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“Precisamos de voto eletrônico? Na verdade, não”

Bildschirm mit Informationen zu E-Voting
Fabrizio Gilardi considera o voto eletrônico desnecessário. © Keystone / Jean-christophe Bott

Suíça testa mais uma vez o chamado "e-voting”, o voto eletrônico. O professor Fabrizio Gilardi afirma: "Se o voto eletrônico passasse por pouco em uma votação, seria muito problemático”.

Na comunidade de tecnologia, a discussão sobre o voto eletrônico é dominada por questões de segurança: O sistema é seguro? Como podem os procedimentos criptográficos garantir ao mesmo tempo o sigilo e a segurança do voto? Como é que o sistema e o voto individual podem ser verificados? Fora da comunidade, tais questões são secundárias. Aí, o foco está na questão dos benefícios e perigos para o processo democrático.

* Artigo publicado no Inside ITLink externo. O portal especializado produziu uma série de artigosLink externo sobre os novos ensaios com a votação eletrônica por parte do governo federal.

Conversamos com Fabrizio Gilardi, professor de Análise Política da Universidade de Zurique. O diretor do Laboratório de Democracia Digital realiza pesquisas na interface entre tecnologias digitais e política.

Fabrizio Gilardi
Fabrizio Gilardi zvg

Os interesses de pesquisa, por parte de Gilardi, incluem a difusão de políticas, gênero e política, e tecnologia digital e política. Atualmente, estuda o impacto dos discursos sobre tecnologia digital na política e na democracia. Em 2020, Gilardi participou como especialista no diálogo para a reorientação da operação de testes com o voto eletrônico, evento organizado pela Chancelaria Federal. 

Inside IT: Você acha que o e-voting é uma boa ideia?

Fabrizio Gilardi: A pesquisa mostra que os efeitos na participação nas urnas são mínimos. Nas eleições cantonais em Zurique, isso foi pouco menos de 35% – com o voto eletrônico poderíamos ter chegado a 36% ou 37%. Esse baixo comparecimento é um problema político que não resolveremos nem com o novo canal nem com um aplicativo “bacaninha”. Do ponto de vista da ciência política, a votação eletrônica é um tema bem chato.

Inside IT: Mas não existem outras descobertas sobre o uso benéfico de um terceiro canal?

F.G.: Na Suíça, é fácil votar pelo correio, pelo que acrescentar outro canal só irá mobilizar alguns eleitores adicionais. A situação pode ser diferente em um país como os EUA, onde às vezes os eleitores têm de sair de manhã cedo para se colocar na fila em frente a um posto de votação.

Mas há um grupo que se beneficiaria com e-voting: os suíços e suíças residentes no exterior. Contudo, também aqui, apenas o subgrupo que vive em países como a Venezuela, onde o sistema postal não funciona. Mas mesmo entre este eleitorado, o efeito é controlável, como um estudo demonstrou: a ida às urnas neste grupo muito específico aumentaria em cerca de cinco pontos percentuais.

Inside IT: Alguns indivíduos, contudo, já se beneficiariam com isso. E aqueles que não podem participar das eleições de forma independente devido a uma deficiência também poderiam se beneficiar do voto eletrônico.

F.G.: Não sou especialista nesta área, mas a maior parte é provavelmente coberta pela votação por correspondência. Há certamente indivíduos para quem o e-voting abre novas possibilidades, mas muitas vezes o sigilo do voto não é visto com muito rigor nas famílias ou nos círculos de amigos, e as pessoas também se organizam. No entanto, seria importante saber como essas pessoas percebem o problema.

Inside IT: O senhor vê então poucas vantagens. Existem grandes desvantagens e perigos?

F.G.: Na comunidade tecnológica, a motivação e a capacidade de lidar com os meios digitais são superestimadas.  O voto eletrônico não se resume a senhas ou autenticação de 2 fatores, alguns dos quais já são usados de maneira preocupante. Com a votação eletrônica, seria possível fazer o login para verificação e combinação de códigos em um site. Haverá uma falta de motivação e de competências entre muitos eleitores, mesmo que as soluções possam ser tecnicamente convincentes. Isso poderia levar a mal-entendidos e aborrecimentos expressos nas redes sociais, o que, por sua vez, decerto alimentaria rumores.

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Inside IT: Isso poderia beneficiar grupos que duvidam dos resultados eleitorais ou querem obter capital político a partir de falsas acusações?

F.G.: As campanhas por suposta fraude eleitoral dependem menos da infraestrutura técnica do que da polarização social – ou melhor, da radicalização de certos grupos. Com certeza, especialistas nos EUA afirmam que o voto eletrônico poderia ser uma moeda de troca para os republicanos radicais. Mas para alimentar o mito de que Trump foi fraudado na eleição presidencial, eles não precisaram de um sistema de votação pela Internet.

Inside IT: O senhor também examina a dinâmica político-democrática nas redes sociais. Foram também observadas dúvidas sobre as votações na Suíça?

F.G.: Na Suíça, o questionamento do processo democrático é limitado a pequenos grupos, que se encontram principalmente nas fileiras dos negadores do Coronavírus. A democracia direta é sacrossanta neste país.

Inside IT: E quanto aos famosos ataques cibernéticos e exércitos de troll russos?

F.G.: Em 2022, avaliamos o discurso sobre os referendos no Twitter e não encontramos indícios de manipulação. Mas isso seria uma abordagem de baixo limiar de influência, em oposição à manipulação de uma eleição. Penso que as tentativas de influenciar as coisas têm sido extremamente modestas até agora, mas não podem ser descartadas no futuro. A isso deve-se acrescentar: o voto eletrônico pode ser concebido para ser mais seguro, mas nunca será possível descartar cem por cento a possibilidade de manipulações.

Inside IT: Em caso de manipulação, os danos teriam de ser, pelo menos, limitados. Do ponto de vista politológico, haveria um requisito mínimo para a introdução do voto eletrônico?

F.G.: Sim, a introdução do e-voting teria de ser apoiado por todas as forças políticas para além dos negadores do Coronavírus. Se passasse por uma margem estreita numa votação, isso seria muito problemático. Mas o que poderia falar a favor de uma opinião unânime: nenhum partido se beneficiará particularmente com a votação eletrônica, como mostram os estudos, ou seja, nem mesmo aqueles que querem apelar a uma audiência jovem ou digitalmente experiente.

Inside IT: Voltando ao início: o voto eletrônico é uma boa ideia? Deveríamos introduzir o terceiro canal?

F.G.: Respondo com uma contra-questão: precisamos do voto por via eletrônica? Não, realmente não. Seria perigoso? Na verdade, também não. Mas a Chancelaria Federal está altamente motivada, para ela o tema é “too big to fail”. Acho que a Suíça ainda tem muito a fazer em termos digitais, mas a votação eletrônica não é um dos tópicos mais urgentes. Em vez disso, eu perguntaria se isso não vincula os recursos necessários de outras áreas com uma grande necessidade de recuperar o atraso na digitalização, como a saúde, e, portanto, prejudicar mais do que ajudar.

Adaptação: Karleno Bocarro

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