Por que precisamos do Pacto Global para Migração?
Os Estados-membros das Nações Unidas se reúnem hoje no Marrocos para adotar formalmente um acordo internacional que promete uma abordagem melhor e mais coordenada para a migração. Por que esse pacto é necessário? Por que ele é tão controverso? E por que a Suíça, que participou de sua elaboração, não estará presente?
Os chefes de Estado e de governo presentes em Marraquexe entre os dias 10 e 11 de dezembro deverão confirmar publicamente seu compromisso com o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e RegularLink externo, um acordoLink externo multilateral concluído sob os auspícios da ONU no início deste ano.
O documento final de 31 páginas bem como a conferência intergovernamental e a cerimônia de endosso são o ponto culminante de dois anos de negociações intensivas envolvendo estados, membros da sociedade civil e do setor privado, e facilitado pelos embaixadores Juan José Gomez Comacho do México e Jürg Lauber da Suíça.
Por que precisamos de um pacto global para a migração?
De acordo com as Nações Unidas existem hoje mais de 258 milhões de imigrantes no mundo. Espera-se que esse número cresça devido à globalização, às telecomunicações facilitadas, ao transporte e comércio, bem como devido à crescente desigualdade, aos desequilíbrios demográficos e à mudança do clima. A migração, diz a ONU, oferece grandes oportunidades para migrantes, para comunidades anfitriãs e para as comunidades de origem. Mas quando a migração é desordenada, ela pode criar problemas devendo, portanto, ser mais segura, mais ordenada e melhor regulada.
O pacto ganhou impulso após a crise migratória de 2015 na Europa; uma crise que marcou o maior influxo de refugiados e migrantes no continente desde a Segunda Guerra Mundial. O pacto é fruto de iniciativas e tratados anteriores na área de direitos humanos e de desenvolvimento tais como o Foro Global de Migração e DesenvolvimentoLink externo. Ele teve origem no compromisso político conhecido como a “Declaração de Nova Iorque sobre Refugiados e Migrantes”, adotada por unanimidade em 2016 pelos 193 estados-membros da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Qual é o objetivo do pacto?
Por volta de um quarto dos 8,4 milhões de residentes estrangeiros na Suíça têm passaportes estrangeiros, sendo que em sua maioria são Europeus. O percentual de suíços que têm raízes estrangeiras aumentou levemente para 37,2%. Este número inclui estrangeiros, suíços naturalizados bem como suíços natos cujos pais nasceram ambos fora do país.
Ano passado, a imigração líquida (imigrantes menos emigrantes) para a Suíça vinda da União Europeia foi de cerca de 34.000 pessoas, abaixo de níveis recorde como em 2013 quando 66.000 pessoas a mais vieram da UE do que deixaram a Suíça. A imigração líquida de outubro foi de 26.809, enquanto 750.000 cidadãos suíços vivem no exterior.
Os estados não estão ratificando um tratado global compulsório. O texto do acordo não é obrigatório tratando-se apenas de um instrumento multilateral de cooperação que visa estabelecer princípios comuns e diretrizes para a migração ordenada com vistas a reduzir fluxos irregulares. O documento foi criado após extensa análise dos dados migratórios e de um processo minucioso de consulta.
Ele contém dez princípios diretores e 23 objetivos. Para cada item existe uma longa lista de possíveis ações voluntárias que podem ser adotadas pelos estados. Estas ações incluem medidas preventivas para lidar com as causas da migração, medidas contra o tráfico de seres humanos, gerência de fronteiras e facilitação do repatrio. O texto também aborda soluções e melhores práticas para facilitar a migração regular.
“O ponto forte do acordo é que ele é um documento muito abrangente e equilibrado que leva em consideração tanto as preocupações sérias e legítimas daqueles que querem controlar as fronteiras, bem como os direitos dos migrantes”, afirma Walter Kälin, que é professor de direito internacional na Universidade de Berna.
Para o diretor do Centro Global da Migração do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra, Vincent Chetail, o acordo não cria novas regras, mas sim reformula regras já existentes. E apesar do pacto ser voluntário, ele acredita que terá um impacto visível.
“Um processo de acompanhamento e revisão vai ser estabelecido para avaliar a implementação do pacto”, disse Chetail. “Mesmo não sendo compulsório, a Assembleia Geral da ONU vai ser convocada a cada quatro anos para avaliar sua implementação. Existe uma forte presunção de que estes compromissos serão levados a sério e implementados pelos estados”.
Mostrar mais
Suíça, terra da imigração europeia
Quem é a favor e quem é contra?
O documento foi aprovado em julho por 192 nações membras na Assembleia Geral da ONULink externo, inclusive pela Suíça, mas sem a aprovação dos Estados Unidos que deixaram o processo ano passado alegando que o tema “simplesmente não é compatível com a soberania dos EUA”.
Desde então, várias outras nações rejeitaram o tratado antes do início da conferencia, enquanto outros ainda hesitam. Os estados que se retiraram do pacto incluem Israel, Austrália, Áustria, Polônia, Bulgária, República Checa, Hungria e a República Dominicana. O governo austríaco, por exemplo, tem a preocupação de que a assinatura do pacto possa levar ao reconhecimento de um “direito humano à migração”. A Itália, cujo governo esteve nas manchetes por endurecer sua postura quanto à imigração, vai decidir se apoia o acordo após avaliação em seu parlamento.
Apesar das retiradas de apoio, a representante especial para migração internacional das Nações Unidas, Louise Arbour, juntamente com outros partidários do acordo permanecem confiantes. Ela espera “uma participação muito grande” em Marraquexe, e considerou ações pela rejeição do pacto como sendo “lamentáveis” e “equivocadas”. Ela diz que o pacto não afeta os direitos dos estados de administrar suas fronteiras, mas tenta simplesmente instilar ordem nos movimentos transfronteiriços.
“Não é de forma alguma uma infração da soberania do estado. Ele [o acordo] não é juridicamente vinculativo, trata-se de um quadro para a cooperação”, disse Arbour ao comparar o acordo com as 17 metas de desenvolvimento sustentado das Nações Unidas para 2030.
Peter Maurer, ex-ministro das relações exteriores da Suíça e atual presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), define o pacto como um bom compromisso. Ele acredita que o pacto será assinado por entre 160 e 180 estados.
Qual é a posição oficial da Suíça?
Ironicamente, o documento cuja elaboração contou com a ajuda de diplomatas suíços acabou se transformando em uma “batata quente” na política interna do país.
O pacto foi aprovado pessoalmente pelo presidente suíço, Alain Berset, durante a reunião da Assembleia Geral da ONU em setembro, e pelo governo suíço em 10 de outubro. Para o governo, o acordo tem “princípios diretores e objetivos que correspondem plenamente com a política de migração da Suíça”.
Mas face à crescente resistência por parte de políticos de partidos de centro e de direita na Suíça, o executivo tem relutado em apoiar o pacto com entusiasmo. Seguindo iniciativa do titubeante ministro de relações exteriores, Ignazio Cassis, o gabinete decidiu consultar o parlamento sobre o documento.
Um mês após ter aprovado o acordo, o governo anunciou então que não participaria do encontro de Marraquexe por ter decidido adiar a adoção do documento até que o parlamento suíço tenha podido debater suficientemente o assunto.
Até o momento, o governo continua a insistir que o pacto é de interesse para a Suíça e que, segundo afirma o ministro das relações exteriores, a eventual aprovação pelo governo não pode ser descartada.
Quais são as opiniões de observadores e dos partidos políticos suíços?
A Comissão Federal sobre Migração (CFM), um grupo extraparlamentar de 30 membros que aconselha o governo em questões migratórias, diz que a ratificação do acordo não é apenas desejável, mas “necessária”.
Contudo, partidos de direita e de centro-direita temem que o pacto possa confundir os limites entre migração legal e ilegal. O Partido Popular Suíço (SVP) da direita conservadora liderou o ataque desde setembro ao afirmar que o pacto “é incompatível com a administração independente da imigração”. Ele avisou que o pacto poderia eventualmente assumir a precedência sobre o direito suíço e exortou o governo a rejeitá-lo. Em novembro, o movimento conservador chamado Campanha para uma Suíça Independente e Neutra entregou uma petição contra o pacto assinada por 15.000 cidadãos.
O Partido Liberal Radical de centro-direita argumenta que o pacto pode não ser vinculativo, mas sendo “soft law”, ele tem “implicações políticas que requerem caução extrema”. O partido elogiou Cassis por aumentar o grau de envolvimento do parlamento na política externa e por “colocar na prática seu lema ‘política externa é política interna’”.
Christian Levrat, presidente do Partido Social-Democrata de esquerda, disse que o atraso em assinar o pacto foi um “erro político”, tanto na política externa ao alinhar a Suíça com países como a Hungria e os EUA, quanto de política interna, pois significou “ceder ao Partido Popular Suíço às pressões por ele exercidas”.
Sendo um país pequeno que depende da cooperação internacional, assinar o pacto é de interesse da Suíça, diz Pietro Mona, um diplomata suíço que ajudou a negociar o acordo.
“O pacto de migração é o primeiro documento internacional que afirma que os países devem cooperar na repatriação de seus cidadãos,” diz ele. “O fato de que a Suíça já observa as 23 metas contidas no acordo não deveria ser um impedimento para sua participação.”
Para Mona, a credibilidade da Suíça está em jogo: “Não podemos pedir a outros estados que cumpram com um compromisso com a qual nós mesmos não nos comprometemos”.
Adaptação: D.v.Sperling
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.