração dos EUA.
swissinfo.ch: Além de seu conhecimento da diplomacia, o que a Suíça pode oferecer?
J-D. R: No seminário de Amman, fiquei surpreso ao ver que as garrafas de água mineral provinham da Nestlé. A multinacional suíça é de fato muito envolvida na região no setor de água.
De maneira geral, a Suíça desenvolveu um conhecimento nessa área no plano acadêmico e econômico. Sem esquecer que agência de cooperação suíça (DDC) que fez numerosos projetos de abastecimento de água potável. Esperamos também colocar essa experiência à disposição.
“O direito à água consta de vários tratados internacionais e muitos países o inscreveram na Constituição. No entanto, foram necessárias décadas para inseri-lo como direito humano.
Na ONU, data de 2002 : numa observação geral, ela afirmou que o direito à água é implicitamente protegido pelo Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, texto que reconhece o direito a um nível de vida suficiente.
Essa interpretação, contudo, não tem caráter coercivo. Certos Estados continuam a temer que um reconhecimento oficial do direito à água acarrete obrigações irrealizáveis.
Um outro debate está em curso sobre a questão de saber se o saneamento deve ser reconhecido como um direito distinto ou se é parte do direito à água.”
Fonte: DDC
Adaptação: Claudînê Gonçalves
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