Um assalto a banco foi suficiente para pedir a pena de morte
A Suíça permaneceu tranquila por muito tempo: até que, no início do século 20, refugiados anarquistas começaram a cometer delitos na Suíça. Porém um crime foi a gota d’água: o assalto a um banco em Montreux em 1907, no qual dois russos mataram um funcionário e, na fuga, um pedestre. Os cidadãos gritaram "pena de morte para eles."
Foi na manhã de 18 de setembro de 1907, em Montreux, às margens do lago Genebra que a população acordou com uma perseguição de carro semelhante à dos filmes de gangsters.
Dois homens corriam pela Avenida do Kursaal. “Peguem eles!”, gritam as pessoas na rua. O carteiro Auguste Vuilliamoz conseguiu derrubar um deles. O outro, de acordo com uma testemunha ocular, fugiu “como um coelho.”
Cenas fortes
Jules Favre, tabelião, bloqueou seu caminho com coragem. O fugitivo atirou em sua perna com o revólver e avançou. O cabeleireiro Georges Bär, que saiu correndo de salão, não teve muita sorte e foi baleado.
Na rua Schopfergasse, o cocheiro Octave Pittet bloqueou a rota de fuga do desconhecido. Mais um tiro foi e alguém gritou. Pittet caiu no chão com uma bala na barriga. O serralheiro Alfred Nicklès, que também participou da perseguição, teve sorte no e escapou, recebendo apenas um tiro de raspão.
Até que a polícia chegou e prenderam o fugitivo quando acabou a munições. Ele estava escondido no galinheiro de uma senhora chamada Terribilini.
Na delegacia, os dois presos permaneceram em silêncio. No entanto, agentes estavam convencidos de que eram anarquistas russos. No mesmo momento, no banco de Montreux, o caixa Oskar Gudel estava estendido no chão, morto, cercado por uma poça de sangue.
Uma testemunha ocular relatou que os ladrões apresentaram uma nota de cinco marcos e pediram para trocá-la. Enquanto Gudel contava o dinheiro, um dos assaltantes atirou na cabeça dele. O outro saltou para o cofre aberto e colocou as notas em um saco. Então fugiram em um piscar de olhos.
O diretor do banco foi informado por telefone, e ficou completamente desolado: “Coitado”, lamentou, com os olhos mareados. “Pobre Gudel! Era um jovem tão decente!”
Linchamento evitado
Os criminosos foram transferidos para Lausanne na mesma noite para serem identificados. A polícia não poupou esforços para protegê-los de uma multidão que ameaçam linchá-los. Havia muita indignação e até mesmo os policiais chegam a ser agredidos.
“Como na Rússia” era o título do jornal La Liberté no dia seguinte. A edição contava com uma entrevista dada pelo carteiro que havia lutado com um dos criminosos e também o relato do drama. “Um indivíduo de aparência duvidosa, com uma verdadeira cara de gangster, atravessou a rua na minha direção. Sem hesitar, atirei-me contra ele e pude impedi-lo. Pouco depois, as testemunhas vieram e explicaram-me o que tinha acontecido. Um deles, um trabalhador com uma barra de ferro na mão, ficou tão indignado com o ataque vergonhoso que tentou matar o criminoso. Tive de segurá-lo e acalmá-lo.”
Os jornais da noite confirmaram a suspeita de que os criminosos eram russos. Um deles disse que se chamava Maxime Daniekoff. O atirador, Paul Nilista. Nenhum dos policiais percebem que estão sendo enganados. “Niilista” não é mais do que uma adulteração da palavra “niilista”, os adeptos do movimento filosófico-político difundido na Rússia que rejeita a autoridade do Estado, igreja e família e proclama uma sociedade livre e ateia.
Eram “figuras criminosas obscuras”, escreveu a imprensa local. Eles tinham preparado meticulosamente o golpe e eram provavelmente criminosos profissionais. Carregavam consigo ouro, dinheiro, um punhal, pistolas modernas, revistas e munições, bem como um saco de pano para cada um. Era onde iriam colocar o dinheiro.
Segunda vítima fatal
A indignação era considerável. Os ladrões, de acordo com La Liberté, eram “anarquistas interessados em abolir a ordem e a lei”. O assassinato do cocheiro em decorrência dos ferimentos alimentou ainda mais a raiva na população. “Sua boca aberta, como no esforço de um último suspiro. Os olhos semiabertos que transpareciam ainda o horror. As lesões declaradas, que permitem mais ou menos reconstruir o drama”, estava escrito nos jornais.
Morto por gritar
Gudel gritou ao ser ameaçado pelo revólver. O criminoso disparou contra ele. “Gravemente ferido, Gudel deu um segundo grito, um grito de dor e terror, tentando se agarrar ao balcão. Naquele momento foi atingido por um terceiro tiro ao lado da orelha. A bala perfurou o cérebro e foi fatal.”
Tais crimes, explica o jornal La feuille d’avis du Valais, ocorrem constantemente na Rússia. “É algo que os leitores nem percebem mais, pois ocorrem em país distante. Dessa vez, porém, o drama acontece na Suíça. Muito perto de nós, em Montreux.”
Muitos questionavam se a Suíça iria tolerar ser abusada como um “campo experimental para a anarquia e crime”. “A pena de morte é o castigo merecido para esses ladrões. Não se deve permitir que os terroristas russos sintam que podem cometer impunemente os seus atos sangrentos em uma país que lhes concedeu asilo.”
Vozes prudentes
As palavras de acusação são ouvidas. Quando os criminosos foram levados à prisão de Vevey, uma multidão furiosa exigia a pena de morte. Pedras voavam. As janelas do carro transporte foram quebradas. Os cidadãos furiosos batiam nos prisioneiros com suas bengalas.
O jornal L’Essor alertou para o “vento xenófobo” que podia levar a restrições à liberdade de expressão e ao direito de asilo. “Povos fortes”, escreveu, “não precisam expulsar estrangeiros: eles os integram ou, pelo menos, os influenciam”, e continuam com uma recomendação: “É preciso oferecer cursos gratuitos para estrangeiros para explicar as origens e princípios de nossa democracia, os fundamentos da moral e de nossa civilização.”
Mas fica claro que a maioria via de forma diferente a realidade: em pouco tempo se formou uma milícia em Vevey, cidade vizinha, que prometia defender a paz e a ordem. “O exemplo de Vevey poderia abrir um precedente”, sinalizou o La Liberté: “É necessário que os bandidos saibam que estamos fartos dos seus caprichos e terror.”
Identidades reveladas
O interrogatório dos prisioneiros revelou declarações contraditórias e mentiras óbvias. Finalmente os agentes conseguiram esclarecer a identidade de “Nilista”: Nikolay Divnogorsky, 26 anos, casado. Por ser um fervoroso partidário de Tolstoï, seus amigos o chamavam de Nicolas Tolstoï.
Sua mãe depõe revelou às autoridades russas que o filho foi viver com camponeses e pregar a revolução. Ele voltou em trapos, dizendo pretendia estudar agronomia. Depois desapareceu e, durante anos, não deu mais notícias.
Não ficou claro se a mãe estava mal informada ou se queria proteger o filho. Divnogorsky era um dos fundadores de uma célula revolucionária de São Petersburgo. Sua forma de ação era a “propaganda através de atos concretos.” Seus membros assassinavam oponentes e conseguiam os recursos para a luta revolucionária através de roubos e chantagens.
Divnogorsky foi traído por um informante e preso na conhecida fortaleza de Pedro e Paulo. Nela se fez de louco até ser transferido para um hospital, onde os camaradas o libertaram e ajudaram a fugir ao exterior.
Segundo a mãe, Divnogorsky sofria de tonturas já quando criança. Também teria neurastenia, uma doença da moda no século 19, cujos sintomas era o cansaço depressivo, hoje em dia chamado de “burn out”.
Durante a prisão na Suíça, alegou repetidamente sofrer de alucinações. O psiquiatra que o examinara concluiu que era saudável e atestou sua imputabilidade.
Julgamento
Em maio de 1908 acontece o julgamento. O cúmplice de Divnogorsky alegou que era um relojoeiro e se chamava Maxime Doubowsky. Os acusados confessaram ter assaltado o banco apenas para enviar dinheiro ao movimento revolucionário na Rússia, mas nunca tinham a intenção de matar ninguém.
“O tiro de revólver aconteceu por acidente. Perdi a cabeça”, defendeu-se Divnogorsky. “Lamento sinceramente a morte do funcionário.” O remorso pouco ajudou. Ele foi condenado a prisão perpétua por homicídio doloso, ou seja, morte intencional. Doubowsky foi condenado a 20 anos, embora provou não ter cometido nenhum ato violento.
Na prisão, Divnogorsky tentou se suicidar. “Primeiro, atirou-se pelas escadas do porão, sem se ferir”, relatou o L’Impartial. “Depois tentou se matar pendurando-se pelos pés nas barras de ferro de cela, mas foi possível resgatá-lo a tempo.”
No sétimo mês de prisão, Divnogorsky conseguiu atear fogo ao colchão. “Mais uma vez os guardas evitaram um acidente, mas os gases venenosos provocaram uma pneumonia em Divnogorsky, que terminou o matando”. A curta nota de jornal, publicada em 13 de dezembro de 1908, tinha como título: “Epílogo de um drama.”
Atentados na Suíça
Uma retrospectiva da história suíça mostra que atos de violência política eram muito mais comuns no passado do que nos dias de hoje.
O primeiro ataque terrorista em solo suíço foi perpetrado contra a Imperatriz da Áustria. Ela foi esfaqueada com uma lima em 1898 pelo anarquista Luigi Luccheni. A imperatriz Sisi foi a primeira vítima a ser morta pelo terror anarquista na Suíça, mas não foi a única. No início do século XX, a Suíça experimentou uma verdadeira onda de violência terrorista. Anarquistas atacaram bancos e o quartel da polícia em Zurique, tentaram explodir trens, chantagearam industriais, realizaram atentados à bomba e assassinaram oponentes políticos.
Em sua maioria, os autores dos crimes vinham do exterior. Eram russos, italianos, alemães e austríacos, que haviam recebido asilo político na Suíça. Apenas uma minoria dos criminosos era de suíços que mantinham contato estreito com anarquistas estrangeiros. O terror que esses criminosos violentos espalharam foi geralmente maior do que o dano que causaram. Eles agiam tão amadoristicamente que às vezes, ao construir suas bombas, acidentalmente se explodiam a si próprios.
Para a Suíça, a violência anarquista foi um desafio político: o país reagiu com expulsões e endurecimento das leis. Na chamada Lei dos Anarquistas de 1894 a pena para todos os crimes cometidos com uso de explosivos foi aumentada. Também os atos em preparação de tais crimes passaram a ser considerados crimes com penas. Ao mesmo tempo, no entanto, a Suíça recusou-se a restringir as leis de asilo que proporcionavam proteção generosa a perseguidos políticos.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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