Suíça corre risco de uma “swixit” ao limitar a imigração?
Um projeto de lei para diminuir a imigração teria sido votado em 17 de maio. Porém a crise do coronavírus provocou a adiação do plebiscito federal. A proposta de um partido da direita nacionalista visa abolir a livre circulação de pessoas com a União Europeia. O governo teme um "Brexit" suíço.
O fim da livre circulação de pessoas e um regresso às quotas para regular a imigração europeia: o eleitor votaria em 17 de maio a proposta que mudaria fundamentalmente a política de admissão de estrangeiros no país.
Com sua iniciativa popular, um projeto de lei levado a plebiscito após recolhimento de um número mínimo de assinaturas, “Por uma Imigração ModeradaLink externo“, o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) exige que a Suíça regule a imigração de forma autônoma. A introdução de um novo artigo 121b na Constituição Federal destina-se a revogar os acordos bilaterais que regulam a livre circulação de pessoas com a União EuropeiaLink externo (UE).
O texto obriga a Suíça a negociar com a UE um novo acordo após a aprovação nas urnas desse novo artigo da Constituição. O prazo seria de doze mese. Se não houve sucesso, o Conselho Federal (governo nacional) terá de rescindir o acordo dentro de mais 30 dias.
O objetivo do texto da iniciativa é diminuir afluxo de trabalhadores europeus à Suíça. Eles não teriam mais livre acesso ao mercado de trabalho suíço, mas estariam mais uma vez sujeitos a um sistema de quotas, como acontecia antes da entrada em vigor do acordo, em 2020.
Com esta proposta, o SVP quer assegurar que a sua “Iniciativa de imigração em massa“, adotada pelo eleitorado em 9 de fevereiro de 2014, seja colocada em prática. A campanha do grupo de pressão Por uma Suíça Independente e Neutra (AUNS, na sigla em alemão) apoia a iniciativa.
A iniciativa de 2014 pede que o governo introduza limites máximos e quotas anuais para limitar a imigração. Como o SVP considerou que elas foram incorretamente implementadas, lançou uma nova iniciativa, que foi assinada por 120 mil eleitores no prazo de seis meses.
“Acredito que a migração é a principal causa das emissões de CO2.” Albert Rösti
“Não queremos uma Suíça de 10 milhões (de habitantes)”, disse o presidente do partido SVP, Albert Rösti, na reunião dos delegados do partido, no final de janeiro. Para o partido conservador de direita, a imigração para a Suíça é “descontrolada e desproporcional”. Ele enumera uma série de consequências negativas da livre circulação de pessoas: pressão sobre o emprego e os salários, aumento dos preços dos imóveis e dos custos sociais, sobrecarga do sistema de transportes.
Embora a proteção ambiental nunca tenha sido o ponto forte do seu programa, o SVP decidiu surfar na onda verde, denunciando os efeitos “prejudiciais” da imigração sobre o ambiente. “Considero a migração a maior força motriz por trás do desperdício de recursos e, portanto, a principal causa das emissões de CO2”, disse Rösti.
O Conselho Federal recomenda que a iniciativa de limitação seja rejeitada. A rescisão do acordo sobre a livre circulação de pessoas seria equivalente a um “Brexit suíço”, disse a ministra suíça da Justiça, Karin Keller-Sutter, durante os debates no Parlamento. Isso, pois o acordo está ligado a seis outros através da chamada “Cláusula de Guilhotina”. Eless garantem à Suíça um acesso praticamente não discriminatório ao mercado interno da UE.
A rescisão significaria, portanto, o fim de todo o pacote de Acordos Bilaterais 1. Tal cenário restringiria as oportunidades de exportação para empresas suíças, colocaria em risco certos postos de trabalho e levaria a preços mais altos para bens de consumo, adverte o governo.
Além disso o Conselho Federal teme que o fim da livre circulação de pessoas agrave o problema da escassez de mão-de-obra qualificada. Mesmo se a Suíça conseguir empregar melhor seus próprios cidadãos, ela continua a depender de trabalhadores qualificados vindos do exterior. O envelhecimento da população suíça e as necessidades criadas pela digitalização agravam ainda mais o problema.
Finalmente, a livre circulação de pessoas não levou a um aumento da utilização dos benefícios da assistência social ou a uma deterioração do mercado de trabalho, ressalta o governo.
O fim da livre circulação de pessoas também teria um impacto sobre o grupo de 760.200 cidadãos suíços residentes no exterior. O fim do acordo comprometeria seus direitos e o seu acesso ao mercado de trabalho da UE.
Na campanha eleitoral, a direita conservadora está sozinha no tabuleiro político. Da esquerda à direita, a maior parte dos partidos são contra o projeto de lei do SVP e defendem a livre circulação de pessoas. Ambas as câmaras do Parlamento rejeitaram firmemente a iniciativa.
O “fantasma” de 9 de fevereiro de 2014 paira sobre a campanha. Naquela época, o eleitorado suíço havia decidido frear a imigração, em uma votação apertada. Durante os três anos seguintes, as discussões políticas em Berna foram dominadas por debates sobre como implementar a proposta do SVP sem prejudicar a economia. As relações entre Bruxelas e Berna permaneceram tensas.
Muitos círculos têm interesse em garantir que tal história não se repita, especialmente os sindicatos. Há seis anos, a Federação Suíça de Sindicatos (SGB, na sigla em alemão) praticamente não tinha lutado contra a “iniciativa de imigração em massa”. Eles ficaram desapontados com a recusa dos empregadores em tomar medidas paralelas para evitar a pressão salarial.
A Federação Suíça de Sindicatos (SGBLink externo) expressou então a sua surpresa pela aceitação apertada da iniciativa. A fim de evitar um fracasso semelhante, a SGB decidiu desta vez optar por uma abordagem de mão dupla: investe meio milhão de francos na campanha. A Federação dos Sindicatos nunca gastou tanto para combater uma iniciativa.
Se a iniciativa for aceita, a SGB teme uma desregulamentação do mercado de trabalho. Afinal, com a livre circulação de pessoas, as medidas paralelas também desapareceriam. De acordo com a Federação dos Sindicatos, estas trouxeram uma melhor proteção para os empregados suíços.
Mesmo assim, os sindicatos tentam um exercício de equilíbrio no tema. Eles continuam a se opor à assinatura do acordo-quadro pelo governo. O objetivo deste é regular as relações a longo prazo entre Berna e Bruxelas. No entanto, na opinião deles, o acordo não protege suficientemente os salários suíços.
A Economiesuisse, que agrupa a maior parte das grandes empresas do país, declarou sua oposição à iniciativa de limitação como sua prioridade para 2020. Ao contrário do que afirma o SVP, a associação está convencida de que a adoção da iniciativa popular derrubaria todos os Acordos Bilaterais 1.
As consequências de tal cenário seriam desastrosas, de acordo com um relatório publicado em 2015 pela Secretaria de Estado dos Assuntos Econômicos (SECOLink externo, na sigla em alemão). O cancelamento dos sete acordos restringiria o acesso ao mercado interno da UE, resultando em uma deterioração da competitividade suíça. De acordo com o estudo, o produto interno bruto cairia de 5 a 7% até 2035.
Embora o SVP reclame que há imigração “excessiva” no país, os dados concretos não concretizam suas alegações. O desenvolvimento da imigração depende principalmente das necessidades da economia suíça e da situação econômica no exterior.
A introdução da completa liberdade de circulação para os cidadãos da UE-15/EFTA coincidiu com a crise econômica e financeira de 2008. Como a economia suíça foi menos afetada do que a dos países do sul da Europa, a imigração aumentou acentuadamente por vários anos. Entretanto, entre 2013 e 2018, com o retorno do crescimento na Europa, a imigração líquida caiu pela metade, de quase 61 mil para 30.900 pessoas.
A crise do coronavírus fez com que a votação da iniciativa fosse adiada para uma dada não definida. Porém os analistas acreditam que ela dificilmente passaria nas urnas. Como a imigração europeia tem diminuído desde 2013, o partido conservador de direita terá provavelmente dificuldade de convencer os eleitores que há um afluxo maciço de trabalhadores da UE. O quadro não é mais o mesmo de quando o eleitorado suíço adotou a iniciativa “Contra a Imigração em Massa”.
Além disso, antes de 9 de fevereiro de 2014, os eleitores sempre tinham apoiado a abordagem bilateral nas votações federais. Em 2000, o eleitorado suíço aceitou os Acordos Bilaterais 1 com 67,2% dos votos, que previam, desta forma, a introdução da livre circulação de pessoas. Cinco anos depois, eles aprovaram a extensão da livre circulação de pessoas para dez novos estados membros da UE. Em 2009 aprovaram também os dois novos membros da União Europeia, Bulgária e Romênia.
No entretanto, uma surpresa não pode ser descartada. Na votação sobre a “imigração em massa”, só o SVP se prevaleceu sobre todas os outros partidos causando, portanto, um verdadeiro barulho.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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