Quando o franco suíço precisou aprender a flutuar
Em 1973, o padrão-ouro foi finalmente abandonado e as taxas de câmbio perderam sua estabilidade, gerando consequências também na Suíça. Dois historiadores discutem a reviravolta que marcou a economia mundial.
No início de 2023, o Banco Nacional Suíço (SNB) registrou um déficit recorde de CHF 132 bilhões (US$ 143 bilhões). O valor é resultado da luta do banco contra a valorização do franco porque, entre outras razões, foi preciso comprar moedas estrangeiras para neutralizar a corrida global pela moeda suíça.
A forte dependência da economia suíça do SNB é historicamente nova. Tudo começou em um mês de janeiro, há 50 anos, quando a Suíça teve que se despedir das taxas de câmbio fixas.
Os historiadores indicam os anos posteriores a 1945 até meados da década de 1970 como o período do “milagre econômico”. Já o fim da etapa de crescimento ocorreu em um espaço de tempo mais curto e específico: o colapso do sistema monetário internacional de Bretton Woods, no fim da década de 1960.
O Acordo de Bretton Woods, adotado por 44 países em uma conferência da ONU desde 1944, visava minimizar as flutuações cambiais internacionais. De um lado, fixou a relação entre o dólar e o ouro. Do outro, fez todas as nações se comprometerem a estabilizar suas moedas por meio de sua política monetária – em particular a compra e venda de dólares.
A política monetária internacional após 1945 caracterizou-se pelo desejo de estabilidade e previsibilidade. Para o historiador econômico Tobias Straumann, o acordo de Bretton Woods foi uma espécie de economia de guerra prolongada. “Depois da Primeira Guerra Mundial, as pessoas retornaram muito rapidamente à ordem econômica liberal do século 19 – que terminou com o grande crash de 1929. Após a Segunda Guerra Mundial, as pessoas foram, portanto, mais cautelosas e atrasaram a transição para uma economia em tempos de paz. ”
Mas o sistema desmoronou no final dos anos 1960. Os EUA não conseguiram mais manter a promessa de lastrear cada dólar em ouro. E, em 1971, o presidente Nixon abandonou o padrão-ouro.
Para Straumann, esse foi o ponto mais decisivo na história do dinheiro. “Desde então só existe papel impresso. Você pode se endividar indefinidamente”, disse ele. “A ligação com o metal precioso havia restringido essa possibilidade.”
A reputação suíça
A Suíça defendeu fortemente o sistema monetário de taxas de câmbio fixas desde a década de 1960.
Em 1962, Max Iklé, então membro do conselho de administração do SNB, enfatizou que também estava preocupado em corrigir a reputação da Suíça. Com certeza todos já haviam notado “que nossos bancos, com seus grandes negócios internacionais, estavam sendo vistos com ceticismo por seus concorrentes estrangeiros”, disse, acrescentando que até o presidente americano havia se referido à Suíça como um paraíso fiscal.
“A riqueza também gera uma obrigação na política monetária”, disse ele.
No entanto, no final de janeiro de 1973, a Suíça resolveu mudar de postura. Uma crise cambial na Itália novamente levou a uma debandada de investidores atrás do franco. O ministro das Finanças da Suíça, Nello Celio, anunciou que o SNB não compraria mais dólares por enquanto e deixaria o franco para o mercado.
O franco não seria mais estabilizado pela compra e venda de dólares. Ao fazer isso, a Suíça também anunciou o fim da ordem monetária do pós-guerra – foi o primeiro país a deixar sua moeda flutuar.
“Cobra no túnel”
Seria errado supor que a medida foi o resultado de grandes considerações estratégicas. Tanto o governo quanto o banco nacional assumiram que as compras de dólares seriam suspensas apenas por um curto período de tempo e depois retomadas. Ainda em 1971, o então presidente do SNB, Fritz Leutwiler, considerava taxas de câmbio flexíveis simplesmente “utópicas”.
Mesmo quando a transição para o novo sistema já estava concluída, Leutwiller disse a um colega que “não tinha ideia de como fazer política monetária com taxas de câmbio flexíveis”. Mas, depois, o presidente do SNB tornou-se especialista em evitar fluxos de capital para a Suíça.
“Eles [direção do banco] estavam fazendo algo que não queriam e tinham que improvisar o tempo todo”, disse Straumann.
Na verdade, o próprio SNB não estava convencido de entrar nesta empreitada sozinho. Já em 1975 cogitava ingressar na Associação Europeia de Taxas de Câmbio, a chamada “cobra no túnelLink externo“, um sistema de cooperação monetária europeu destinado a limitar as flutuações entre as diferentes moedas do continente.
“Para eles, isso foi como um campo de treinamento para o euro”, disse Jakob Tanner, professor emérito de história da Universidade de Zurique. “Foi aí que surgiu a ideia de que a única forma de contornar as incertezas da flutuação era abolir as taxas de câmbio dentro de um bloco estável, que se consolidou em 1979 com o Sistema Monetário Europeu.”
Mas a adesão do país alpino ao bloco falhou. Mais por causa da França, que queria impedir um bloco de países de moeda forte em torno do marco alemão (antiga moeda oficial da Alemanha, antes da adesão ao Euro) e menos por causa das críticas feitas ao sigilo bancário suíço.
Consequências para a indústria exportadora
A Suíça teve que bater na porta dos europeus porque seu franco valorizou-se drasticamente com sua liberação – e a indústria exportadora sofreu as consequências.
De 1970 a 1980, o emprego no setor industrial na Suíça diminuiu de 40% para 32%. O fato de não haver desemprego em massa deveu-se apenas ao êxodo de mão de obra estrangeira e à demissão de mulheres em empregos de meio período. Os sindicatos responsabilizaram a nova política monetária pela desaceleração.
Mas seria errado afirmar que a Suíça se tornou, portanto, uma zona desindustrializada ao longo do tempo: a participação das empresas manufatureiras no produto interno bruto (PIB) é agora pouco superior a 25%, à frente da Alemanha (24%), Itália (22%) ou França (16%).
Mas a alta taxa de câmbio do franco mudou a estrutura produtiva da indústria. “Na Suíça, as indústrias que sobreviveram foram principalmente aquelas que conseguiram escapar da feroz competição de preços”, diz Tanner. “Se um fabricante em Bernese Oberland produz válvulas com tecnologia de ponta, não é tão importante que seu preço dobre porque são usadas em máquinas que custam milhões. Qualidade e serviço internacional são mais importantes.”
Straumann tem uma visão semelhante. “A pressão ascendente contínua sobre o valor pressiona a economia para se especializar e inovar”, disse ele. Ao mesmo tempo, porém, ele vê o perigo de “acabarmos produzindo apenas produtos de luxo, como relógios e produtos farmacêuticos especializados”.
‘Grande responsabilidade’
No entanto, o SNB não operou inteiramente sem uma diretriz. Em 1974, o SNB começou a prever a oferta monetária total para o ano seguinte. “Isso deu uma certa ancoragem. Você forneceu dinheiro para o crescimento econômico”, disse Straumann.
Mas o franco continuou a subir dramaticamente. Em 1975/76, o PIB da Suíça caiu 7,15%, um recorde mundial mesmo considerando a crise dos anos 1970. Então, em 1978, o valor do franco subiu 30% em relação ao dólar em nove meses.
“[O economista americano Milton] Friedman subestimou o quanto as taxas de câmbio flutuam. Eles pensaram que o mercado ajustaria bem as taxas de câmbio. Eles não esperavam as oscilações dos anos 1970”, disse Straumann.
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A Suíça é uma manipuladora de moedas?
A princípio, os diretores do banco nacional quiseram recorrer a velhas receitas, como controlar o fluxo de capitais para a Suíça, mas isso não surtiu efeito. Não apenas o dólar enfraqueceu, mas também o marco alemão, que há muito era uma moeda de reserva para o franco.
O SNB teve que encontrar novos caminhos e comunicou uma diretiva pela primeira vez. Os marcos alemães eram comprados com francos e o preço era alterado pela demanda. A novidade foi que um limite inferior foi comunicado – “a meta era mais uma vez obter mais de CHF 0,80 por marco alemão”, disse Straumann. Até que os comerciantes de câmbio aceitaram. Uma taxa de câmbio mínima foi introduzida e defendida com compras de moeda – uma estratégia que mais tarde foi usada repetidamente.
A flutuação foi acompanhada pela primeira vez pela possibilidade de uma política monetária autônoma. Isso fez do SNB um jogador decisivo em uma área onde o parlamento não tinha voz.
“Existem, é claro, boas razões para um banco central independente”, disse Tanner. “Evita que se torne um peão de associações e interesses. Mas desde a transição para taxas de câmbio flutuantes, o SNB deixou de ser um pequeno clube exclusivo para se tornar uma grande organização com seu próprio departamento de pesquisa. Assume uma enorme responsabilidade por toda a política económica. Portanto, deve ser gerido de forma democraticamente responsável. E a independência não impede isso.”
(Adaptação: Clarissa Levy)
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