Mulheres lutam contra sistema tributário considerado injusto na Suíça
No mercado de trabalho suíço, as mulheres, muitas das quais trabalham meio período, costumam estar em uma situação de desvantagem em relação aos homens. Em parte, a falta de equidade se deve ao sistema fiscal, que tributa os casais que exercem atividade profissional como uma entidade única. Agora, uma iniciativa popular almeja introduzir um sistema de tributação individual para corrigir esse ponto.
É tudo menos um clichê: a Suíça é uma nação de trabalhadores. E trabalhadoras! O país alpino tem uma taxa de emprego recorde de 80,3%, de acordo com o último ranking da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)Link externo . Em outras palavras, quatro quintos da população em idade ativa (15 a 64 anos) têm empregos remunerados. No ranking global, após a Suíça figuram Holanda, Japão e Islândia.
No mercado de trabalho suíço, existe uma proporção significativa de empregos de meio período que chama atenção. E é nesta modalidade que as mulheres estão fortemente representadas. Seus salários e pensões são mais baixos, as oportunidades de educação continuada são reduzidas e as perspectivas de carreira são limitadas. Sem falar na maior dificuldade de integração em equipes e nos maiores índices de insegurança empregatícia.
A desigualdade estrutural do sistema suíço desagrada a OCDE: durante anos, a instituição recomendou medidas para elevar a empregabilidade das mulheres. Nesse sentido, como incentivo, a organização propõe a introdução da tributação individual, como já acontece na maioria dos países europeus.
Uma velha tradição suíça
Até agora, o governo e o parlamento se mostraram contrários a mudanças no sistema de tributação. Hoje, as mulheres do Partido Liberal Radical (PLR / direita) fazem pressão com uma iniciativa popular que propõe a introdução de uma tributação individual. Elas pretendem matar dois coelhos com uma cajada só: por um lado, querem aumentar a proporção de mulheres trabalhadoras e, por outro, abolir a discriminação tributária contra os casais. Isso afeta os casais cuja renda bruta mensal dupla chega a mais de 15.000 francos, como escreve um especialista em política tributária no blogLink externo do Avenir Suisse, um think tank econômico.
Na Suíça, dos cerca de 1,6 milhão de casais que vivem juntos, 85% são casados (2017). E desses 1,3 milhão de casais, mais de 450.000 são afetados pela multa tributária para o casamento, o que equivale a um terço.
Por outro lado, isso também significa que dois terços dos casais atualmente desfrutam de uma vantagem fiscal. Eles pagam menos impostos federais do que casais que vivem juntos com a mesma renda.
“Um grande passo”
“A mudança para a tributação individual seria um grande passo em direção à igualdade na Suíça”, disse Christa Markwalder, membro do comitê de iniciativa Link externoe conselheira nacionalLink externo liberal-radical de Berna. Segundo ela, o modelo atual, que tributa os casados como “casais monoparentais”, favorece os efeitos negativos sobre o emprego. “Podemos eliminá-los com a iniciativa popular”, diz.
Mas Christa Markwalder sabe que mesmo que a iniciativa seja adotada, outros efeitos negativos significativos permanecerão. Em particular, os custos dos cuidados fora de casa para as crianças, que são muito elevados na Suíça. Um exemplo: um casal paga cerca de 20.000 francos por ano para cuidar dos três filhos. Ainda que essa despesa livre-os da penalidade fiscal para os casais, para famílias de baixa e média renda, esse item de orçamento é pesado. Assim, muitas vezes, a mãe fica em casa para cuidar dos filhos ou trabalha meio período.
De acordo com um estudo da Fundação Müller-Möhl Link externo, que embasa os argumentos da iniciativa popular, uma mudança no sistema tributário criaria 60.000 empregos de tempo integral. Assim, 300.000 mulheres poderiam aumentar seu tempo de trabalho em 20% cada. O cálculo é baseado no imposto federal cumulativo. E é neste ponto que se esconde, de fato, grande parte do prejuízo do casamento, no que tange o peso do fisco nas contas do casal.
A nível cantonal a questão tem sido tratada, ainda que de forma não uniforme. Segundo o estudo, se os cantões, além dos municípios, também mudassem o sistema para a tributação individual, os efeitos benéficos no mercado de trabalho aumentariam.
A questão ganhou espaço no Parlamento. Durante as sessões deste verão, o Conselho Nacional aprovou uma moção de Christa Markwalder que propõe a introdução da tributação individual. Em 2019 o Conselho Federal havia rejeitado imediatamente uma proposta similar apresentada pela parlamentar.
Uma jornada repleta de armadilhas
A marcha rumo à igualdade na Suíça sempre foi “muito lenta”, observa Christa Markwalder. O sufrágio feminino, a lei do divórcio, a lei do nome e a tributação individual são exemplos disso.
Mesmo com a recente aprovação do Conselho Nacional, o projeto ainda não atingiu seu objetivo, pois o Conselho de Estados ainda não o endossou. Só com apoio de ambos Conselhos a modificação do sistema tributário poderá ser posta em prática.
A estratégia dupla adotada nesta pauta – intervenção parlamentar e iniciativa popular – é uma excelente ilustração da interação entre democracia parlamentar e democracia direta na Suíça: se o Parlamento ou o governo tem dificuldade em levar a sério um pedido, as iniciativas populares os encorajam a fazê-lo.
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O que é uma iniciativa popular?
Mas a história lembra que há desafios no caminho: a iniciativa popular de tributação individual só tem chance se for apoiada por uma ampla aliança. E, segundo Christa Markwalder, esse é o caso: “Temos um apoio muito amplo, da esquerda à direita. O Partido Socialista defende [a mudança na tributação], assim como os representantes dos Verdes, dos Verdes Liberais e da União Democrática do Centro”.
Perdedores
O especialista tributário Beat Hintermann é totalmente a favor desta proposta. “Compartilho a opinião: não devemos pagar mais impostos só porque somos casados”.
Mas o professor da Universidade de Basel Link externoalerta contra a aplicação 1: 1 do texto da iniciativaLink externo. Se passássemos para a “tributação individual pura e obrigatória”, não haveria apenas pessoas beneficiadas, mas também inevitavelmente pessoas prejudicadas.
Segundo Beat Hintermann, isso preocupa grande parte da população. As pessoas ainda teriam que aceitar uma sobretaxa de imposto que poderia chegar a porcentagens altas de sua renda, dependendo da situação.
No entanto, o fiscalista acredita que com a mudança não deve acontecer uma sobretaxa discrepante. No sistema político suíço, não é comum que as famílias sejam colocadas em desvantagem sem mecanismos para mitigar o impacto, ele enfatiza. Porém um sistema de amortecimento não aparece no texto da iniciativa.
Liberdade de escolha nos Estados Unidos
Para o professor, o modelo preferido de tributação é o aplicado nos Estados Unidos. O sistema americano permite que os casais de trabalhadores escolham a tributação comum ou individual, dependendo da opção mais favorável ao orçamento doméstico – aponta o pesquisador. “O problema da tributação dos casais também poderia ser resolvido sem a tributação individual”, diz.
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Beat Hintermann também menciona a tributação individual na Alemanha, praticada sob a forma de repartição do pagamento de impostos. Essa estratégia consiste em somar os rendimentos dos cônjuges e depois dividi-los ao meio para obter o rendimento tributável individual de cada cônjuge.
Promover a transparência
Os promotores da iniciativa popular devem definir exatamente quem ganha e quem perde, diz Beat Hintermann. Também é importante especificar a compensação que quem ficar prejudicado pode receber. “Do contrário, o projeto não tem chance de sucesso nas urnas”, aponta.
De acordo com Christa Markwalder, essas críticas provam precisamente que o sistema atual da Suíça simplesmente não é justo. “A tributação individual é a resposta certa porque trataria a todos da mesma forma, independentemente do estado civil”.
Pedir a mudança no sistema simplesmente, sem quaisquer diretrizes de implementação foi uma escolha deliberada, diz ela. “Tudo parte de um cálculo político: com a iniciativa assim, a Confederação, os cantões – e, em última instância, os contribuintes por meio das urnas – podem decidir como desejam aplicar a tributação individual”.
Adaptação: Clarissa Levy
Adaptação: Clarissa Levy
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