Relações Suíça-UE caminham devagar, mas avançam
Berna e Bruxelas vêm tentando reformular sua relação com um "acordo-quadro" há sete anos. Embora a posição da UE seja bastante clara, as disputas sobre o acordo não têm fim na Suíça.
Há três meses, parecia que as conversações entre Berna e Bruxelas poderiam finalmente recomeçar. Depois que a população suíça em setembro de 2020 rejeitou a iniciativa popular de limitar a liberdade de circulação entre a Suíça e a UE, não havia mais obstáculos para a renovação das negociações sobre o acordo-quadro. Em Bruxelas, as autoridades esperavam impacientemente pelo início das discussões. A Suíça foi acusada de atrasar o debate por um longo tempo.
Agora, outro trimestre passou. E ainda nada aconteceu. A pandemia mudou as prioridades e retardou os processos – mas também é verdade que a UE está dando seu tempo.
A presidente da Comissão Européia, Ursula von der Leyen, saudou o resultado do referendo e exortou o governo suíço a avançar com as negociações sobre o acordo-quadro. Mas também se entende que a Suíça é uma questão secundária para von der Leyen. Devido a uma remodelação, a posição de principal negociador para o portfólio da Suíça está desocupada no momento. A negociadora-chefe suíça, Livia Leu, tem que aguentar firme por mais um tempo.
Há alguma ironia na situação atual. O ex-presidente da Comissão Européia Jean Claude Juncker reclamou repetidamente sobre a constante rotação dos presidentes suíços que ele tinha que conhecer de novo a cada ano para poder negociar. Ele manteve 23 discussões pessoais com quatro presidentes suíços e assim teve mais conversas com a Suíça do que com outros estados fora da UE. Agora, sob a sucessora de Juncker, a UE colocou a Suíça em uma posição semelhante – e é difícil determinar até que ponto este padrão de comportamento é intencional. Ou que dicas específicas Juncker deu a sua sucessora sobre como lidar com a Suíça.
O que está em jogo?
Em algum momento, um novo capítulo nas relações entre a Suíça e a UE deve finalmente começar. A relação bilateral permanece boa, mas consiste em uma manta de retalhos de tratados que surgiram ao longo de décadas. Um chamado acordo institucional, ou acordo-quadro, sobre o qual as negociações começaram em 2014, deveria fornecer uma base jurídica unificada para o futuro.
Há três pontos que ainda são objeto de acalorado debate na Suíça: um é um sistema que permitiria atualizações “dinâmicas” do acordo bilateral; outro é seu desenho, e o terceiro é a introdução de um tribunal para resolver disputas futuras.
O embaixador da UE na Suíça, Petros Mavromichalis, deixou clara a posição de Bruxelas em várias entrevistas após tomar posse no outono: a UE está pronta para entrar em mais detalhes, mas não está disposta a negociar do zero. Do ponto de vista da UE, as negociações foram concluídas no final de 2018. Se houver necessidade de esclarecer alguma coisa, é claro que a UE está pronta para conversar. Mas o governo tem que deixar sua posição clara. O governo fez isso em novembro, embora não o tenha anunciado publicamente.
A oposição suíça
Enquanto isso, discussões acaloradas continuam. A direita conservadora do Partido Popular Suíço (SVP/UDC) é particularmente crítica: aproveitou a oportunidade para colocar o acordo-quadro de volta na mesa.
Chefe da maior facção parlamentar, o deputado do Partido Popular Thomas Aeschi, exigiu que o acordo-quadro fosse completamente eliminado. E ele não mediu suas palavras: na situação atual, o acordo “relança o Espaço Econômico Europeu neocolonial”, e assiná-lo seria “repreensível” do ponto de vista jurídico e político. Este “tratado de escritura” nada mais é do que “subjugação” e “rendição da Suíça”. Numerosos parlamentares do partido fizeram comentários semelhantes.
Mas também há críticas da esquerda. Os sindicatos temem que as regras de proteção salarial sejam flexibilizadas, o que coloca os social-democratas, que estão intimamente aliados aos sindicatos e são geralmente amigos da Europa, em um dilema. A maioria dos outros partidos também quer novas negociações sobre isto e não tomaram uma posição clara.
É notável que as críticas na Suíça aumentaram ao longo dos anos. Agora a maioria dos partidos está apontando o dedo para o governo e espera que ele extraia concessões substanciais em novas negociações, ou que interrompa todo o exercício. A mensagem é – precisamos de liderança, finalmente.
Quais são os argumentos?
Há inúmeros pontos críticos, que à primeira vista parecem ser de natureza técnica. Mas, no final, são questões de soberania e preocupação com o bem-estar econômico. Para os críticos à direita do espectro político, a adoção da legislação da UE – uma condição para a adesão ao mercado interno europeu – é um ponto central. A Suíça já adota a lei da UE, mas o diabo está nos detalhes semânticos: por enquanto, a Suíça faz isso “autonomamente” – em um estágio posterior, isso aconteceria “dinamicamente”. Considerando que o Tribunal de Justiça Europeu seria a última corte de apelação na resolução de disputas, os críticos dizem que “juízes estrangeiros” imporão a lei da UE à Suíça.
Do lado da esquerda, há sobretudo a preocupação de que os altos salários da Suíça sejam minados sem medidas apropriadas para protegê-los. As regras de proteção salarial têm resguardado os trabalhadores suíços desde que o mercado de trabalho foi aberto. Este ponto é particularmente sensível, pois a Suíça está buscando exceções que contradizem os princípios centrais do mercado interno.
O que diz a UE?
Não houve grandes mudanças e a relação permanece basicamente boa. Não há nenhuma razão externa para a pressa, nem para a Suíça nem para a UE. Mas se os anos passarem sem um acordo, existe o perigo de as relações se desgastarem. A UE já deixou claro que não quer atualizar tratados que expirarem. Isso tem conseqüências diretas para a Suíça. Uma amostra do que isso significa veio com o acordo de equivalência da bolsa de valores, que a UE não prorrogou no final de 2018, e que poderia deixar a bolsa de Zurique virtualmente desconectada das operações europeias. Há meios de exercer pressão de ambos os lados, mas a diferença no tamanho das duas partes define o tom.
No momento, não está claro se ainda podem ser feitas mudanças no acordo-quadro e, em caso afirmativo, quais poderiam ser. O Ministro suíço das Relações Exteriores, Ignazio Cassis, disse agora ao Parlamento que espera que o acordo seja submetido ao eleitorado de uma forma ou de outra. Mas pode levar algum tempo para chegar a esse ponto: a base das negociações é que até que tudo esteja acordado, nada está acordado. A questão é se esta base é válida para um país no qual o povo tem voz até o último momento.
swissinfo.ch/ets
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.