“Eu tive que detona-los, eles desprezaram a Suíça”
Christoph Blocher passou o dia 6 de dezembro de 1992 completamente exausto. A Suíça votou contra a adesão ao Espaço Econômico Europeu (EEE). E Blocher foi para a cama. A decisão histórica foi precedida de uma campanha eleitoral cheia de emoções e palavras fortes - Christoph Blocher, exponente do voto contrário, e Peter Bodenmann, defensor da entrada da Suíça no EEE, recapitulam esse momento-chave da história recente da Suíça.
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swissinfo: O senhor se lembra quando disse isso: “Eu tenho que admitir que estou quebrado, cheguei no meu limite físico e mental”?
Christoph Blocher: Lembro-me dessa condição. Foi em 1992.
swissinfo: Isso foi uma semana antes da votação sobre a adesão ao EEE. O senhor realizou inúmeros eventos com antecedência.
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O plebiscito sobre o EEE
O Conselho Federal, governos cantonais, o parlamento, a maioria dos principais partidos: quase todos se manifestaram a favor da adesão ao Espaço Econômico Europeu (EEE). Como o Conselho Federal estava convencido de um ‘sim’, ele já havia depositado em maio de 1992 um pedido de adesão à UE. O Conselho sinalizou que a adesão ao EEE seria apenas um passo para a adesão da UE. Hoje se vê que isso foi um erro crasso. Assim, todas as forças opostas à iniciativa juntaram-se em torno de Christoph Blocher, e transformaram o voto em um debate altamente emocional sobre a cultura e a tradição suíças. Eles alegaram que muitas das particularidades suíças só poderiam ser preservadas por conta própria. A Suíça deveria manter sua independência e se proteger da burocracia européia. A votação de 6 de março de 1992 tornou-se um desastre para o establishment político. 50,3% dos eleitores votaram não; além disso, a maioria dos cantões (16 de 23) votou contra a entrada no EEE. Em junho de 2016, a Suíça retirou oficialmente o pedido de adesão.
swissinfo: Estima-se que o senhor falou diretamente com 150 mil cidadãos.
Ch. B.: E além disso, eu ainda tinha uma empresa para tocar.
swissinfo: Como o senhor conseguiu isso? Com quatro horas de sono?
Ch. B.: Às vezes até menos. Havia noites em que eu não dormia nada. O colapso mental e físico no final, foi como depois de uma guerra, você está para baixo, sem dormir, exausto. Eu tive que fazer um tratamento de recuperação depois. Eu me retirei por quatro semanas após a votação em uma remota cabana de caça, não queria ninguém à minha volta, passei o tempo fazendo longas caminhadas.
swissinfo: No dia da vitória, o senhor realizou uma improvisada conferência de imprensa.
Ch. B.: Não tinha mais forças para explicar a cada jornalista o que penso. Não me lembro mais, provavelmente não disse nada inteligente lá.
swissinfo: De toda forma o senhor não falou como um vencedor, e mal esboçou uma palavra de triunfo.
Ch. B.: Essa era a minha condição. Depois fui para casa, às oito eu estava na cama.
swissinfo: E finalmente pôde dormir oito horas?
Ch. B.: Não, tinha distúrbios do sono. Hoje chamamos isso de burn-out (estafa). Naquela época, as pessoas diziam: “Estou no fim da linha”. Mas às dez horas, houve um estrondo lá fora. Minha esposa me ligou: venha, Christoph, estão soltando fogos de artifício, o povo está comemorando. Fiquei de pijama junto à janela, exausto da longa luta. Eu não estava tão seguro se tinha razão. No começo eu estava sozinho com alguns poucos colegas. Não estava claro se o partido iria seguir o meu curso. Meus colegas do partido, incluindo o nosso conselheiro federal Adolf Ogi, se opuseram a mim. Todos aqueles com cargos e nomes diziam: se não nos juntarmos ao EEE, a Suíça vai morrer. E então as pessoas votaram pela independência da Suíça. Fiquei feliz. Mas não consegui triunfar.
swissinfo.ch: Todas as suas apresentações públicas mostraram uma imagem completamente diferente do senhor, uma pessoa convencida.
Ch. B.: Isso mesmo. Mas à noite, vinham as dúvidas. Na cama, muitas vezes pensei: será que eu sou o único certo, e todos os outros estão errados? Eu tive pesadelos. Mas de manhã, quando o sol surgiu, eu sabia o que eu tinha que fazer.
swissinfo: Sua campanha foi mais focada na Suíça de língua alemã e, em particular, na Suíça central.
Ch. B.: Sim, a Romandie já estava decidida (a favor do EEE) desde o início. Mas eu sabia que precisávamos da maioria dos cantões. É por isso que fui a muitos pequenos cantões, e deixei de lado certas regiões, incluindo toda a Suíça de língua francesa. Mesmo assim usei o meu francês ruim em alguns lugares, como a Universidade de Freiburg …
swissinfo: … onde uma conselheira cantonal prontamente o chamou de “Satanás” …
Ch. B.: … os professores também usaram a palavra “Diable”.
swissinfo: O senhor também era um demônio para a juventude, a imprensa, os opositores políticos.
Ch. B.: As hostilidades eram enormes. Todos estavam contra mim: a economia, a imprensa, a política. Eu os coloco todos no mesmo termo: “Classe politique”.
swissinfo: Em troca, o senhor recebeu o rótulo de “Volkstribun” (tribuno do povo).
Ch. B.: E “populista”. Foi assim que o (jornal) NZZ (Neue Zürcher Zeitung) me tachou em um quadro de avisos.
No hotel Kreuz, em Rapperswil-Jona, foi anunciada uma ameaça de bomba. O anfitrião me informou durante o meu discurso, mas eu disse: vou continuar falando.
swissinfo: Isso doeu?
Ch. B.: Sim, ninguém gosta de ser mau, nem eu.
swissinfo: Houve ameaças?
Ch. B.: Isso também. Passei todas elas à polícia.
swissinfo: E proteção pessoal?
Ch. B.: Não. Mas em um evento no Hotel Kreuz em Rapperswil-Jona, recebemos uma ameaça de bomba. O anfitrião me informou durante o meu discurso. Eu disse a ele: vou continuar falando.
swissinfo: Como sua esposa reagiu?
Ch. B.: Ela descobriu mais tarde. Eu disse: imagine o que teria acontecido se essa ameaça de bomba tivesse me calado. Em uma chantagem, você nunca deve ceder.
swissinfo: Isso foi o pior?
Ch. B.: O pior foi a ação de Peter Bodenmann, que jogou contra minha própria existência.
swissinfo: O então presidente dos social-democratas acusou-o de não pagar aos empregados um salário justo na sua empresa EMS Chemie.
Ch. B.: Ele chegou na fábrica com os sindicalistas às cinco horas da manhã, alegando que os funcionários da EMS ganhavam muito menos do que seus colegas no Valais. Bodenmann disse que era preciso acabar comigo no campo dos negócios. Ele queria incitar meus empregados a entrar em greve. Depois, ele foi a Berna para o Palácio Federal e deu uma coletiva de imprensa nacional: Blocher, o arrochador de salários. Isso poderia ter sido muito perigoso. Mas nada aconteceu.
swissinfo: Mesmo assim, o senhor logo depois deu um aumento de 3,5 por cento aos seus funcionários.
Ch. B.: Nós fizemos isso todos os anos. Mas certamente não graças a Bodenmann. A inflação era muito alta naquela época. Houve uma profunda recessão.
Não se poderia dizer que eu era um isolacionista. Então, me acusaram por ter uma grande fortuna.
swissinfo: Um tópico importante: ninguém abre suas portas durante crises. A recessão o ajudou a combater o EEE.
Ch. B.: É verdade que, na crise, as empresas se seguram no que é sólido. Ao mesmo tempo, no entanto, o Conselho Federal também usou fortemente o argumento da recessão. Na sua opinião, a adesão ao EEE / UE prometia o fim da crise.
swissinfo: E o senhor foi atrás dos empresários bem sucedidos neste momento.
Ch. B.: Sim, coloquei-me como o exemplo de um empreendedor de exportação. Você não poderia dizer que eu era um isolacionista. Eu conhecia o mundo. Então eles tentaram usar meu sucesso contra mim. Fui acusado pela minha riqueza. Mas as pessoas simples não se importaram que, como empresário, eu fosse tão rico .
swissinfo: “O ostracismo dos grandes lhe valeu o respeito dos pequenos”, escreveu o (jornal) Weltwoche naquele momento.
Ch. B.: Sim, isso mesmo. Foi doloroso porque fui condenado ao ostracismo pela minha própria gente. Como industrial, eu sempre os tive ao meu lado quando enfrentamos outros problemas. Mas eu tive que detona-los porque eles desprezaram a Suíça.
swissinfo: Foi o início de um processo em que o debate político tornou-se cada vez mais rancoroso e polarizado.
Ch. B.: Essa polarização foi urgentemente necessária. A Suíça antecipou algo que agora está acontecendo nos países ocidentais, rebelando-se contra os políticos.
swissinfo: O senhor se refere ao surgimento de movimentos e à desintegração do quadro partidário convencional?
Ch. B.: Sim, nos EUA Trump não é um republicano, mas seu próprio movimento. O mesmo com Macron na França, e Beppe Grillo na Itália.
swissinfo: Nesse sentido, o senhor também é um movimento?
Ch. B.: A luta contra o EEE movimentou muitas pessoas, e levou à refundação do SVP (Partido do Povo Suíço, ou UDC – União Democrática do Centro, em francês), em que as pessoas acabaram se afastando dos seus partidos anteriores.
swissinfo: E o SVP é o veículo do movimento Blocher?
Ch. B.: É claro que eu influenciei fortemente o partido. Mas sempre trabalhei para que não se tornasse uma seita. Nós não conversamos sobre nós mesmos, mas sobre a Suíça. É por isso que agora gozamos de uma situação mais estável – e menos extremistas de direita.
swissinfo: O SVP pode agradecer a União Europeia. Sem a UE, ele dificilmente teria atingido o tamanho que tem hoje.
Ch. B.: Isso é verdade. Porque somos os únicos que se preocupam fundamentalmente com o valor da independência e da autodeterminação suíças. Mas antes disso, tivemos que resolver enormes disputas internas, que até hoje persistem. Tivemos até que expulsar o nosso próprio Conselheiro Federal.
swissinfo: A cassação significa que o senhor prevaleceu?
Ch. B.: Não, nós brigamos mesmo e no final prevalecemos. Nossa linha foi bem sucedida, e os políticos também são pessoas que gostam de sucesso. Em busca do sucesso, eles também não se incomodam de nadar contra a corrente.
No total, acho que gastei entre um e dois milhões.
swissinfo: O senhor também usou o seu próprio dinheiro.
Ch. B.: Nunca financiei o partido, apenas as campanhas eleitorais.
swissinfo: O senhor se lembra do quanto investiu contra o EEE?
Ch. B.: Não.
swissinfo: E se lembrasse, nos diria?
Ch. B.: Sim, bem … entra nos milhões.
swissinfo: Dezenas?
Ch. B.: Não, não. No total, acho que gastei entre um a dois milhões.
swissinfo: Não cinco?
Ch. B.: Não, esse foi o custo de toda a campanha. Tivemos muitas doações – também muitas pequenas. Aliás, em 1992 eu não era tão capaz (financeiramente) quanto sou hoje.
swissinfo: Sua família hoje está entre as dez mais ricas da Suíça. Quando se tem tamanha fortuna, a primeira sensação é de orgulho? Ou gratidão?
Ch. B.: Você nem se dá conta disso.
swissinfo: Sério?
Ch. B.: Sim, eu leio a respeito, e eu vejo isso na declaração de imposto de renda. Nós não temos dinheiro, mas ativos, ou seja, empresas.
swissinfo: Mas o senhor pode simplesmente dizer: tal ideia não me convém neste momento, então vou colocar alguns milhões em uma contra-campanha.
Ch. B.: Não é verdade, não posso gastar o dinheiro tão descuidadamente. Por que somos ricos? Porque as empresas valem bastante. E um bom empreendedor tem que ser rico. Um empreendedor pobre é a coisa mais triste que existe, porque significa: sua empresa não vale nada, ela vai de mal a pior!
swissinfo: Mas então, o senhor tem orgulho.
Ch. B.: Orgulhoso não, mas satisfeito. Eu assumi a maioria das ações de uma EMS em plena crise. O valor de mercado das ações era de cerca de 100 milhões. Hoje ainda são os mesmos sócios no comando – mas a empresa vale cerca de 17 bilhões.
swissinfo: Hoje, seus investimentos na mídia causam desconforto. Isso vem da experiência daquela época, quando o senhor teve praticamente toda a imprensa contra si?
Ch. B.: Não é rancor pessoal. Mas naquela época eu realmente estava sofrendo com essa monotonia, todos escrevendo a favor do EEE e contra mim. Isto foi seguido por uma concentração da mídia em cada vez menos editoras, um desaparecimento da variedade da imprensa. Essa foi a ocasião para intervir. Começou no cantão dos Grisões …
swissinfo: … onde localiza-se a sua empresa, EMS Chemie. Supõe-se então que tal decisão se deu por causa do ataque dos defensores do EEE contra a sua empresa. Para tal caso, o senhor teria um jornal que lhe daria a chance de se defender.
Ch. B.: Sim, o jornal concorrente, o Bündner Zeitung, escreveu brutalmente contra mim. Eu queria uma concorrência, uma segunda voz. O Bündner Tagblatt é hoje propriedade da EMS-Chemie. Se a EMS não o tivesse assumido então, o jornal teria morrido. Lá não se contrata nenhum editor-chefe sem a concordância da EMS.
swissinfo: Um comentário do jornal na época dizia: “O povo tem sempre razão. Se ele tomou a decisão correta, é outra questão. “
Ch. B.: O povo nem sempre tem razão. A voz do povo não é a voz de Deus. Mas quando o povo se decide por algo, essa decisão tem que valer. Algumas pessoas que eram a favor do EEE hoje me agradecem.
swissinfo: Hoje sabemos melhor como é a UE. O senhor se satisfaz em ver quantos problemas a Europa não é capaz de resolver?
Ch. B.: Não. Há vinte e cinco anos eu disse que a UE estava se tornando um estado federativo centralizador ou então uma confederação descentralizada e solta, o que seria melhor. Se fosse assim, nós já estaríamos lá. Eu ainda espero que a UE se mova nessa direção. Mas agora, o euro está forçando a centralização, apenas para dar-lhes a oportunidade de equilibrar as finanças entre os membros mais ricos e os mais pobres. Não, não tenho nenhuma alegria quando a UE vai mal. Mas tenho um grande prazer quando vejo que a Suíça vai bem, e graças à sua independência.
Adaptação: Eduardo Simantob
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