Salvando o planeta localmente
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Enquanto autoridades governamentais e especialistas de todo o mundo estão na COP26, em Glasgow, pressionando por um passo decisivo na diminuição do aquecimento global, cidadãos em pequenas cidades suíças estão tentando encontrar soluções climáticas concretas a nível local.
Para Mirjam Javet, professora de piano numa escola de música em Uster, uma pequena cidade 20 quilômetros ao sudeste de Zurique, o convite para participar de uma assembleia de cidadãos sobre o clima chegou na hora certa. Ela foi uma das 2.000 pessoas sorteadas que receberam uma carta na primavera passada.
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A sustentabilidade se tornou uma questão muito mais importante durante a pandemia do coronavírus, explica Javet. Ela queria contribuir de alguma forma, mas não se sentia interessada por política. “Então, a carta chegou”, diz ela.
A assembleia local de cidadãos foi uma iniciativa lançada pelo município de Uster e é uma das primeiras do tipo, na Suíça, a abordar a crise climática. Ela foi realizada ao longo de dois fins de semana, durante os quais os participantes produziram um relatório com uma série de soluções práticas a nível local.
A assembleia faz parte de uma tendência global de iniciativas locais que visam fornecer respostas de baixo para cima e soluções realistas para questões sociais e políticas. A Suíça já teve iniciativas similares, como o ForumCitoyen em Genebra e o Demoscan em Sion.
Algumas assembleias de cidadãos também são organizadas a nível internacional, trazendo representantes de todo o mundo.
Atualmente, as assembleias de cidadãos estão tentando unir os esforços mundiais de proteção climática a soluções práticas. Pela primeira vez, foi organizada uma Assembleia Global de Cidadãos em paralelo à Conferência sobre Mudança Climática da ONU (COP26), realizada este ano em Glasgow, Escócia.
A assembleia, que começou seus trabalhos em 7 de outubro, visa refletir a demografia global: 60 das 100 pessoas são da Ásia, 17 da África, metade são mulheres e 70 são pessoas que ganham US$ 10 ou menos por dia. Todos os membros recebem ajuda financeira, técnica e de tradução. O processo de seleção foi feito por sorteio, durante o qual 100 pontos foram escolhidos aleatoriamente num mapa, levando em consideração os continentes e a densidade populacional.
A Assembleia Global é gerida por uma coalizão internacional de mais de 100 organizações da sociedade civil. Em 1º de novembro, ela apresentou suas principais conclusões: https://globalassembly.org/declarationLink externo. Ela também está intimamente ligada ao andamento da COP26, onde os participantes da assembleia estão apresentando suas sugestões aos líderes mundiais. A Assembleia Global recebe financiamento do governo escocês e da European Climate Foundation e é apoiada pelas autoridades britânicas e pela ONU.
Este ano foi a primeira vez que uma assembleia global de cidadãos foi organizada em paralelo a uma conferência climática da ONU. Ela funciona no mesmo modelo da iniciativa Uster e está em andamento desde 7 de outubro.
Mobilidade, planejamento urbano e desperdício
Javet aceitou o convite para participar da assembleia de Uster assim que recebeu a carta. Ela foi sorteada novamente na segunda fase. Ao longo de dois fins de semana neste outono, ela se reuniu com outros 19 cidadãos locais, selecionados aleatoriamente, para discutir a mudança climática e o que o município poderia fazer para mitigar e enfrentar o problema. Era um grupo misto que incluía trabalhadores, uma aluna de colégio, um estudante e um aposentado.
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Após uma série de palestras feitas por especialistas e representantes da comunidade empresarial e do movimento de greve climática, os participantes debateram, sob a orientação de dois moderadores, temas como mobilidade, planejamento urbano, desperdício e consumo. A distribuição de tarefas entre os participantes foi feita naturalmente. “Alguns gostavam de escrever, outros ficaram felizes em conversar”, diz Javet.
Todas as recomendações feitas em seu relatório final, de 15 páginas, foram votadas. Elas foram identificadas pela assembleia como aprovadas “por unanimidade”, “pela grande maioria” ou por uma “maioria simples”. Por exemplo, as iniciativas de construção sustentável – “se possível com concreto reciclado e matérias-primas regionais”, e a adoção de fachadas e telhados verdes – foram todas aprovadas.
A instauração de um limite de velocidade de 30 km/h em todas as vias dentro da cidade, por outro lado, foi recebida com mais desconfiança, tendo sete votos contra e 13 votos a favor.
Os resultados da assembleia não são vinculativos, mas a cidade está seriamente comprometida a implementá-los. Ainda em novembro, os membros da assembleia apresentarão seus resultados durante um evento público. A vereadora Karin Fehr explicará então o que a cidade pretende fazer.
Os residentes de Uster também são livres para introduzir as medidas no processo político local através de outros canais, como petições e iniciativas individuais.
Poder falar – e escutar
Para Javet, o debate intenso sobre questões concretas foi uma nova experiência. “Pude defender minha opinião e aprendi como é importante ouvir”, diz ela. Ela ficou particularmente impressionada com o diálogo com dois jovens ativistas do movimento de greve climática. Os manifestantes são conhecidos por interromperem outros debates públicos na Suíça.
“A palavra ‘greve’ não cai bem”, admite Javet. Mas a conversa foi positiva e os ativistas responderam calmamente a cada pergunta, diz ela. Além disso, os dois fins de semana foram bem animados. “Não houve nenhum sentimento de resignação, e os mais velhos não estavam menos comprometidos”.
Andri Heimann foi o responsável pelo monitoramento do projeto em Uster. O cientista político trabalha no Centro para a Democracia em Aarau, que faz parte da Universidade de Zurique. Heimann vê a assembleia de cidadãos como um instrumento útil – mesmo numa democracia direta e moderna como a Suíça –, onde os cidadãos podem se engajar através de iniciativas e referendos vinculantes. “Elas são uma outra forma de participação política”, diz Heimann.
As discussões entre membros de diferentes grupos, cada um escolhido aleatoriamente, devem ser um complemento bem-vindo ao conjunto de instrumentos políticos existentes. “Uma assembleia de cidadãos torna possível ir além das decisões de sim ou não e negociar a implementação de medidas polarizadoras”, afirma.
Heimann está convencido de que essa forma de participação cidadã é especialmente adequada para os debates sobre o clima.
Para ele, “as questões são complexas e não há soluções fáceis. Você não pode mais resolvê-las dentro da sua própria bolha”.
Na assembleia de Uster, a diversidade foi garantida graças a um procedimento sofisticado. Heimann certificou-se de que os participantes tinham diferentes vivências, inclusive em relação à idade, gênero, nível educacional e crenças políticas.
Das 2.000 pessoas sorteadas na primeira rodada, 129 se voluntariaram para participar, ou seja, 6,5%. Esse é um número baixo se comparado com a taxa de participação em outros projetos similares na Suíça, que fica entre 10 e 11%.
Mas ele reforça que Uster se saiu bem de acordo com os padrões internacionais. Na maioria das assembleias de cidadãos realizadas ao redor do mundo, as taxas de participação variam entre 1 e 4%.
A assembleia de cidadãos em Uster foi precedida por um evento semelhante em Thalwil, outra pequena cidade no cantão de Zurique. Há dois anos, o Partido Verde Liberal encabeçou a “Cúpula Climática de Thalwil”, que foi apoiada por outros seis partidos locais, desde o Partido Verde, de esquerda, até o Partido Popular Suíço, de direita. A reunião, da qual participaram 60 pessoas, incluindo 50 residentes locais, resultou em mais de 20 páginas de recomendações a respeito do clima. Em Thalwil, as pessoas também gostariam de ver mais ciclistas e uma economia circular.
Aumentando a proteção climática
Os diálogos com cidadãos podem não gerar nenhuma ideia inovadora, mas, com eles, as autoridades podem descobrir quais medidas têm apoio popular, diz Jessica Salminen, presidente local do Partido Verde Liberal e uma das organizadoras da iniciativa de Thawil. “Não se pode esperar um impacto direto muito grande nas emissões de CO2, trata-se mais de aumentar a conscientização”, afirma.
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“Esse incentivo ajuda na futura implementação política de medidas”, acrescenta Jürg Stünzi, presidente do Partido Verde em Thalwil. “Trata-se de engajar a população e legitimar as medidas implementadas”.
Como um cientista aposentado que trabalhou muitas vezes com questões de sustentabilidade, Stünzi sabe que, para aqueles que não são especialistas, pode ser difícil avaliar a utilidade de diferentes medidas. Uma sugestão feita há dois anos, por exemplo, foi a de melhorar a filtragem da água da chuva. “Isso só é viável até certo ponto, pois nossos solos têm pouca capacidade de absorção”, disse Stünzi.
Outro problema é quando as medidas propostas não estão dentro do escopo de atuação do município. Muitos aspectos da mobilidade, por exemplo, são decididos pelas autoridades cantonais e pelo governo federal, diz Salminen.
De toda forma, as iniciativas de Uster e de Thalwil têm sido visionárias no engajamento da população para a solução da crise climática.
E, para o próximo ano, estão planejadas mais assembleias de cidadãos sobre o clima no cantão de Zurique. Os 16.000 habitantes de Thalwil poderão reformular suas considerações junto aos 115.000 moradores da sexta maior cidade da Suíça, Winterthur.
Adaptação: Clarice Dominguez
Adaptação: Clarice Dominguez
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