“Pátria não é um local, mas sim um sentimento”
Defender a competitividade do setor financeiro em contexto global, combater os abusos e melhorar as condições para a economia helvética: esses são os objetivos declarados pela ministra suíça das Finanças, Eveline Widmer-Schlumpf, durante a tradicional intervenção oficial no 91° Congresso dos suíços do estrangeiro, ocorrida em Davos em 17 de agosto de 2013.
No encontro, os representantes da chamada 5° Suíça também debateram questões ligadas à migração e aos efeitos da globalização.
Às nove horas da manhã, o salão do centro de congresso de Davos já estava repleto. Jacques-Simon Eggly iniciou o discurso com um ponto de interrogação. “Como se abrir ao mundo sem perder seus valores”, questionou o presidente da Organização dos Suíços do Estrangeiro (ASO, na sigla em alemão).
O público formado por aproximadamente quatrocentas pessoas, a grande maioria suíços residente no exterior, estava focalizado no tema proposto que lhes tocava diretamente, a globalização. Afinal, como lembra Eggly, “a Suíça é um pequeno país sem recursos naturais, cada vez mais isolada no cenário internacional e em vias de perder definitivamente o seu segredo bancário.”
Porém o antigo político genebrino sugeriu que uma forma de enfrentar as consequências negativas da globalização estaria na ação individual, “somado a uma ação coletiva do Estado, empresas e organizações internacionais”. E nessa rede, como imaginou, ele considerou fundamental a participação dos membros da chamada 5° Suíça. “A Suíça tem a chance de poder contar com a sua rede de 750 mil concidadãos radicados no exterior”, ressaltou, seguido depois por aplausos.
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Discurso da ministra
À tarde ocorreu o ponto alto do 91° Congresso de suíços do estrangeiro graças à participação da ministra suíça das Finanças, Eveline Widmer-Schlumpf, uma tradição nos eventos do gênero. Ela iniciou o discurso parodiando o cantor alemão Herbert Grönemeyer. “Pátria não é um local, mas sim um sentimento”, afirmou se dirigindo à plateia.
“A globalização é uma realidade”, constatou Widmer-Schlumpf, acrescentando que ela não é nem algo de bom ou de ruim, mas que está conectada a chances e riscos ao mesmo tempo. Em sua opinião, a Suíça é que deve saber como se posicionar. “Ela deve decidir como aproveitar essas oportunidades e reduzir os riscos.”
A ministra exemplificou ao citar o setor financeiro do país, conectado globalmente a outras economias. “A Suíça é de longe a mais importante administradora de fortunas estrangeiras do mundo”, declarou. Em 2011, suas instituições financeiras tinham 2,1 trilhões de dólares depositados no país, o que correspondia a 30% do mercado mundial.
Nesse contexto, Widmer-Schlumpf explicou aos suíços do estrangeiro que o objetivo do governo é defender a competitividade do setor financeiro em contexto global, combater os abusos e melhorar as condições para a economia helvética. “Qualidade, estabilidade e integridade são nossos objetivos claros”, reforçou a ministra das Finanças.
Como pontos positivos da Suíça na concorrência global do setor financeiro, ela listou o sistema político estável, o alto nível do sistema educacional e de formação profissional, a qualidade elevada dos produtos e serviços e também uma infraestrutura excelente. “Fazendo paródia a um típico jogo suíço, o Jass, a Suíça dispõe de algumas cartas nas mangas, que devem ser jogadas no momento correto”, afirmou, lembrando um dos seus trunfos. “Eles seriam os suíços do estrangeiro, que se instalam no exterior e se transforma, dessa maneira, em embaixadores do nosso país, ao transmitir também valores suíços.”
Outro tema abordado pela ministra das Finanças foi o voto eletrônico. Ela prometeu novidades para as eleições federais de 2015: o projeto “Vote électronique” irá facilitar a participação dos suíços do estrangeiro. Concretamente, testes de voto eletrônico irão ocorrer nas votações previstas para esse ano. “Os suíços do estrangeiro com direitos políticos devem participar delas”, conclamou Widmer-Schlumpf.
Ao encerrar o discurso, a ministra respondeu a perguntas do público. Um suíço do estrangeiro residente em Praga contou que sua conta em um banco suíço será fechada pela instituição pelo fato de não viver no país, uma tendência observada nos últimos anos e motivada pelas disputas fiscais da Suíça com os Estados Unidos e outros países europeus. Porém ele lembrou: “Para receber a minha pensão, preciso ter uma conta na Suíça. O que posso fazer?”
Widmer-Schlumpf deu a posição oficial. “Estamos em discussão com diferentes bancos nessa questão. Minha opinião é tentarmos encontrar uma solução ao problema sem a necessidade de novas leis. Não podemos influenciar nos negócios dos bancos, porém estamos cientes dos problemas atuais e tentamos sensibilizar as instituições sobre essa questão.”
Rosto da globalização
Outro participante de peso no congresso em Davos foi Franz von Däniken, antigo secretário de Estado e ex-diretor político do Ministério das Relações Exteriores, posto que o colocava no papel de principal interlocutor do Conselho Federal, o gabinete de ministros que governa a Suíça, em questões ligadas à política externa. No discurso realizado pela manhã ele citou tendências negativas na globalização. “Quem não se integra à rede, encontra-se rapidamente no lado dos perdedores”, perguntando ao mesmo tempo se o modelo econômico da Suíça, assim de outros países, seria sustentável em tempos atuais. “Veja os problemas ambientais que vivemos hoje em dia”, lamentou.
Por essa razão, Däniken ressaltou a necessidade da Suíça de investir nos pontos fortes do país como seu sistema educacional, o nível da ciência e a abertura aos mercados mundiais. Nessa questão, o antigo diplomata vê também o papel do governo. “O Estado deve garantir o acesso da Suíça aos mercados mundiais”, afirmou, lembrando que para isso também é necessário priorizar determinadas políticas. “Investir no sistema educacional e na pesquisa, reforçando a Suíça como um lugar onde ideias são criadas.”
Porém voltando-se ao público, o antigo diplomata levantou a questão que inquieta não apenas os suíços do estrangeiro, mas também os próprios suíços. “A globalização nos faz apátridas?”, colocou aos presentes. Däniken apresentou então um dos paradoxos do fenômeno socioeconômico. “Quanto mais as fronteiras são abertas, mais as pessoas voltam-se às suas origens e tradições.”
E onde se encaixa a Suíça? “Embora nosso país esteja integrado às organizações internacionais como a Organizações das Nações Unidas (ONU), ele precisa estar ancorada principalmente junto aos seus países vizinhos, ou seja, o continente Europeu”. Se por um lado o país se integra cada vez mais, por outro, o indivíduo continua como um ponto central para a identidade das nações. “Os suíços do estrangeiro dão à globalização um rosto”, concluiu Franz von Däniken.
PLACEHOLDERMigração em debate
Tradicionalmente, o congresso de suíços do estrangeiro prevê a realização de workshops, onde os participantes tem um papel mais ativo. Um desses debates foi dedicado à migração, tema considerado também importante na política interna frente aos números elevados de imigração das últimas décadas.
“Vivemos um forte crescimento da imigração na Suíça nos últimos anos”, aponta o deputado-federal Lukas Reimann (Partido do Povo Suíço, da direita conservadora), acrescentando também as razões para o fenômeno. “Temos um elevado nível salarial e de qualidade de vida”. O parlamentar defendeu a introdução de um sistema de pontuação para controlar a imigração. Segundo Reimann, este sistema avaliaria as qualidades “positivas” para o país como o nível de educação, a empregabilidade ou o conhecimento de idiomas do candidato, permitindo então a sua instalação. O parlamentar considerou, porém, que a Suíça não deve fechar suas fronteiras. “Não nego que a Suíça necessite da imigração, mas ao mesmo tempo precisamos de um instrumento para controlá-la”, declarou.
Ao seu lado, Carlo Sommaruga representava outra corrente ideológica. O deputado-federal do Partido Socialista e vice-presidente da Comissão de relações externas no Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) contou dois casos de sua vida particular para ilustrar sua posição. Nela ele revelou que foi marinheiro da marinha mercante e chegou à Argentina, onde terminou encontrando descendentes de suíços originários do cantão do Valais que ainda mantinham estreitas relações com a cultura helvética. E para exemplificar o caráter atual da migração na Suíça, contou também uma experiência vivida na Suíça, quando a filha foi internada em um hospital em caráter de urgência. A grande parte do pessoal de atendimento – médicos, enfermeiros ou radiologistas – era originária de diferentes países do globo, “o que mostra a necessidade da Suíça de receber estrangeiros capacitados para manter o alto nível do nosso sistema de saúde”, constatou.
Mas Sommaruga considerou também que a imigração tem lados negativos. “Necessitamos de medidas de acompanhamento para evitar problemas como o dumping social, ou seja, mão-de-obra estrangeira que ganha salários abaixo do previsto nos contratos coletivos de trabalho, e também da política habitacional, para evitar um forte aquecimento do mercado imobiliário”, afirma.
Um dos suíços do estrangeiro, radicado há muitos anos na Nigéria, pegou o microfone e relatou o controle migratório no país de acolho é restrito. “Tenho de me apresentar regularmente às autoridades para comprovar que trabalho”, conta. Então lança a pergunta se a Suíça não deveria, afinal, “controlar mais fortemente as suas fronteiras”. O deputado-federal Carlo Sommaruga contrapõe a sugestão ao concordar que a imigração de fato cresceu na Suíça, mas “que também foram criados mais empregos, o que significa que o desemprego não aumentou nesses últimos anos”. Seu colega de Parlamento, Lukas Reimann, traz outros elementos para a discussão: ele alerta para o perigo da “imigração” dentro do sistema social do país, “graças aos estrangeiros que perdem o emprego ou necessitam de ajuda para sobreviver”, somando também os elevados índices de criminalidade da população estrangeira.
Filha do antigo ministro Leon Schlumpf, nasceu em 16 de março de 1956 em Felsberg, no cantão dos Grisões (leste da Suíça).
Ela estudou direito na Universidade de Zurique e obteve sua licença em 1981. Em 1990, se doutorou na mesma instituição.
Entre 1987 e 1998, Eveline Widmer-Schlumpf trabalhou como advogada e tabeliã. Na política, foi eleita para o distrito de Trin em 1985, onde exerceu também o cargo de presidente de 1991 e 1997.
Ela foi deputada estadual no parlamento do cantão dos Grisões entre 1994 e 1998. Foi primeira mulher a ser eleita para o governo do cantão dos Grisões em 1998. Em 2001 e 2005 exerceu a presidência do governo cantonal, como prevê o sistema local de turnos.
Em 12 de dezembro de 2007, Widmer-Schlumpf foi eleita pelo Congresso suíço (as duas câmaras reunidas) como membro do Conselho Federal, o gabinete de sete ministros que governa o país. O cargo que assumiu foi o de ministra da Justiça e Polícia.
Em 14 de dezembro de 2011, Widmer-Schlumpf foi reeleita no cargo, assumindo dessa vez o ministério das Finanças.
Depois os parlamentares da Câmara dos Deputados e Senado a elegeram para o cargo de presidente da Confederação Helvética para 2012 (cargo de representação com duração de um ano)
Ela é casada e tem três filhos
Fundada em 1916, a Organização dos Suíços do Estrangeiro (ASO) representa na Suíça os interesses dos compatriotas expatriados. Ela é reconhecida pelas autoridades como a porta-voz da chamada 5a. Suíça
O Conselho dos suíços do estrangeiro (CSE) é o parlamento da chamada “5a. Suíça”. Ele se reúne duas vezes por ano – na primavera e durante o congresso anual dos suíços do estrangeiro.
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