“Situação que não é digna de uma democracia”, escreve mídia suíça
Os jornais suíços destacaram as votações no Senado brasileiro e o consequente afastamento da presidente Dilma Rousseff. Se alguns colocam em dúvida a validade do impeachment, outros ressaltam problemas estruturais do Brasil como a corrupção da classe política e a escolha de falsos modelos econômicos.
“Dilma Rousseff, uma destituição com gosto amargo”. Essa é a manchete do diário suíço Le Temps, em artigo da correspondente do jornal em São Paulo. O artigo começa afirmando que “a jovem democracia brasileira não sai engrandecida desse processo muito contestado”. Continua explicando que “a ruptura foi consumida, Dilma Rousseff não é mais presidente do Brasil. Os mesmos senadores que a destituíram definitivamente um ano e dez meses depois de reeleita para um mandato de quatro anos, foram indulgentes com ela e mantiveram seus direitos políticos.”
Dilma Rousseff é o segundo chefe de Estado destituído depois da volta do sufrágio universal, em 1989, após 21 anos de ditadura militar. “A ironia é que mais de um terço dos senadores são acusados ou suspeitos de práticas delituosas enquanto Dilma Rousseff não foi condenada por corrupção, mas por acrobacias contáveis empregadas impunemente por seus predecessores”.
“Ao tirar mais de 35 milhões de brasileiros da pobreza, o PT parecia no bom caminho. Mas à mudança da conjuntura, associou-se o envolvimento de membros do partido, antes paladino da honestidade, em casos de corrupção. A direita, que nunca perdoou sua chegada ao poder, aproveitou a brecha”. O artigo termina, afirmando que “a destituição de Fernando Collor de Mello, em 1992, tinha unido os brasileiros. A destituição contestada de Dilma Rousseff, condenada a uma pena desproporcional, divide a população. Para Michel Temer, pacificar o país não será fácil”, conclui a corresponde do Le Temps.
Instabilidade garantida
O futuro não é mais o que era antigamente no Brasil, diz o jornal La Liberté, de Friburgo. Com uma tripla crise agarrada nos dentes, a população não sabe para onde se virar para sair do lamaçal político, social e econômico. Para o jornal de língua francesa, Michel Temer toma as rédeas de uma potência econômica em plena turbulência, com um estatuto político contestado, acusado de corrupção. “Será que Temer pode colocar o Brasil no caminho certo?”, pergunta o diário. “Antes, teriam que dar ao país pelo menos um rumo”, acrescenta.
Michel Temer herda um país com um modelo político em agonia, diz ainda o La Liberté. “É preciso fazer uma grande limpeza no sistema político, que está completamente contaminado pela corrupção”, insiste Marc Hufty, professor de estudos de desenvolvimento no Instituto de Estudos Internacionais e Desenvolvimento (IHEID), em Genebra.
“Desde o retorno da democracia em 1988, nenhum partido, nem mesmo o PT, tem sido capaz de governar sem alianças. Para formar um governo, um partido deve formar uma coalizão e, assim, entrar em um sistema de troca de favores”, explica o professor nas colunas do jornal, que completa dizendo que o suborno e outras ‘mutretas’ se tornaram uma especialidade dos políticos brasileiros. “Uma corrupção generalizada”, diz ainda o jornal, ressaltando que dois terços dos 594 membros do Congresso brasileiro estão atualmente sob investigação ou são acusados de crimes.
“Catapultado presidente, o oportunista Michel Temer deixará perdurar um sistema que o ajudou a tomar o lugar da sua rival, ele mesmo suspeito de corrupção e condenado por derrapagens financeiras na campanha eleitoral”, prossegue o artigo. “O sistema político e eleitoral é questionável democraticamente, mas ninguém é capaz de convencer os políticos eleitos a fazer uma reforma”, lamenta ainda Jean-Jacques Kourliandsky, pesquisador do Instituto de Estudos Internacionais e Estratégicos (IRIS), em Paris.
E mesmo que ele queria, continua o La Liberté, Michel Temer dispõe de uma margem de manobra limitada para mudar as coisas. “Ele é o representante de um partido político que é a soma dos interesses locais”, diz ainda o pesquisador de Paris ao jornal suíço. “O PMDB não é um partido ideológico com programas ou projetos, mas uma associação de chefões políticos. Por isso, ele vai ser um presidente fraco, que irá navegar entre as pressões contraditórias de seu próprio campo, levando sempre em conta os interesses econômicos e políticos dos seus. Ele perdeu apoio e não tem meios nem a autoridade necessária para conduzir uma política coerente”, conclui Kourliandsky.
Caráter difícil de Dilma
O editorial do NZZ coloca em questão a decisão do Senado brasileiro. “O que ocorreu no maior país da América Latina não foi um golpe, pois formalmente o processo de impeachment foi realizado corretamente. Porém foi uma peça político-jurídica de má qualidade, que não é digna de uma democracia”, escreve Sandro Benini, editor internacional do jornal de Zurique. Porém Dilma Rousseff foi em parte responsável pela própria derrocada. “O Brasil encontra-se na pior crise econômica das últimas décadas, o Partido dos Trabalhadores envolveu-se enquanto governo em um escândalo monstruoso de corrupção em torno da paraestatal do petróleo Petrobras e Rousseff tem taxas de popularidade mais baixas do que todos os seus predecessores.”
O NZZ levanta dúvidas sobre a inocência da ex-presidente. “Pessoalmente não foi possível provar corrupção ativa e passiva contra Dilma, porém é difícil de acreditar que ela, no papel de ministra da Energia e presidente do conselho de administração da Petrobrás não tenha percebido o fluxo ilegal de fundos para políticos e os contratos públicos irregulares feitos com empresas”, escreve, lembrando que a personalidade de Dilma também não facilitou seu diálogo com os parlamentares. “Durante o processo de impeachment, Rousseff mostrou os aspectos conhecidos do seu caráter: ser dona da verdade, teimosa, ter falta de autocrítica, incapacidade de negociar e chegar a um acordo.”
Os brasileiros se exasperam com escândalos e a crise política. “Frente à situação atual se disseminou entre a população um sentimento de nojo contra os políticos, partidos e instituições. As pesquisas mostram que 60% dos eleitores exigem novas eleições”. Todavia, o sistema político do país necessita de reformas, afirma o influente jornal suíço. “Uma das razões da vulnerabilidade dos políticos brasileiros e dos partidos à corrupção é que o sistema proporcional dá muita influência aos pequenos partidos.”
“Revolução de esquerda nunca houve”
Já o Tages-Anzeiger não vê o fim de 13 anos de poder do Partido dos Trabalhadores como uma ruptura. “Dilma Rousseff e seu antecessor Lula da Silva nunca mudaram nada na situação política em Brasília, mas sim a mantiveram. E por isso eles fracassaram”, escreve o correspondente Tjerk Brühwiller. “Quando Lula da Silva não pode mais disputar as eleições em 2009, ele colocou a desconhecida Dilma Rousseff no posto. Porém deixou para ela difíceis tarefas para solucionar: a economia estagnou, pois a demanda chinesa de matérias-primas caiu e a receita milagrosa de incentivar o consumo através de mais gastos e crédito perdeu o seu efeito. O medo do declínio econômico e a perda dos privilégios conquistados voltaram-se contra o governo e, dessa forma, contra Rousseff e o PT.”
E a mais importante derrota para a esquerda no poder foi a descoberta de suas fraquezas. “O escândalo da Petrobrás foi revelado ao público, o que terminou sendo desastroso. O país descobriu o quão profundo haviam descido os critérios morais do PT”, escreve. Para o Tages-Anzeiger, o fim do governo do partido termina com uma desilusão. “A prometida revolução de esquerda nunca houve, pois não foi o PT que trouxe a prosperidade para os pobres, mas sim a economia.”
Porém, o jornal de Zurique vê uma luz no fim do túnel. “O impeachment contra a inocente filha de criação de Lula é a última chance para que ele e o PT permaneçam no poder. Se Rousseff continuasse no seu cargo, ela teria levado consigo a bandeira do PT à derrocada”, mostrando a estratégia. “Agora ela é vítima de uma conspiração, um golpe, como se argumenta há meses. Em cima disso é possível construir algo. A campanha para as eleições presidenciais em 2018 já começou há um bom tempo.”
Elites defendem seu domínio
“O golpe frio contra Rousseff”, intitula o jornal de esquerda WOZ, que vê no afastamento da presidente brasileira a reação às reformas propostas pelo seu partido. “Em nenhuma outra região do mundo o fosso entre os poucos super-ricos e os muitos pobres é tão profundo como na América Latina. E os poucos sempre souberam defender o seu domínio”, considera o editorialista Toni Keppeler, para quem o impeachment se dá juntamente com outras mudanças ocorridas no continente. “O golpe frio no Paraguai foi o modelo para a demissão agora realizada da presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Com o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva isso não era possível. Ele era um herói nacional. O impeachment teria desencadeado uma revolta popular. Com sua sucessora infeliz e impopular foi possível fazê-lo.”
Para o Neue Luzerner Zeitung, o afastamento de Dilma Rousseff irá aumentar ainda mais a polarização do Brasil. “O processo de impeachment desgastou e dividiu o país. Frente ao Senado, grades espessas separam os dois campos inconciliáveis de opositores e apoiadores da chefe de Estado, sendo que estes últimos estavam exauridos depois de meses de mobilização permanente”, considera a correspondente Sandra Weiss. Ela vê as posições antagônicas das forças políticas. “Os defensores de Dilma consideram seu afastamento com uma manobra das elites de direita, que nos últimos quatorze anos não ganharam nenhuma eleição presidencial. Seus opositores a criticam por não ter mudado há tempo a política econômica e a fazem responsável pela recessão e escândalos de corrupção. Para eles, o processo de impeachment foi legal.”
“A destituição de Dilma Rousseff não resolve nada”
A citação expressa na manchete do jornal 24 Heures, de Lausanne, é do especialista Gaspar Estrada, diretor do Observatório da América Latina e Caraíbas, em Paris, entrevistado pelo jornal suíço.
Ele afirma que o procedimento constitucional da destituição foi respeitado, mas o fundo do problema é se ela realmente cometeu crime de responsabilidade ao maquiar as contas públicas, “quando seus predecessores Fernando Henrique Cardoso e Lula utilizaram o mesmo mecanismo, sem serem sequer criticados”.
Também para Gaspar Estrada, a destituição da presidente tornou-se politicamente possível “por causa de sua impopularidade, da crise econômica e do clima político de indignação suscitado pela corrupção da classe política dos partidos de esquerda e de direita”.
Ele diz que Michel Temer “é tão impopular quanto Dilma, com cerca de 15%. A maioria dos brasileiros (60%) quer novas eleições”.
Respondendo à pergunta de Lula poder ser eleito em 2018, o especialista responde que “ele continua a ser o político mais popular do Brasil (cerca de 30%), mas que antes precisa resolver seus problemas com a justiça”.
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