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Democracia direta pode fazer a paz entre os eleitores

Fighter jet with two people on board
Os eleitores aprovaram a compra de novos aviões militares, mas isso não significa que o debate terminou. Na imagem: F/A-18 Super Hornet durante testes em Payerne em 2019. © Keystone/ Valentin Flauraud

Não apenas os Estados Unidos vivem o estresse provocado pelo período eleitoral. As recentes experiências da Suíça com a sua democracia direta podem oferecer algumas pistas para enfrentar a crescente polarização.

Um momento assustador para a democracia americana: Donald Trump se recusou a dizer se aceitaria o resultado das eleições de 3 de novembro. Pelo contrário, o presidente americano advertiu seus apoiadores para se prepararem, em vez disso, para um desastre democrático.

“Será fraude como você nunca vista”, disse o político durante o primeiro debate com o candidato democrata Joe Biden.

Trump também questionou a votação por correspondência – um instrumento introduzido na década de 1880 e hoje acessível a 83% do eleitorado dos EUA – e sugeriu que o grupo “Jovens com orgulho” de supremacia branca deveria “aguardar” até que o resultado seja conhecido.

Esse comportamento antidemocrático na mais antiga democracia moderna não é uma exceção no cenário político global, como explica Adam Przeworski. O professor de ciência política da Universidade de Nova York lista 68 países que nunca tiveram ainda uma transferência pacífica de poder.

“De fato, as transições pacíficas de poder e a aceitação das decisões eleitorais têm sido raras nos estados modernos”, diz, citando sua pesquisa sobre três mil votações populares ao longo de 230 anos. Na África, um prêmio especialLink externo visa homenagear os líderes que voluntariamente renunciam após terem perdido as eleições frente à oposição democrática. Nelson Mandela foi agraciado em 2007, porém nos dez anos o prêmio não encontrou nenhum vencedor: o júri internacional não conseguiu encontrar um líder no continente africano que estivesse disposto a aceitar uma derrota democrática.

Derrota eleitoral não deve ser um erro, mas sim um instrumento

Essa relutância em aceitar os resultados de uma eleição ou um referendo é “um sinal claro de que a democracia está fraca em um país”, analisa Marc Bühlmann, professor de ciências políticas da Universidade de Berna. “Em uma verdadeira democracia, a derrota não existe. Existem apenas resultados”.

Em muitos países a urna funciona não é apenas como um controle regular do poder: ela ajuda a dar equilíbrio a uma variedade de interesses concorrentes. A Constituição dos EUA estabelece deliberadamente uma tensão entre a presidência e o Congresso, que muitas vezes são controlados por partidos opostos. Na Alemanha, as eleições em cada um dos 16 estadosLink externo estão distribuídas ao longo dos cinco anos de mandato da Câmara dos Deputados (Bundestag), permitindo que os eleitores ajustem o equilíbrio de poder no Senado (Bundesrat), a câmara onde os estados estão representados. Os franceses às vezes vivem com “coabitação”: um presidente de um lado da política e um governo de outro. Este tipo de partilha de poder e mecanismos de compensação podem facilitar a aceitação de um resultado negativo por parte de um campo político nas urnas.

Também aplicado à Suíça

“Uma forte ilustração dessa cultura, onde os resultados eleitorais são aceitos, foram os plebiscitos ocorridos em 27 de setembro na Suíça”, declarou Bühlmann, chefe do projeto de pesquisa “SwissvotesLink externo“, no qual são avaliados todos os resultados dos plebiscitos e referendos desde 1848.

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Foi uma situação bastante rara, pois em 27 de setembro os eleitores votavam em cinco diferentes questões ao mesmo tempo. Na base aérea de Dübendorf, um museuLink externo que exibe antigos aviões militares, jornalistas acompanhavam os adversários da proposta oficial de compra de jatos militares por seis bilhões de francos. Porém os resultados iniciais do voto (o eleitor foi questionado se aprovava ou não o projeto) davam empate. Os políticos tiveram que esperar várias horas até o resultado ter sido publicado. Uma pequena maioria – menos de nove mil votos em mais de três milhões – disse “sim” à compra dos aviões. Apesar de estar do lado “vencedor”, a ministra suíça da Defesa, Viola Amherd, admitiu imediatamente que a compra dos aviões militares pode ser “mais barata do que o planejado”. Os “perdedores” do plebiscito anunciaram que pretendem lançar uma nova iniciativa (projeto de lei levado à plebiscito após recolhimento de um número mínimo de assinaturas de eleitores) que permitirá aos eleitores decidir sobre o modelo das aeronaves a serem comprada. Em outras palavras, a votação não encerrou o debate público sobre a questão.

“Possivelmente, a reação do governo ao voto dos eleitores e parte dos pleitos da oposição poderia impedir uma nova votação”, reflete Giada Gianola, cientista política da Universidade de Berna. O sistema político suíço oferece muitos caminhos para que os cidadãos e grupos políticos definam a agenda e façam parte do processo de tomada de decisões, observa. “Após os resultados dos pleitos em 27 de setembro, já podemos ver novas propostas de plebiscitos sobre questões ligadas à licença-paternidade, à Lei de caça e à questão da integração europeia”.

Os três pontos já foram temas de votação nos referendos de 27 de setembro.  

Os suíços têm o direito de serem ouvidos (frequentemente)

Nem todos os eleitores suíços apreciam ser convidados a participar do processo decisório na democracia entre três ou quatro vezes ao ano. Projetos em debate no Parlamento federal e governos cantonais propõem introduzir períodos de espera para novas iniciativas.

“Tais limitações e períodos de espera existem em muitos países com mecanismos de democracia direta”, diz Klaus Hofmann. O editor do Navegador da Democracia DiretaLink externo na Universidade de Wuppertal catalogou mais de 1.800 projetos de referendos e iniciativas em 108 países. Mas o governo federal da Suíça já rejeitou tentativas de limitar a capacidade dos cidadãos de lançar iniciativas e referendos.

“A falta de tais barreiras nunca levou a interrupções ou tensões intoleráveis na vida pública”, argumentou o governo em 1986, respondendo a uma propostaLink externo de um parlamentar do Partido Liberal da Basileia. Este, como funcionário da indústria química local, se mostrava contrariado que uma iniciativa para limitar testes em animais fosse lançada um dia após a realização de um plebiscito sobre o mesmo tema.

Formas de superar a polarização?

A democracia direta poderia, dessa forma, servir como freio à tradição do “vencedor que leva tudo” nas urnas. Esses instrumentos existem nos Estados Unidos, embora não a nível nacional.

Sarah Rosier, especialista do BallotpediaLink externo, um banco de dados sobre referendos e plebiscitos nos EUA, observa que 49 dos 50 estados americanos têm formas de legislar através de votos públicos.

“Vinte e cinco estados permitem que os próprios cidadãos solicitem um referendo sobre novas leis”, acrescenta.

“Nosso grande problema é não termos a democracia direta em nível federal”, critica Dane Waters, estrategista do Partido Republicano e ex-funcionário federal.

“Os EUA enfrentam agora um de seus maiores testes desde a Guerra Civil”, estima Dane Waters. “A divisão e a polarização estão em seu auge e todas enraizadas em diferenças raciais, econômicas, morais e sociais”. Se o país tivesse uma democracia direta em nível nacional, essas diferenças poderiam ter sido solucionadas…dando voz às pessoas”.

Adaptação: Alexander Thoele

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