Suíça abandona privilégios fiscais para holdings
No futuro, as multinacionais não deverão mais escapar do fisco: G20, OCDE e UE querem fechar as lacunas atuais com novos padrões para todos os países. A Suíça também cede às pressões internacionais e o governo elimina o regime fiscal preferencial para as empresas estrangeiras.
A partir de 2017, as multinacionais deverão pagar imposto nos países em que operam realmente e não poderão mais recorrer a subterfúgios do que geralmente chamam de “otimização fiscal”. Esse é o objetivo do projeto BaseErosion and Profit Shifting (BEPS), elaborado pela Organização pela Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e apoiado pelo grupo dos principais países industrializados e emergentes (G20) e pela União Europeia (UE).
O projeto, que significa uma reviravolta histórica na cooperação fiscal internacional, visa introduzir uma norma global para suprir as diversas falhas das leis nacionais que permitem atualmente às multinacionais de reduzir seus impostos e provocando erosão fiscal dos Estados. Segundo estimativas da UE, hoje cerca de 1 trilhão de euros escapam do fisco europeu.
O BEPS, de fato, é muito ambicioso. Com esse pacote de medidas, a OCDE pretende mudar radicalmente as bases do sistema fiscal internacional . “Porém, é preciso ainda ver em que medida o projeto poderá ser aplicado, pois até o momento não se nota nenhuma disposição, sobretudo de parte dos Estados Unidos”, observa René Matteotti, professor de direito fiscal internacional na Universidade de Zurique.
BEPS
O projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting ‒ Erosão da base tributária e transferência de ativos) é considerado o maior plano de modernização do sistema fiscal internacional dos últimos 100 anos.
Elaborado em 1923 no contexto da Sociedade das Nações, o conceito de distrito fiscal internacional vigorou até agora e só teve modificações pontuais, não acompanhando o ritmo das práticas fiscais das multinacionais.
Nas últimas décadas, as empresas desenvolveram muito as atividades transnacionais graças aos progressos das telecomunicações, à liberalização comercial e ao crescente fluxo de capitais.
A OCDE apresentou em setembro um primeiro pacote de medidas do BEPS, destinado a harmonizar o sistema fiscal internacional a partir de 2017. O plano de ação completo estará pronto em 2015.
Estratagemas fiscais
Hoje a fiscalidade das empresas transnacionais é regulada a nível mundial por 3.000 acordos bilaterais. Originalmente esses acordos tinham por objetivo evitar uma dupla tributação das empresas, mas tornaram-se uma maneira de “otimizar” seus encargos fiscais, pagando no país que cobre menos, afirma a OCDE. Enquanto nos países-membros, as empresas nacionais pagam em média entre 20 e 30% do lucro líquido em impostos, as multinacionais, que dispõem de competência fiscal sofisticada, pagam em média somente 5%.
Para reverter essa situação, há uma série de estratagemas: a OCDE detectou 400. Entre eles estão transferir os lucros para jurisdições de baixa tributação, o estabelecimento de empresas e instrumentos financeiros híbridos para explorar a falta de coordenação entre as leis de diferentes países, o trânsito de investimento estrangeiro através de paraísos fiscais e de otimização fiscal por meio de “transferência artificial de preços”, ou seja, os preços de venda ou compra de bens, serviços, patentes ou outros itens entre empresas que pertencem ao mesmo grupo.
A OCDE apresentou então, em setembro, um primeiro pacote de medidas que visam harmonizar os princípios de imposição e introduzir um novo modelo de convenção contra a dupla tributação, a fim de fechar as lacunas atuais e impedir a transferência de lucros de um país a outro. Além disso, o projeto visa criar mais transparência nas atividades transnacionais, a estrutura fiscal e as operações internas das multinacionais.
Prática fiscal nociva
“O objetivo é tributar o valor adicionado e os lucros nos países onde os resultados são realmente obtidos. O problema atual é que a autoridade fiscal não dispõe de informações suficientes. O BEPES quer ainda introduzir uma maior transparência: de um lado, a empresa deverá ser obrigada a fornecer automaticamente informações sobre sua estrutura fiscal em outros países; de outro, os Estados deverão trocar informações e prestar assistência administrativa espontaneamente”, explica René Matteotti.
O plano de ação pretende ainda lutar contra “práticas fiscais nocivas” de muitos Estados que oferecem regimes fiscais privilegiados para atrair multinacionais. A OCDE já examinou os casos considerados “ruling” – acordos estabelecidos entre Estados e empresas que preveem tarifas especiais – praticadas por exemplo pela Irlanda, Holanda e Luxemburgo. Tem também o caso a combater das “caixas de licença” – regimes fiscais impondo preferencialmente os brevês e outros bens imateriais – caso da Grã Bretanha, Holanda e Bélgica.
Na mira da OCDE como da UE, estão faz tempo algumas práticas fiscais suíças, em particular os privilégios dados pelos cantões (estados) às holdings, empresas mistas e empresas de gestão estrangeiras, que têm atividades operacionais em outros países e somente atividades administrativas na Suíça. Os lucros obtidos por essas empresas no exterior são tributados a taxas muito mais baixas do que as das empresas que operam na Suíça. Devido a esse regime preferencial, muitos cantões aparecem nas primeiras posições entre os mais atraentes lugares de imposto em todo o mundo.
Decisão pragmática
Depois de resistir por mais de dez anos às pressões da UE, que considera que os regimes especiais dos cantões suíços são uma forma de subvenção pública que distorce a concorrência, a Suíça decidiu alinhar-se às normas internacionais. No final de setembro, o governo suíço apresentou seu projeto de reforma da tributação das empresas em que renuncia aos regimes preferenciais.
Em meados de outubro, a Suíça firmou um novo acordo com a UE no qual se compromete a suprimir os regimes contestados, a condição que os membros da UE renunciem às medidas de represália que previam aplicar. Um pouco mais de um ano atrás, uma medida dessas teria provocado um coro de protestos da parte dos cantões, organizações econômicas e partidos burgueses. Mas por ora, como para o sigilo bancário, parece quase evidente a todos que a Suíça não pode mais escapar das novas normas internacionais, apoiadas pelas potências econômicas. As sanções da UE eram iminentes e colocariam seriamente em risco os negócios das empresas sediadas na Suíça com os 28 países-membros.
“Do ponto de vista puramente jurídico, a Suíça poderia defender sua soberania fiscal e recorrer na Organização Mundial do Comércio (OMC), em caso de medidas de retorção da parte de outros países. Do ponto de vista político-econômico, a Suíça não pode colocar em risco a segurança do direito e a garantia de estabilidade de que necessitam as empresas sediadas no país. Creio que a decisão do governo de renunciam aos regimes de tributação preferenciais, a condição que as mesmas normas sejam aplicadas por todos, a Suíça dá um passo na boa direção”, conclui René Matteotti.
Nova reforma fiscal
O Projeto de Reforma 3 da tributação das empresas prevê, entre outros, de renunciar a três regimes fiscais preferenciais concedidos pelos cantões (estados) a holdings, empresas mistas e empresas de gestão estrangeiras.
Para evitar a saída da Suíça dessas empresas, o governo propõe aos cantões de baixar a alíquota de impostos aplicada a todas as empresas, suíças e estrangeiras, e de introduzir outra medida como a “caixa de licença” (ou IP box), seguindo o exemplo de outros países europeus.
A Confederação Helvética pretende, além disso, compensar eventuais perdas fiscais dos cantões, com um montante de 1 bilhão de francos por ano. As perdas resultantes da Confederação seriam cobertas em parte pela introdução de um imposto sobre os bens de capital.
O projeto será submetido a consulta no final de janeiro de 2015.
Il progetto viene sottoposto a consultazione fino al 31 gennaio 2015. O prazo para para a apresentação de um projeto de lei ao parlamento dependente de contexto internacional, em particular da evolução do projeto BEPS.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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