“Aposentadas e aposentados suíços que vivem luxuosamente no exterior são uma exceção”
No dia 3 de março, a população suíça decide sobre a criação de um 13º salário para aposentados e aposentadas. Às vésperas da votação, a política Martina Bircher (UDC/SVP) causa polêmica ao criticar o “estilo de vida luxuoso” de aposentados suíços no exterior. Nessa matéria, quatro emigrantes aposentados contam suas histórias.
Na Suíça, o sistema previdenciário é baseado em três pilares: o 1º pilar, cuja contribuição é obrigatória, é o seguro básico de velhice e sobrevivência (AHV ou AVS, nas siglas em alemão e francês, respectivamente). O 2º pilar é composto pelos fundos de pensão profissionais, financiados por empresas e trabalhadores e de contribuição obrigatória para todos que trabalham. O 3º pilar é composto pelas previdências privadas e sua contribuição é voluntária.
Em menos de um mês, no dia 3 de março, os eleitores suíços votarão ‘sim’ ou ‘não’ à iniciativa intitulada “Por uma vida melhor na velhice”, que propõe a introdução de um 13º salário para a pensão AHV/AVS. Aqueles que se opõem à iniciativa afirmam que a mudança beneficiaria principalmente os aposentados que moram no exterior, que representam quase um terço dos beneficiários do AHV/AVS.
“Com a minha pensão AHV/AVS de 1.250 francos suíços por mês, seria impossível viver na Suíça”, diz Carl Albert Melo. Com dupla nacionalidade suíça e argentina, Melo se mudou para a terra natal da sua esposa há 8 anos, quando se aposentou. Como ela não exerceu atividade remunerada ao longo da vida, não possui renda própria.
Carl Albert Melo é um dos cerca de 144.000 suíços que recebem uma pensão no exterior, de acordo com as estatísticasLink externo de 2022 do Departamento Federal de Segurança Social.
Dificuldade de chegar ao fim do mês
Algumas dessas expatriações tardias são o resultado de histórias de amor ou sede de aventura. Muitas vezes, porém, elas são a consequência de dificuldades financeiras, como mostram os depoimentos que coletamos aqui:
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“Aposentadas e aposentados suíços que vivem luxuosamente no exterior são uma exceção”, diz Pierre-Yves Maillard, um suíço que mora no Brasil. Para ele, a classe política deveria se preocupar com todas as pessoas que são forçadas a emigrar da Suíça “porque as pensões e os benefícios sociais são muito baixos”.
O próprio Maillard deixou a Suíça quando chegou à aposentadoria. Sua pensão é modesta, resultado de uma carreira dedicada à cooperação internacional em ONGs e de um divórcio que o obrigou a dividir sua previdência profissional (2º pilar) com sua ex-esposa. Se ele somasse sua pensão AHV/AVS e sua previdência profissional, conseguiria viver na Suíça, mas “de forma modesta”. Por isso, ele se diz muito favorável à introdução de um 13º salário para a pensão AHV/AVS.
Uma pesquisa realizada pela Sociedade Suíça de Radiodifusão e Televisão mostrou que o apoio ao 13º salário para aposentados é amplo. Ele é particularmente forte entre a diáspora suíça: 80% são a favor. Em solo suíço, esse número é de 61%.
Opiniões variadas
Embora grande parte da diáspora apoie a iniciativa de introduzir um 13º salário para aposentados, também há algumas opiniões menos favoráveis na comunidade. Um de nossos leitores dá o seu testemunho de forma anônima.
O valor total de sua pensão suíça, somado à pequena pensão que recebe da Hungria pelos anos em que trabalhou no país, seria “insuficiente para viver na Suíça”. Por isso, ele decidiu deixar Berna e se mudar para a Hungria.
Apesar da sua situação particular, ele votará “não” para a proposta que visa introduzir uma 13ª pensão anual. O aposentado acredita que seria difícil financiar tal medida. “Pessoalmente, eu ganharia cerca de 100 francos a mais por mês, o que seria bom, mas ainda assim não permitiria que eu voltasse para a Suíça”, diz ele.
André Chappot, suíço que vive nas Filipinas, questiona se um 13º salário para aposentados é realmente a melhor solução. Ele preferiria que o valor da pensão AHV/AVS fosse indexado ao custo de vida na Suíça, “mas, como a discussão atual é sobre uma pensão suplementar, sou bastante favorável a ela”.
Menos despesas para a Suíça
No jornalLink externo do Partido Popular Suíço (UDC/SVP, direita conservadora), a conselheira nacional (deputada federal) Martina Bircher critica a diáspora suíça por não precisar arcar com os custos adicionais decorrentes da introdução de um 13º salário para aposentados, seja por meio de um IVA mais alto ou de deduções salariais maiores.
Carl Albert Melo e André Chappot respondem que, se morassem na Suíça, teriam direito a benefícios suplementares devido ao baixo valor de suas aposentadorias. Recebendo pensões de 1.250 e 2.200 francos por mês, respectivamente, ambos vivem abaixo da linha da pobrezaLink externo suíça, que em 2021 era de 2.289 francos por mês para uma pessoa solteira, de acordo com o Departamento Federal de Estatística.
Pierre-Yves Maillard, por sua vez, também ressalta que paga impostos na Suíça. Quando se mudam para o exterior, as cidadãs e os cidadãos suíços podem escolher retirar o valor total de sua previdência profissional ou recebê-lo em parcelas mensais. Caso não haja um acordo de dupla tributação entre a Suíça e o país de residência, ou se o acordo estipular que a Suíça é responsável pela tributação, essas parcelas mensais têm seu imposto retido na fonte. A alíquota do imposto varia de acordo com o cantão ao qual a pessoa está vinculada, mas geralmente fica em torno de 10%.
Franco suíço forte compensaria a inflação
Em uma declaraçãoLink externo relatada pelo jornal 20 Minuten, Martina Bircher também afirma que “a taxa de câmbio favorável levou a um aumento de 20% nas pensões dos cidadãos suíços que vivem na Europa”. Uma opinião que não é compartilhada por André Chappot. Embora admita que a força do franco suíço ajude a “compensar um pouco a inflação”, ele ressalta que desde que se aposentou “o valor do AHV/AVS não mudou. Logo, seria importante aumentá-lo”.
O outro lado da moeda
Chappot atuou na educação de adultos durante a maior parte de sua carreira. Mas os muitos anos em que trabalhou no exterior, durante os quais não contribuiu para o AHV/AVS, reduziram drasticamente o valor de sua aposentadoria. Embora viva “muito confortavelmente” nas Filipinas, ele ressalta que “também há um preço a se pagar por viver em um país em desenvolvimento”, especialmente no que diz respeito ao acesso à saúde.
Ele também destaca que a maioria dos estrangeiros aposentados no país asiático imigrou por obrigação, e não por escolha. Como ele, Carl Albert Melo preferiria “terminar seus dias na [sua] pequena Suíça”, mas está ciente de que sua aposentadoria nunca lhe permitirá fazer isso.
A dura consequência dessas expatriações forçadas é a separação familiar. Morando no Brasil, Pierre-Yves Maillard raramente vê seus três filhos, dos quais dois moram na Suíça e um na Espanha.
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13º salário dos aposentados em votação na Suíça
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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