Manifestações no Egito modificam a política regional
Depois da Tunísia, a população egípcia quer a mudança do regime no poder desde 1981. Terça-feira (1°) no Cairo houve a maior manifestação desde a chegada ao poder de Hosni Mubarak, em 1981.
Há protestos na Jordânia, no Iêmen e, provavelmente, sexta-feira na Síria. O que ocorre no mundo árabe requer uma nova política do Ocidente, abrindo espaço para a Turquia, analisa Yves Besson, conhecedor do Oriente Médio.
Antigo diplomata suíço, ex-diretor da UNRWA (agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos), Yves Besson considera os acontecimentos atuais no Egito como “extremamente encorajadores.”
swissinfo.ch: Evolução, ebulição, como o senhor qualifica o que ocorre atualmente nos países árabes?
Yves Besson: É muito diferente do que ocorre habitualmente. Desta vez, parece que não há líderes do movimento ou que possa se afirmar como tal.
Pela primeira vez, é o resultado de uma exasperação popular. No Egito, já havia diversos sobressaltos. No ano passado, depois das eleições, diferentes movimentos poderiam ter servido de alerta. Mas desta vez é muito maior. Poderia ter perdido intensidade desde o início, mas cresceu e não vai parar.
Eu acho que é resultante do desemprego, de uma população majoritariamente jovem preocupa com o seu futuro. Em geral, o que é dito é correto e tudo é muito espontâneo. O problema com essas revoluções instantâneas é que elas podem ser recuperadas. Na Tunísia, parece que as coisas não evoluem muito mal, no Egito ninguém sabe.
swissinfo.ch: O senhor vê indícios dessa possível recuperação?
Y.B.: É muito cedo para dizer. Estamos ainda na fase de manifestações populares. A nomeação de um vice-presidente por Hosni Moubarak mostra que ele prepara o terreno para eventualmente se retirar.
Omar Souleyman, chefe dos serviços de informação e homem-chave das negociações e contatos com Israel e os norte-americanos, agora é vice-presidente. Ele poderia tocar a transição até as eleições que seriam muito mais livres do que todas as que ocorreram no Egito nos últimos 30 anos.
Mas é preciso ver como as forças armadas vão reagir. Várias gerações de oficiais convivem. Alguém se lembra do golpe de Estado dos coronéis em 1952, que levou à primeira revolução egípcia, com queda da monarquia e depois do general Naguib na presidência do país.
Tudo isso é história antiga para a juventude egípcia, que hoje parece muito mais imbuída de ideais democráticos. É encorajador, mas ainda falta dar sentido à palavra “democracia”.
swissinfo.ch: A revolução tunisiana teve principalmente um impacto nacional. O que ocorre no Egito pode ter uma dimensão mais ampla. Como o senhor vê essa evolução?
Y.B.: Há consequências primeiro no próprio Egito. Por enquanto, é difícil julgar porque o movimento islâmico Irmãos Muçulmanos ainda não se manifestaram. Eles esperando provavelmente o momento oportuno. Pelo que se sabe, eles parecem divididos. No plano interior, tudo ainda é possível.
Esse tipo de movimento também pode chegar às ruas na Jordânia, mas acho que o regime jordaniano, se necessário, pode ter o apoio da Arábia Saudita para manter a ordem monárquica.
No plano regional, o que me intriga é o silêncio da Síria. Não acontece nada nas ruas e o governo está calado (ndr: circula na Síria a convocação para uma manifestação na próxima sexta-feira). Se pensamos na reconciliação sírio-turca nos últimos anos, parece formar-se um eixo Damasco-Ancara que poderia influenciar a região, contrabalançando o eixo Damasco-Teerã. No meio, ficam o Hezbollah (no Líbano) e o Hamas (palestino, na faixa de Gaza).
Na Síria, há movimentos de tendência islâmica. Mas, na minha opinião, os movimentos islâmicos que chamo de “papai”, de 20 anos atrás, perdeu a atualidade. A nova geração, que tem hoje de 20 a 30 anos, é muito mais inspirada no exemplo turco.
Quanto à questão iemenita, tem um problema. Não creio que as manifestações que ocorrem na capital Saana sejam representativas de um movimento de protesto. Saana não representa o país inteiro, muito dividido entre tribos.
Claro que também tem o futuro do Iraque, mas tudo está em aberto atualmente. Até agora, no Oriente Médio, os malabaristas manipulavam três bolas. Uma estava sempre no ar, mas dava para manter o equilíbrio. Agora terão de jogar com várias bolas que ficarão mais no ar do que nas mãos. Principalmente para os norte-americanos.
swissinfo.ch: Pessoalmente, como o senhor vê essa busca da democratização pela base na região?
Y.B.: É fabuloso e extremamente encorajador. A grande separação que os ocidentais tinham interesse em manter entre as possibilidades de uma democracia à maneira ocidental e o respeito de um certo número de normas próprias às sociedades árabo-muçulmanas ou muçulmanas parece desaparecer com o que ocorre. A osmose poderia ser feita com o exemplo turco.
Há dez anos, sob duas administrações, os norte-americanos, com apoio dos europeus e dos britânicos, quiseram impor a democracia no Oriente Médio pela força das armas. Ela fracassou no Iraque e está fracassando no Afeganistão. Tem uma faixa que vai do Afeganistão até o Mediterrâneo em que será necessário mudar completamente de abordagem.
Para mim, há um campo de ação aberto para a diplomacia turca. Com a reconciliação com Síria, tem poder de agir em toda a região. Ainda mais que Israel cometeu o erro enorme de ter divergências com a Turquia.
Expatriados. O Ministério das Relações Exteriores (DFAE) “recomenda aos cidadãos suíços no Egito que deixem temporariamente o país, utilizando os meios de transporte existentes e de informar a embaixada da Suíça no Cairo, de sua partida”.
1574 suíços estão inscritos na embaixada da Suíça no Cairo, de acordo com o DFAE.
Turistas. Os turistas que visitam atualmente o Egito “devem entrar em contato com a agência de viagens” ou “as companhias aéreas para o retorno à Suíça”, precisa o DFAE.
Mais de 100 empresas suíças estão estabelecidas no Egito. Etre elas estão ABB, Clariant, Novartis, Nestlé, Bühler, SGS, Roche, Crédito Suíço e UBS. Muitas tomaram medidas temporárias, por vezes parando a produção, frente a instabilidade política atual.
O grupo Mövenpick Hotéis e Resorts, que emprega 2800 egípcios, informa que seus hotéis continuam abertos.
Em 2009, foi o quarto mais importante parceiro econômico da Suíça na África, depois da África do Sul, Líbia e Argélia.
As exportações suíças para o Egito totalizaram 656,3 milhões de francos e as importações de produtos egípcios 109,3 milhões de francos.
A Associação Europeia de Livre Comércio (AELE), da qual a Suíça é membro, assinou um acordo de livre-comércio com Egito em 2007. O objetivo é reforçar as relações comerciais existentes e desenvolver novos setores. O acordo está em vigor desde setembro de 2008.
Em fevereiro de 2009, a então ministra suíça da Economia, Doris Leuthard, visitou o Egito acompanhada de uma delegação econômica. O então ministro egípcio do Comércio e Indústria Rachid Mohamed Rachid, esteve na Suíça em outubro de 2009 para um seminário sobre propriedade intelectual.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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