Relação entre Suíça e UE vive sua pior fase desde 1992
A decisão do governo suíço de privilegiar a compra de caças F-35 americanos em detrimento de seus concorrentes europeus marca a pior fase da sua relação com a União Europeia desde 1992, avalia o especialista em Europa Gilbert Casasus. Veja a entrevista.
Gilbert Casasus, professor de Estudos Europeus na Universidade de Friburgo, afirmou preocupar-se com a reputação da Suíça entre seus vizinhos europeus.
SWI swissinfo.ch: O governo suíço garante que sua escolha pelo F-35 não foi uma decisão política, mas sim embasada exclusivamente na relação de custo-benefício. No entanto, é possível que a compra de uma aeronave de combate seja “apolítica”?
Gilbert Casasus: Dizer que a decisão do governo suíço não é política é um conto de fadas. Mas não como o vivido pela seleção suíça de futebol quando ganhou da França recentemente. Não, o conto de fadas do Conselho Federal é uma história com um resultado longe de ser agradável.
Por quê?
A compra de armas e produtos relacionados tem uma conotação política no mundo todo. Não foi por acaso que o governo suíço optou por um avião de caça americano em vez de um europeu. Esse é um resultado direto da decisão política de 26 de maio de 2021 de encerrar as negociações de um acordo-quadro com a UE. De certa forma, a decisão de comprar o F-35 é a continuação do colapso do acordo-quadro com a UE.
Os críticos advertem que os serviços de inteligência dos EUA podem ter acesso aos sistemas de comunicação dos F-35. A independência e a neutralidade suíças ainda estarão garantidas?
A compra de um avião de caça ou outro equipamento militar nunca é neutra. Então, a compra de um modelo europeu tampouco teria sido neutra. A neutralidade nunca desempenha um papel em tais transações, simplesmente porque seria impossível fazê-lo.
O fator decisivo, como mencionado acima, foi que o Conselho Federal deliberadamente permaneceu fiel à sua postura com essa decisão. Isso, contudo, fez com que as relações com a UE atingissem seu pior momento desde que os suíços votaram contra a adesão ao Espaço Econômico Europeu (EEE) em 1992.
A Alemanha ficou muito decepcionada com o fato de o Eurofighter não ter sido considerado. Trata-se de um projeto conjunto entre Reino Unido, Alemanha, Itália e Espanha. A Suíça perdeu a chance de fortalecer seus laços com a UE ao não comprar uma aeronave europeia?
Se a Suíça tivesse optado pelo avião europeu, teria enviado um sinal de que desejava manter suas boas relações com Bruxelas e com a UE. Mas o fato é que, nessa área, os países europeus não trabalham todos em conjunto, e até mesmo competem ferozmente entre si.
Há, por exemplo, o caso da colaboração estabelecida entre a França e a Alemanha para desenvolver um avião de caça até 2040. Atualmente, o projeto está sendo adiado pela Alemanha. Há grandes divergências entre os dois países. De um lado, a França e seu presidente Emmanuel Macron estão pressionando por uma política europeia comum e sólida de defesa e segurança. De outro, a chanceler alemã Angela Merkel e sua ministra da Defesa Annegret Kramp-Karrenbauer, favorável aos EUA e crítica em relação à França, que estão freando a proposta.
A política de defesa e armamento é de fato o calcanhar de Aquiles da UE. Nesse sentido, a escolha da Suíça de preterir o Eurofighter também destacou grandes deficiências na política de segurança do bloco europeu.
Você acha que poderia ter existido um “meio termo ideal” para a Suíça?
O “meio termo ideal” poderia ter sido um acordo envolvendo fornecedores de diferentes países europeus. Por exemplo, a compra de um novo avião de caça da França e a aquisição de outros equipamentos de defesa da Alemanha e da Suécia. Não ocorreu ao Conselho Federal buscar um equilíbrio político ou na política externa, o que também pode ser interpretado como uma fraqueza política do nosso governo.
Os geoestrategistas há muito tempo alertam que, sem uma política de segurança comum, a Europa corre o risco de tornar-se irrelevante ou até mesmo de ser esmagada entre os blocos americano e chinês. Se a Suíça houvesse optado por um avião europeu, isso poderia ter fortalecido o peso geoestratégico da Europa?
A decisão da Suíça esclareceu duas coisas: primeiro, que sua política externa é caracterizada por certos aspectos antieuropeus; segundo, que os acordos comerciais com os Estados Unidos e com países asiáticos, particularmente China e Indonésia, parecem ser mais importantes para ela do que as boas relações com a Europa.
Mas atenção: essas ações de política externa podem prejudicar a reputação da Suíça no resto da Europa. Se ela preferir trabalhar com ditadores, como o Xi Jinping da China, em vez de democratas como Macron e Merkel, perderá credibilidade no que diz respeito à política exterior.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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