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O passaporte suíço de Eduardo Frei

Em viagem oficial à Suíça, o então presidente chileno Eduardo Frei visitou Nesslau-Krummenau (17/3/95) Keystone

No ano passado, 45 mil estrangeiros obtiveram a cidadania suíça. Um deles foi Eduardo Frei Ruiz-Tagle, ex-presidente e novamente candidato à presidência do Chile.

Frei surpreendeu os eleitores chilenos ao revelar sua nova nacionalidade a poucos dias do segundo turno das eleições deste domingo. Sua naturalização causou polêmica também na imprensa suíça.

Se Eduardo Frei, da Concertación (coalizão governista de centro-esquerda), derrotar o direitista Sebastian Piñera, o Chile terá um presidente suíço. A Secretaria Federal de Migração (SFM), em Berna, confirmou que ele tem a nacionalidade suíça há pouco mais de um ano.

Frei disse à swissinfo.ch que sua naturalização começou a ser gestada em 2006, durante a visita de uma delegação suíça ao Parlamento chileno. O então presidente do Senado manifestou seu desejo de adquirir a nacionalidade de seu avô, Eduard Frei Schilinz.

“Contei-lhes que conheço a certidão de nascimento de cada um dos meus antepassados, porque em Sankt Gallen há um registro, desde o ano de 1531, onde aparecem todas as gerações de minha família”, afirmou.

“Meu avô chegou ao Chile em 1905, proveniente de um pequeno povoado do cantão de Sankt Gallen. Aqui se casou com uma chilena, e meu pai, Eduardo Frei Montalva, que foi presidente de 1964 a 1970, recebeu a nacionalidade suíça depois de concluir seu mandato, como a recebem muitos filhos de imigrantes”, acrescentou.

“Com muito orgulho conto que no povoado em que nasceu meu avô, a uns 60 km de Sankt Gallen, há uma praça chamada De los Presidentes, na qual se recorda o filho e o neto deste imigrante que deixou esse cantão em 1900. Parece-me um fato notável.”

Com base nesses antecedentes e depois de cumprir as formalidades de praxe, Eduardo Frei, atual senador do Partido Democrata Cristão, foi registrado como cidadão de Nesslau-Krummenau em 3. fevereiro de 2009.

O prefeito local, Rolf Huber, alegra-se com o fato de seu município ter um “novo cidadão ilustre”. Ele contou ao jornal 20min.ch que o tataravô de Frei emigrou em 1840 para Feldkirch (na Áustria), de onde a migração da família continuou até a Argentina e finalmente o Chile.

Processo rápido

Segundo a SFM, Frei apresentou em 31 de julho de 2008 seu pedido de “reintegração da cidadania”, deferido em 18 dezembro do mesmo ano (depois a documentação foi para o cantão de Sankt Gallen, encarregado de comunicar a prefeitura de Nesslau). Foi um dos 197 casos da chamada “renaturalização” aprovados em 2008.

Frei tinha a nacionalidade suíça quando nasceu porque seu avô era suíço, só que a perdeu por não ter se cadastrado na embaixada ou num consulado suíço até os 22 anos, conforme prevê a lei.

Seu pedido há dois anos baseou-se no artigo 21 do Código Civil, que prevê a “reintegração da cidadania” para descendentes que perderam a nacionalidade suíça (por não a terem requerido até os 22 anos, por casamento ou por renúncia), mas que comprovem ter um “estreito vínculo” com o país dos Alpes.

Segundo uma orientação da SFM às representações diplomáticas suíças no exterior, o “estreito vínculo” pode ser considerado existente se o requerente visitou regularmente a Suíça. Para pessoas de países distantes, bastam duas visitas nos últimos dez anos.

Outros critérios são estreitas relações com parentes e conhecidos na Suíça, engajamento em organizações de suíços do estrangeiro, interesse pela realidade suíça e domínio de uma língua nacional (alemão, francês, italiano ou reto-romano) ou de um dialeto suíço.

“Estreito vínculo”

O último critério Frei preenche tranquilamente. Ele estudou Engenharia durante três anos em Milão e fala fluentemente italiano. “Quanto às estadias na Suíça precisa-se de flexibilidade”, escreveu o jornal NZZ, um dos mais respeitados da Suíça.

Segundo o jornal, Frei fez uma viagem oficial à Suíça em 1995, quando também visitou sua “comuna natal” Nesslau (veja foto acima), mas, “a rigor, essa visita não deveria contar. Também sua participação no Fórum Econômico Mundial (WEF) de 1998 extrapola o limite de tempo prescrito, enquanto o retorno ao WEF em 2002 deve ser considerado”.

Também o jornal TagesAnzeiger questionou o “estreito vínculo” de Frei com a Suíça. “Ele não visitou a Suíça há alguns anos, praticamente nunca se interessou pela comunidade de suíços no estrangeiro e não fala nenhum dialeto da Suíça alemã (região de origem de seus antepassados)”, alfinetou o jornal de Zurique.

Contatada pela swissinfo.ch, a Organização dos Suíços dos Estrangeiro (ASO) não quis comentar o caso Frei. Em seu site, a ASO remete às normas legais de naturalização e explica que “uma estreita ligação com a Suíça é concebível, mesmo quando nem todos os quatro critérios mencionados forem preenchidos”. Por exemplo, quando não se domina um dos quatro idiomas suíços, mas há um outro tipo de forte relação com o país.

Políticos entrevistados pelo TagesAnzeiger insinuaram que pode ter havido “favorecimento” do candidato presidencial chileno. A SFM rebateu essa acusação e garantiu à swissinfo.ch que “o procedimento foi plenamente correto”. O vínculo de Frei com a Suíça foi averiguado pela embaixada no Chile.

Busca pelas raízes familiares

Helene Kromidakis, vice-chanceler da embaixada suíça em Santiago, explicou ao jornal TagesAnzeiger que recebeu Frei, como qualquer outro requerente de cidadania, para uma conversa de uma hora e meia. O candidato presidencial teria preenchido todos os formulários, respondido às perguntas e pago 700 francos pela prova.

Kromidakis também relatou ao NZZ que Frei demonstrou amplos conhecimentos da Suíça, de sua história, da geografia, das atuais iniciativas populares, das discussões sobre política fiscal ou das relações do país com a União Europeia. Durante seus estudos em Milão, ele teria viajado três meses pela Suíça à procura de suas raízes familiares.

Segundo o portal Tagesanzeiger.ch, a rapidez da naturalização de Frei surpreendeu outros suíços no Chile. “Irrita-me o fato de que alguém, só porque é um político de alto escalão, seja naturalizado tão rapidamente”, disse uma agricultora de origem suíça ao jornal. Ela contou que sua nora, também de origem suíça, espera há sete anos pela naturalização.

Segundo a SFM, um pedido de “reintegração da cidadania”, como o de Frei, só depende de aprovação em nível federal. “Por isso, o trâmite costuma ser mais rápido, sobretudo quando a documentação vem completa, do que o de um pedido de naturalização ‘normal’, que depende de aprovação pela comuna, pelo cantão e pela Secretaria Federal de Migração”, explicou a autoridade à swissinfo.ch.

Independentemente da polêmica causada pelo novo passaporte de Frei, um pergunta fica no ar, segundo o jornal suíço Le Temps: “A nacionalidade suíça é um trunfo na campanha presidencial contra o candidato milionário da direita, Sebastian Piñera? Eduardo Frei parece crer”. As pesquisas eleitorais, no entanto, lhe dão poucas esperanças.

Atualização 18/1/10: Sebastian Piñera venceu a eleição – veja link “Eleição de Piñera marca guinada do Chile à direita”

Geraldo Hoffmann (com colaboração de Mariel Jara), swissinfo.ch

Nacido em Santiago, em 1942, o engenheiro civil e político democra cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle é o quarto dos sete filhos de Eduardo Frei Montalva, que governou o Chile de 1964 a 1970.

Foi o segundo presidente após a redemocratização do Chile, entre 1994 e 2000. Atualmente é senador, representando a região de Los Ríos.

Um historiador chileno que escreveu a biografía do ex-presidente Eduardo Frei-Montalva, garantiu que a família tem origem austríaca e não suíça.

Cristián Gazmuri, professor do Instituto de História da Universidade Católica do Chile e autor da biografía Eduardo Frei Montalva e sua época (2000), assegurou que “o pai de Frei Montalva nasceu na Áustria”, e não na Suíça, como afirma a sua família.

“Estou completamente seguro porque tenho sua certidão de nascimento”, disse o historiador a meios de comunicação locais, segundo a agência de notícias AFP.

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