Terremoto histórico no Marrocos: histórias de sobrevivência e solidariedade
No dia 8 de setembro de 2023 o Marrocos foi atingido por um dos piores terremotos já registrados, que destruiu vilarejos inteiros e matou mais de 3.000 pessoas. SWI swissinfo.ch conversou com quatro pessoas que sobreviveram ao tremor, prestaram ajuda no local e arrecadaram auxílio financeiro para as vítimas na Suíça.
Ao primeiro olhar, a casa de Thérèse Sara Delannay em Marrakech parecia ilesa após o terremoto de 8 de setembro que abalou a capital e o sudoeste do país. Porém, não demorou para que a cidadã suíça que vive no Marrocos notasse rachaduras em suas paredes. Sua casa, uma pousada de estilo marroquino, Riad como é conhecida localmente, fica localizada bem no coração da cidade, a poucos minutos da “Velha Medina”, o centro histórico.
Na rua estreita que dá acesso à sua pousada, é normal que as vibrações dos carros passando façam tremer as janelas das casas e as lâmpadas penduradas. Mas, depois do terremoto devastador, a cada tremor, Delannay fica constantemente preocupada, questionando cada vibração. “Esse tremor é de um carro ou outro tremor secundário?”, se pergunta.
Naquela sexta-feira 8 de setembro, as primeiras horas depois do entardecer desenrolaram-se como qualquer noite normal, sem sinais aparentes de que uma madrugada chocante marcaria toda a parte sudoeste de Marrakech. Delannay se lembra claramente do início do que mais tarde seria conhecido como o maior terremoto no Marrocos em quase um século: “Eu estava me preparando para dormir quando senti um tremor e ouvi um som ensurdecedor, semelhante ao de um avião se aproximando”, disse ao SWI. “Mas veio do chão, não do céu. A casa tremeu violentamente, como se estivesse sendo arrancada da terra”.
O terremoto, que foi medido com magnitude de 6,8 na escala Richter, causou mais de 3.000 mortes e feriu gravemente cerca de 2.500 pessoas.
Nascida nas Antilhas e com raízes em Guadalupe, Delannay mudou-se para a Suíça com a família aos 11 anos. Depois de passar 50 anos no país alpino, trabalhando primeiro como designer de interiores e depois na educação, se aposentou no início de 2018 e se mudou para o Marrocos, país que aprendeu a amar desde o início dos anos 2000.
Enquanto sua casa tremia naquela noite de setembro, Delannay conta que hesitou antes de verificar as escadas para ver se conseguiria sair em segurança. “Encontrei meus vizinhos fazendo o mesmo”, ela contou. “Todos nós nos reunimos em uma praça aberta perto de uma escola.” A cidadã suíça e os seus vizinhos, bem como muitos outros residentes da região, passaram a noite ao ar livre, impedidos de voltarem às suas casas pelo medo de tremores secundários.
Mas o terremoto de 8 de setembro não foi o primeiro devastador no Marrocos. Em 1960, o terremoto de Agadir, com magnitude de 5,8 na escala Richter, ceifou mais de 12.000 vidas. No século XVII a cidade de Fez sofreu um terremoto catastrófico, um dos piores desastres naturais do Marrocos. Já em 2023, foram as montanhas do Alto Atlas, perto do epicentro do tremor, que sofreram os maiores danos, que deixaram aldeias como Tafeghaghte quase totalmente arrasadas. Marrakech sofreu menos, teve poucas vítimas, embora a cidade velha tenha ficado significativamente destruída.
Na manhã seguinte ao tremor, Delannay voltou para sua casa para avaliar os danos e contatou seus hóspedes que estavam viajando para outra parte do Marrocos. Ela aconselhou-os a permanecerem onde estavam e não correrem o risco de regressar a Marrakech, onde ainda poderiam ocorrer tremores secundários.
Ajuda da Suíça
Enquanto isso, em Lausanne, na Suíça, o chão também pareceu tremer sob os pés de Khadija Dussaule quando ela soube do terremoto. Às seis da manhã, a marroquina recebeu um telefonema da família com a notícia. A sua cidade natal, Taroudant, no sudoeste de Marrocos, estava entre as áreas afetadas. Dussaule, que se mudou do Marrocos para a Suíça ainda jovem e trabalhou primeiro no setor da hospitalidade e mais tarde como assistente de cuidados a domicílio, é agora mãe solteira de uma jovem de 18 anos depois que perdeu o marido para uma doença. Ela se lembra das suas primeiras preocupações quando recebeu o telefonema: pensou na mãe em uma cadeira de rodas e na sua família em casa. Em dois dias, chegou a Taroudant.
Situada entre as montanhas Alto e Anti-Atlas, na região de Souss-Mas, a cidade natal de Dussaule é um ímã para os entusiastas de montanha. Relembrando a sua viagem, ela disse ao SWI: “Do aeroporto de Agadir, foi uma viagem tensa de táxi de duas horas até Taroudant, cheia de pavor sobre o que iria encontrar”.
Ela encontrou sua família segura, mas vivendo em uma tenda com dezenas de outras pessoas que também foram forçadas a deixarem suas casas. No entanto, o terramoto causou a morte de alguns dos seus sogros e piorou a situação de vulnerabilidade socioeconômica da região. Dussaule passou dias preparando refeições para as pessoas que vivem no vilarejo, acompanhando as pessoas feridas no atendimento médico e cuidando das crianças. O clima frio das montanhas e as condições de vida ao ar livre logo deixaram ela e outras pessoas doentes.
Dussaule trouxe doces, brinquedos e roupas de dormir quentes para as crianças locais. “Elas ficaram traumatizadas”, ela lembra. Uma criança de seis anos que perdeu toda a família no terremoto comoveu-a particularmente. “Essa experiência me ensinou que a única constante na vida é a mudança. Num momento você está vivo; no próximo, você pode ter ido embora.”
Apesar da tristeza em ver a destruição da sua aldeia, Dussaule ficou comovida com a solidariedade generalizada que viu. A estrada para Taroudant estava repleta de veículos que transportavam ajuda. “As pessoas ajudaram enormemente”, observou Dussaule com orgulho, falando no seu sotaque marroquino nativo. Foram entregues suprimentos essenciais como alimentos, agasalhos, fraldas infantis, barracas e cobertores, entre outros itens úteis.
Em paralelo, a onda de solidariedade estendeu-se muito além das fronteiras do Marrocos, chegando também na Suíça, onde pessoas e grupos se mobilizaram para apoiar as pessoas afetadas. Em Zurique, Najate Guechoul, terapeuta de Florais de Bach, iniciou uma campanha de arrecadação de fundos através do GoFundMe, com o objetivo de mandar ajuda para Tichkji, uma vila no município de Tikouka, também na província de Taroudant.
Pedindo doações
A ligação pessoal de Guechoul a esta região aprofundou a sua determinação. “Conheço cada centímetro de lá”, disse ela, relembrando seu casamento que ocorreu na região em 2012, com a presença de amigos dos Estados Unidos, França e outros países.
Apesar de não poder viajar para Taroudant imediatamente após o terremoto, Guechoul estava determinada a ajudar. “Eu sabia que haveria alimentos e suprimentos básicos suficientes, então me concentrei em arrecadar fundos”. Sua campanha inicialmente visava arrecadar CHF 5.000, mas superou as expectativas e alcançou quase CHF 8.000. A doação de CHF13 do filho de sete anos de Guechoul, equivalente a 130 dirhams marroquinos, tocou-a profundamente. “É o suficiente para as necessidades de uma família marroquina”, disse a ele.
Já em Lausanne, Fatma Chebel, uma tunisiana que lidera a Associação de Mulheres Muçulmanas de Lausanne, também se mobilizou. A associação, composta por membros de várias nacionalidades norte-africanas, árabes e estrangeiras, já havia organizado uma campanha de doações para as vítimas do terremoto turco que matou quase 60 mil pessoas em fevereiro passado. A experiência ajudou-as a mobilizar rapidamente fundos após o terremoto no Marrocos.
A campanha começou com um pedido de doações no Instagram e atingiu rapidamente o público-alvo. O sucesso levou Chebel e seus colegas a organizarem a venda de alimentos e doces preparados pelos associados, revertendo a renda para as vítimas do terremoto. Só o primeiro dia rendeu CHF 1.000. “Ficamos surpresos com a união da comunidade”, disse Chebel, destacando o apoio de homens e mulheres suíços não-muçulmanos que muitas vezes doaram sem levar os produtos.
Poucos dias após o terremoto de Marrakech, inundações atingiram Derna, na Líbia. Chebel e a sua equipe organizaram rapidamente mais uma campanha para ajudar ainda mais as vítimas marroquinas e líbias. “A cidade de Lausanne cooperou plenamente, concedendo-nos uma licença para montar rapidamente um ponto de divulgação em locais públicos”, disse Fátima ao SWI, expressando a sua satisfação com o sucesso da campanha.
Em seguida ao terremoto, a embaixada do Marrocos na Suíça também prestou seu apoio, abrindo uma conta bancária no Banco Central de Marrocos para doações. Também compartilharam recursos e informações sobre como prestar ajuda enviando dinheiro. O embaixador, Lahcen Azoulay, disse ao SWI que a embaixada permanecia aberta para apoios futuros.
O governo marroquino comprometeu-se a gastar quase CHF 11,6 mil milhões para reconstruir as áreas afetadas nos próximos cinco anos; um total de quase 4,2 milhões de marroquinos foram atingidos pelo terremoto. A reconstrução das aldeias e cidades outrora pitorescas deverá levar anos.
Em meados de outubro, Dussaule regressou à sua aldeia em Taroudant, e encontrou moradores ainda vivendo em tendas, mesmo no meio das frias Montanhas Atlas. As condições precárias que viu novamente pesaram sobre ela.
Já Delannay, de volta a Marrakech, permaneceu hipersensível e alerta a tudo que acontece no ambiente. Durante a conversa com SWI, foi interrompida por uma lâmpada trêmula. “Isso é um sinal de outro terremoto?” ela se perguntou, sem saber quanto tempo ainda levará para se recuperar do trauma.
(Adaptação: Clarissa Levy)
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