Genebra ascende como epicentro global da diplomacia científica
A Suíça aposta na diplomacia científica para tornar Genebra um polo de governança de tecnologias a nível internacional. Uma aspiração que se materializou por meio do Gesda, cuja cúpula anual reuniu as comunidades científicas e diplomáticas internacionais. Mas, após quatro anos de existência, a organização ainda precisa mostrar sua importância.
De 11 a 13 de outubro, a Fundação Gesda (Antecipador de Genebra para Ciência e Diplomacia) realizou seu terceiro encontro anual no Portal da Ciência do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), em Genebra, um novo local de exposição e educação inaugurado no início de outubro.
No programa: discussões sobre as futuras descobertas científicas – nos domínios da inteligência artificial, da mecânica quântica ou mesmo das neurotecnologias – e as suas consequências para os seres humanos, bem como para os sistemas de governança. Houve a participação de 1.200 políticos, cientistas, diplomatas e representantes do setor privado, presencialmente ou on-line.
Lançado em grande estilo em 2019 pelo governo federal da Suíça, o Gesda tem como propósito manter Genebra no mapa mundial quando a governança global passa por sérias mudanças. A rivalidade China-Estados Unidos, bem como a ascensão do Sul global, desafia uma visão da diplomacia dominada pelo Ocidente desde 1945 e na qual Genebra desempenhava importante papel.
“Temos aqui um laboratório para a governança global no século XXI”, declarou o secretário de Estado Alexandre Fasel, o número dois do Ministério das Relações Exteriores da Suíça (DFAE, na sigla em francês). Ele também destacou que a diplomacia científica é “um dos instrumentos centrais” da política externa do país para 2024-2027.
O ministro suíço das Relaçõe Exteriores, Ignazio Cassis, lançou o Open Quantum Institute (OQI), um centro mundial destinado a facilitar o acesso à computação quântica e uma das principais iniciativas do Gesda até hoje.
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Genebra continua o centro do mundo?
Uma ponte entre a ciência e a política
A Fundação Gesda deve, portanto, servir de ponte entre os pesquisadores e pesquisadoras de ponta e os setores público e privado – com a premissa básica de antecipar futuros avanços tecnológicos a fim de preparar hoje diplomatas e decisores políticos para as consequências de amanhã.
“O que estamos tentando fazer é antecipar as linhas de desenvolvimento. Todos nós perdemos mais ou menos o debate sobre a inteligência artificial, que praticamente entrou em nossas vidas de um dia para o outro”, declarou Jean-Marc Crevoisier, diretor de marketing e comunicação do Gesda. “Não estávamos preparados para isso e o resultado é um debate um tanto caótico”.
Após uma fase piloto de três anos, a Confederação Suíça decidiu, em 2022, continuar financiando o Gesda com 3 milhões de francos suíços por ano durante um tempo de dez anos. Em 2022, o cantão e a cidade de Genebra também contribuíram separadamente com 100 mil francos suíços para o orçamento da organização. A título de comparação, a Suíça investiu um total de 122 milhões de francos suíços em sua política de país anfitrião para o período 2020-2023.
Críticas à esquerda e à direita
Antes de sua criação, a iniciativa recebeu críticas no Parlamento de setores da esquerda e da direita. Alguns deputados temiam que a presença à frente da organização de personalidades como Peter Brabeck – presidente do Gesda e ex-CEO da Nestlé – ou Patrick Aebischer – vice-presidente do Gesda, antigo presidente da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) e membro do conselho de administração da Nestlé – desse origem a uma organização de prestígio ou a conflitos de interesses.
“Eu não acredito que o Gesda defenda um por um os interesses da Nestlé”, afirma Fabian Molina, conselheiro nacional socialista de Zurique e membro da Comissão de Política Externa. “Mas é evidente que, quando se contratam gestores que passaram a vida toda trabalhando para multinacionais e que sempre defenderam o lucro e o crescimento econômico, eles não vão tomar o partido das pessoas mais desfavorecidas do outro lado do planeta”.
Alguns parlamentares também consideram a missão do Gesda muito difusa. Roland Büchel, deputado-federal do Partido do Povo Suíço (SVP) e membro da Comissão de Política Externa, avalia que “por definição, o papel do Gesda não pode ser claro, porque a diplomacia é um assunto do governo e dos diplomatas”. Ele vê com um olhar crítico agentes econômicos se imiscuírem nos assuntos da diplomacia suíça por meio de uma fundação financiada ‘pelos contribuintes’. “Na minha opinião, esses recursos poderiam muito bem ser poupados”, acrescenta.
Os dois parlamentares reconhecem, contudo, que o Gesda não é uma prioridade no Parlamento, até porque o financiamento concedido pela Confederação continua modesto em relação ao orçamento do Ministério das Relações Exteriores.
Quais são os resultados?
O Gesda, o verdadeiro cavalo de batalha do Ministério do Exterior, não deixou de suscitar expectativas muito elevadas.
Até o momento, seu principal produto é um “radar” de antecipação, lançado em 2021 e atualizado anualmente desde então. Trata-se de uma plataforma on-line que cataloga os avanços científicos mais importantes esperados para os próximos cinco, dez e 25 anos em diversas áreas de pesquisa. Seus resultados baseiam-se nas reflexões de mais de 1.500 cientistas entrevistados em todo o mundo.
“O desafio é levar esse radar de antecipação às pessoas pertinentes”, indica Johan Rochel, pesquisador em direito e ética da inovação na Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL). “Desenvolver cenários é o primeiro objetivo. Mas dar vida a eles e levá-los aos tomadores de decisões políticas é o segundo objetivo principal”.
No entanto, em um momento em que a cooperação multilateral está em ponto morto devido às tensões geopolíticas – a rivalidade entre China e EUA, a guerra na Ucrânia e agora o conflito israelo-palestinense – o Gesda deve enfrentar fortes ventos contrários.
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Como a diplomacia e a ciência podem trabalhar juntas
“Há dificuldades de se inserir no debate político? Talvez”, admitiu Jean-Marc Crevoisier. “Mas somos uma fundação que está apenas começando, temos um produto que é reconhecido como de ponta e debatemos essas questões todos os anos”. E acrescentou que seis ministros das relações exteriores são esperados na cúpula do Gesda este ano. É um esforço para alcançar as capitais do mundo que a fundação pretende continuar, mesmo que, no momento, seja difícil quantificar o impacto global da conferência. Uma visita da SWI swissinfo.ch ao evento confirmou uma forte presença científica internacional, mas um número reduzido de diplomatas.
“Evidentemente, não temos os recursos para visitar todas as capitais do mundo e promover o radar como gostaríamos”, disse Martin Müller, diretor-executivo de ciência de antecipação do Gesda. Em 2022, a fundação tinha um orçamento de pouco mais de quatro milhões de francos e empregava doze pessoas. “Penso que a mensagem começa a se difundir um pouco nas diferentes capitais por meio das representações permanentes aqui em Genebra”, acrescentou.
Genebra está perto de alcançar a universalidade em número de representações diplomáticas instaladas localmente. 180 dos 193 estados reconhecidos pela ONU têm escritórios permanentes aqui, em particular devido à presença da sede europeia das Nações Unidas e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Cerca de 750 organizações não governamentais também estão sediadas aqui. Das cerca de vinte representações contatadas, incluindo os principais centros de pesquisa e potências globais e regionais, apenas as do Reino Unido e do Japão responderam às nossas solicitações e confirmaram que os diplomatas estariam viajando de suas respectivas capitais.
O que o futuro nos reserva?
“O Gesda é uma estratégia de influência ou ‘ciência para a diplomacia’ por meio da qual o DFAE busca promover objetivos políticos que vão além da ciência”, explica Leo Eigner, pesquisador em diplomacia científica no Centro de Estudos de Segurança (CSS) da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH). “O problema com essa abordagem é que é muito difícil implementar tais iniciativas e fazê-lo rapidamente”.
Darius Farman, codiretor do laboratório de ideias Foraus em Genebra, também pensa que será necessário esperar “mais alguns anos para podermos fazer um balanço e avaliar os resultados concretos” do Gesda. “Nos próximos anos, é provável que haja uma demanda cada vez maior por parte dos países do chamado ‘Sul global’ para que o multilateralismo se desocidentalize, tornando-se mais representativo de sua crescente força demográfica e econômica […] O Gesda terá que trabalhar com um número muito grande de atores internacionais e adotar um elenco extremamente diversificado se quiser atingir seu objetivo de mobilização”, acrescenta.
Enquanto os trunfos históricos da diplomacia suíça – sua neutralidade e sua política de bons ofícios – parecem hoje ter dificuldade em convencer no cenário internacional, a Suíça continua a desfrutar de uma excelente reputação no campo da pesquisa, com a presença, em particular, de duas grandes politécnicas e do CERN. Uma aposta na diplomacia científica poderia, portanto, gerar frutos, de acordo com vários especialistas. Mas Genebra não está sozinha em seu desejo de se posicionar como um centro de governança da tecnologia: outros centros de multilateralismo, como Nova York, Paris e Bruxelas, também querem deixar sua marca.
“O Gesda, de qualquer modo, desempenha um papel em ecossistemas muito mais amplos. É Genebra e suas partes interessadas que devem se coordenar e se mobilizar. Outras cidades procuram atrair o mesmo tipo de organizações”, sublinha Johan Rochel.
Edição: Virginie Mangin
Adaptação: Karleno Bocarro
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