Artesã da democracia
Por ocasião do Dia Internacional da Democracia, apresentamos duas pessoas que trabalham em prol da participação política na Suíça: Zaira Esposito era politicamente ativa quando jovem. Agora ela quer tornar possível que outros façam o mesmo. Para isso, ela se engaja na inovativa plataforma "Migrant:innensession".
Asfalto envernizado, ruídos de bonde, pessoas a uivar – são hoje o bairro de Zaira Esposito. Na cidade de Basileia, ela se sente em casa. Vive aqui há 15 anos e se engaja em prol da participação, em especial, da inclusão política.
Série inclusão
Democracias em todo o mundo estão em crise. Nos últimos 15 anos houve uma tendência para o autoritarismo e ditaduras.
Suíça, por outro lado, é considerada um “paraíso” da estabilidade. Quase todos os partidos participam do governo; não existem eleições antecipadas – e ainda assim os cidadãos com direito a voto podem votar diferentes questões através de plebiscitos e referendos com mais freqüência do que em qualquer outro país do mundo.
Mas a história da democracia suíça foi determinada pela questão de saber quem pode participar dela. Quando o Estado federal foi fundado em 1848, apenas 23% da população tinha direito de voto. Durante o período mais longo da sua história, a democracia no país excluiu metade da população: as mulheres só conquistaram seus direitos políticos há cinco décadas. No entanto ainda existe uma parte da população que está descartada do processo político.
A questão de sabe quem vota ou não é politicamente controversa. Até agora, a maioria dos eleitores sempre rejeitou uma extensão dos direitos aos estrangeiros residentes no país. Demi Hablützel, uma jovem política do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) justificou em um artigo opinativo publicado pela SWI: “Direitos políticos não são uma ferramenta para a inclusão”.
Mas esse debate relativo ao direito de voto tem de ser debatido constantemente nas democracias liberais. Países democráticos devem estar à altura de suas próprias expectativas.
É por isso que swissinfo.ch publicou essa série de artigos sobre a inclusão política. Analisamos os debates e discussões sobre o tema. Entrevistamos especialistas. Apresentamos pessoas e movimentos que lutam pela inclusão política abrangente de várias minorias e grupos marginalizados na Suíça.
E um detalhe: suíços e suíças de exterior também foram excluídos por muito tempo, pois só puderam exercer seus direitos políticos a partir de 1992.
A jovem mulher de 34 anos é copresidente da associação Mitstimme (“Votar com”) e, como tal, é antes uma facilitadora política do que uma política profissional. A associação está por trás da basilense Migrant:innensession, que pode ocorrer novamente neste outono. Mas ela própria já esteve na política. O primeiro contato de Esposito com a democracia foi longe da Basileia urbana, mais precisamente no parlamento local do vilarejo montanhoso de Sessa, no Ticino. Ela foi eleita aos 18 anos de idade e no final de seu mandato assumiu, por um ano, a presidência do parlamento local.
Aqui em Basileia, ela é sempre vista como uma nativa do Ticino. No Ticino era diferente: a mãe, suíça-alemã, o pai italiano – e ela mesma com dupla cidadania. No entanto, a questão da participação política não estava na mente de Esposito quando do início de sua carreira política no Ticino. Isso só aconteceu em Basileia.
“Caminho também é o objetivo”
Antes de falar de si mesma, Esposito desempacota decisões do governo federal, folhetos e uma revista sobre migração e participação, com um artigo de sua coautoria. Ela diz que a revista é muito interessante, sobretudo por causa dos outros artigos. Se, apesar de tudo, lermos o seu artigo, leremos: “O caminho é também o objetivo”. Ela não quer se colocar em primeiro plano, ou acima do objetivo. A causa é de suma importância para ela.
A causa é esta: pessoas sem passaporte suíço não estão autorizadas a participar politicamente no cantão de Basileia-Cidade. Atualmente, 37% dos residentes, e sua quota-parte cresce rapidamente. Já em 2029, aqueles com direito a voto podem tornar-se uma minoria, esboçou, antes da pandemia, o Departamento de Estatística de Basileia. Na ciência política, é considerado um déficit para uma democracia se uma minoria decidir e uma maioria não tiver direito à participação política.
Esposito fala com entusiasmo das tardes de formação sobre o sistema político suíço que ela realiza. A demanda entre os migrantes é grande, mas muitas vezes essas pessoas experimentam uma desilusão crescente para com uma compreensão igualmente crescente: nem mesmo a nível comunitário há oportunidades de participação política para aqueles/aquelas sem uma cidadania suíça.
Espaço para migrantes
Embora isso não seja inteiramente verdade: a associação Mitstimme criou uma plataforma, a “Migrant:innensession”, que oferece às pessoas sem direitos de voto ou de serem votadas um ambiente para seu compromisso político. E funciona assim: em grupos de trabalho, pessoas com e sem passaporte discutem questões que lhes são importantes.
As decisões são então tomadas na própria Migrant:innensession, no salão do Parlamento de Basileia. Neste sábado especial por ano, apenas pessoas sem passaporte suíço estão autorizadas a votar. Esposito organiza e mobiliza para o evento. Durante o debate, ela permanece em segundo plano – como uma espécie de lobista de direitos políticos. “Faço isso conscientemente. Neste dia, pessoas que, de outra forma, não têm voz política devem estar no centro.
Do projeto à lei
Políticos de todos os campos, mesmo do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), sentam-se então nas fileiras – mas, sobretudo, ouvem. Embora estejam estreitamente envolvidos no processo, um exemplo: no verão de 2019, uma representante política dos migrantes apresentou uma interpelação ao governo sobre o tema “saúde e migração”. Os resultados foram apresentados na Migrant:innensession no outono – e a exigência de uma estratégia oficial chegou ao plenário. A sessão discutiu de forma controversa se a remoção de barreiras aos cuidados médicos era uma tarefa cantonal.
Depois se elevaram muitas cédulas verdes de pessoas sem voz. A Migrant:innensession exigia uma tal estratégia. A mesma representante política trouxe então a questão ao parlamento: como moção de “dados estatísticos” e de “coordenação no domínio da saúde e da migração”. O pedido foi dirigido ao governo, onde ainda hoje se encontra “em curso”. Os moinhos moem lentamente. O caminho é também o objetivo.
Festa da democracia
Foi depois da última Migrant:innensession que Esposito decidiu misturar-se aos social-democratas, para fazer política partidária. Mais uma vez. Esposito ri. Sua carreira política juvenil no Ticino raramente é um tema. A liderança nas audiências, como presidente do parlamento do vilarejo com 24 membros, parece-lhe muito distante. Sessa tinha menos de 700 habitantes. (No ano passado, o município foi fundido: Sessa é agora Tresa).
O fato de um município tão pequeno ter difundido seus negócios por tantas cabeças foi uma celebração da democracia. Mas Sessa era também o lar de mais de 20% de pessoas sem cidadania suíça – estrangeiros/estrangeiras, residentes. Não está ainda previsto que sejam representados. No vilarejo montanhoso conservador tão pouco quanto na Basiléia urbana.
O último referendo em Basileia sobre o direito de voto dos estrangeiros e estrangeiras há doze anos falhou de forma brutal. Embora até o governo fosse a favor de uma proposta de compromisso. Basileia está prestes a enfrentar uma nova tentativa. Será que tanta coisa mudou na maioria da população em doze anos? Esposito não se atreve a fazer nenhum prognóstico acerca do plebiscito. Mas ela diz: “A discussão em torno do assunto amadureceu”. O caminho é também o objetivo.
Inclusão ao invés de integração
Há sinais de mudança, por exemplo, na língua: a questão é agora chamada “direito de voto dos residentes”. Isso enfatiza que se trata de pessoas que vivem no cantão de Basileia-cidade – em contraste com o “direito de voto para estrangeiros”, onde o ‘outro’ é realçado. Inclusão em vez de integração, traduzida linguisticamente na reivindicação.
A maior parte dos compromissos de luta de Esposito hoje em dia tem como objetivo a inclusão política. No início de sua carreira política no Ticino, isso não foi um tema. Como estudante do ensino médio, ela se interessava pela Guerra no Iraque, pelo programa de austeridade na educação, que na época aflorava no Ticino – eventos internacionais, política cantonal.
E por que ela tinha então se comprometido com quatro anos de política local? Esposito diz: “Somos todos artesões e artesãs da democracia”. A expressão se encaixa igualmente bem no seu compromisso desde então, fora de um parlamento eleito.
Adaptação: Karleno Bocarro
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