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“O debate suíço sobre a Europa é vítima de um mito”

Forteresse au milieu de rochers et d arbres.
Uma fortaleza da Segunda Guerra Mundial no centro da Suíça. Keystone / Arno Balzarini

No final de fevereiro, o Conselho Federal decidiu sobre como continuarão as relações com a União Europeia após o fracasso do acordo-quadro. Até então, a Suíça havia tentado ganhar tempo. Gilbert Casasus, especialista em Europa, acredita que o motivo disso seja a “mentalidade de reduto nacional” do país, a tendência suíça de adotar uma tática de dissuasão em tempos de crise.

Gilbert Casasus, professor de Estudos Europeus na Universidade de Friburgo, descreve-se como um “pró-europeu crítico”. Ou seja: pode ser que a UE cometa certos erros, mas a Suíça está melhor ao seu lado. O especialista – que tem dupla nacionalidade franco-suíça, viveu durante 13 anos na Alemanha e é fluentemente bilíngue – não está satisfeito com a atual política europeia da Suíça.

Homme posant avec le coude appuyé sur une barrière.
Gilbert Casasus é Professor de Estudos Europeus e Diretor do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Friburgo. Binacional suíço e francês, cresceu em Berna e Lyon e estudou ciência política, germanística e história em Lyon e Munique. Neue Europäische Bewegung

swissinfo.ch: O que o incomoda no debate sobre a Europa?

Gilbert Casasus: O debate suíço sobre a Europa é vítima de um mito, o mito da mentalidade do reduto nacional. [Assim se chamava o sistema de defesa do exército suíço de 1940 até 1944, quando as potências do Eixo cercaram a Suíça, fazendo com que esta intensificasse a proteção militar de sua região alpina]. Ainda acreditamos que vivemos numa região alpina isolada na qual podemos nos entrincheirar. Esta mentalidade está enraizada na Suíça desde a Segunda Guerra Mundial, ou seja, há quase 80 anos, e desde então tem nos impedido de nos abrirmos – especialmente para a Europa.

A Europa está mudando: em 1995, a União Europeia tinha 15 membros; hoje, ela tem 27. Os suíços se comportam como pessoas que ficam na plataforma e veem o trem passar, mas não têm como subir nele.

Você afirmou ter se incomodado particularmente com estudos europeus na Suíça de língua alemã. Há alguma diferença entre as regiões linguísticas do país?

Percebo diferenças entre as partes da Suíça de língua francesa e alemã. A temática da Europa é muito mais popular na região francófona do que na Suíça de língua alemã. A proximidade com certos países desempenha um papel importante. Esta diferença também se reflete na qualidade dos estudos europeus na Suíça.

Você afirma que, quanto mais estrangeiros há em um Estado da UE, mais rico ele é. Você não estaria invertendo a causa e o efeito? Ou seja, quanto mais rico é um país, mais estrangeiros querem se estabelecer lá?

Ambas as afirmações são verdadeiras. E tudo bem. Eu preferiria viver na Suíça, que não é um país da UE, do que na Romênia, que é um país da UE.

Por outro lado, a história da Suíça, que foi tradicionalmente um país de emigração até 1860 e apenas mais tarde se tornou um país de imigração, mostra que os estrangeiros são um investimento para o país em que trabalham. Na Suíça, temos muita sorte de ter tantos estrangeiros. Se não os tivéssemos, não seríamos tão ricos.

Então, para você, a livre circulação de pessoas aumenta a prosperidade. No entanto, a livre circulação de pessoas é um problema para a população, e não apenas na Suíça. Somente empresas, acionistas e cofres públicos se beneficiam disso, e não o trabalhador individual? 

Você menciona diferentes aspectos. Primeiro, eu vivi a Guerra Fria; não havia a livre circulação de pessoas. Vá e diga aos antigos cidadãos da RDA que a livre circulação de pessoas deve ser questionada! Para aqueles que não tinham permissão para atravessar a fronteira ou o muro… a livre circulação de pessoas está ligada à liberdade!

Em segundo lugar, você aborda um ponto que eu também sempre critico: a falta de consciência social na União Europeia. Uma das razões do euroceticismo está ligada ao fato de que a Europa deveria se desenvolver mais no nível social. O fato de os serviços sociais ainda serem demasiadamente organizados e financiados pelos Estados nacionais não é compatível com a livre circulação de pessoas. Mesmo que os salários suíços sejam muito mais generosos que os de outros países europeus, a Suíça nem sempre se sai bem em comparação com seus vizinhos, porque os benefícios sociais no exterior são muito maiores do que em nosso país.

Nos últimos anos, talvez também após a americanização da política, muita atenção tem sido dada à política financeira e muito pouca à política social.

Vale a pena continuar no caminho caótico dos acordos bilaterais? Em outras palavras: a Suíça pode se dar ao luxo de continuar sozinha?

Seguir sozinha não é mais uma opção para o futuro. A história tem mostrado isto. Os países que tentaram seguir sozinhos acabaram num beco sem saída.

Os acordos bilaterais foram uma fase intermediária. Esta fase intermediária foi um sucesso para a Suíça. E agora a Confederação tem dificuldade de aceitar a ideia de que deve se afastar de um modelo de sucesso.

Podemos conservar os aspectos positivos dos acordos bilaterais, mas devemos estar preparados para dar mais um passo adiante. A rejeição unilateral da Suíça ao acordo-quadro prejudica o país muito mais do que a União Europeia.

A Suíça pode comprar uma “adesão light” com mais alguns bilhões em contribuições ao Fundo de Coesão?

Essa ideia não foi bem recebida na UE. “É tipicamente suíço achar que podem comprar tudo”, algumas pessoas que trabalham na UE me disseram.

A União Europeia não é um cassino, é uma estrutura política. É um equívoco achar que podemos comprar um bilhete de entrada com o bilhão gasto em coesão.

Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

Adaptação: Clarice Dominguez

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