Imprensa suíça é fatalista com os atentados de Bruxelas
Faixas pretas, rostos ensanguentados, cenas de caos nas capas. Os principais jornais suíços estão mais uma vez chocados depois dos atentados que causaram pelo menos 34 mortos e 200 feridos em Bruxelas, terça-feira. Para a maioria dos editorialistas, essa onda de terror será infelizmente difícil de conter.
Muitas questões abertas, mas sobretudo um grande sentimento de impotência. É o que predomina nos editoriais da imprensa suíça depois dos atentados da capital belga e europeia. “O Estado islâmico continua a ter meios de semear o terror na Europa, no mesmo esquema de Paris. A mão de obra da multinacional do terrorismo desta vez atacou o centro da casa europeia”, constata o La Liberté de Friburgo.
“Quando o Estado islâmico decidiu atacar, ninguém hoje pode conter seus soldados fanáticos”, Le Temps
“E se os terroristas estiverem ganhando a guerra?” questiona o Le Temps, que constata que desde o ataque contra Charlie Hebdo, um ano atrás, o fracasso das forças de segurança, apesar do estado de alerta e de uma cooperação maior, afirma o diário.
Outro diário, o 24 horas, estima que “o câncer do viés islamita está aí para durar e seus acessos de ódio, suas bombas, sus fuzilamentos, suas matanças se reproduzirão alhures”.
“Bruxelas e Molenbeek estão em toda parte”
O mesmo sentimento de impotência está no Courrier, um diário de esquerda editado em Genebra. “Se seus atos requerem um mínimo de conhecimento, de acesso a certas armas, sem esquecer pulsões suicidas, eles não implicam um grande grau de competência ou de inteligência. O dia em que um comando bem treinado e dotado de armas modernas atacará, ao acaso, o Estádio de França durante um jogo, o resultado será mais devastador”.
“O terror entra a cada ataque um pouco mais da vida cotidiana, torna-se uma triste normalidade”. Tages-Anzeiger
O Tages-Anzeiger de Zurique também está fatalista. “Bruxelas e Molenbeek estão por toda parte. Praticamente cada país tem sua cena islamita e seus repatriados da Síria. Antes de Bruxelas, teve dois atentados em Paris, Londres, Madri e várias vezes Ankara e Istanbul. Os islamitas atacam alvos ditos moles. Nunca será possível proteger cada estação de metrô, cada lugar público ou cada cinema. Os europeus deverão se habituar a uma maior presença policial e mais vistorias. O terror entra a cada ataque um pouco mais da vida cotidiana, torna-se uma triste normalidade”.
Certo, os especialistas profetizam que a Europa deverá viver ainda anos com o terrorismo, afirma o diário popular em alemão Blick, “mas nunca nos habituaremos com essas imagens de mortos, feridos e destruições. E nunca devemos mesmo nos habituar”.
Acabar com o angelismo
Se a constatação é a mesma para todos, os jornais suíços estão divididos quanto à receita para eliminar esse espirar infernal. O Le Temps estima que está na hora de encerrar um certo angelismo. “Não é racista nem anti-muçulmano dizer que há problemas em certas partes da população. Que a miséria em Molenbeek e em certas periferias francesas provoca fenômenos de radicalização entre jovens desocupados. Que alguns deles, mesmo integrados no início, escolhem entrar no terrorismo por romantismo e necessidade de absoluto”.
O jornal conclama também a uma reação cidadã: “Boa parte da população – inclusive na Suíça – deveria acordar e parar de crer que a melhor maneira de lutar contra o terrorismo é ser tolerante quando os comportamentos demonstram uma radicalização”.
“A Europa está repleta de células dormentes prontas a serem ativadas e longe de ser neutralizadas”. La Liberté
O bicho está na fruta há muito tempo, afirma La Liberté. “São cidadãos nacionais bem implantados, originários de guetos como o de Molenbeek, que passam frequentemente à ação. A Europa está repleta de células dormentes prontas a serem ativadas e longe de ser neutralizadas. Em janeiro último, a Europol, órgão de cooperação policial, estimava em 5.000 o número de terroristas circulando livremente pelo continente”.
Fazer um balanço sem paixão
O problema só será resolvido a longo prazo privando os islamitas de seu terreno fértil na Europa e no mundo, afirma a Neue Zürcher Zeitung (NZZ). “No Ocidente, é preciso impedir a formação de sociedades paralelas e a formação de novos guetos. Isso só poderá ser feito ultrapassando o princípio do abandono que predomina na política de integração. É uma tarefa que levará tempo, mas parece que é a melhor maneira de evitar que o islã político continue a prosperar e colocar em perigo nossa ordem libera. O fracasso da Primavera Árabe mostrou infelizmente que o fim o islamismo no Oriente ainda parece longínquo”.
“É preciso “fazer um balanço sem paixão de um intervencionismo ocidental que impõe a paz através de bombas em muitos países. ” Le Courrier
Para o Courrier, é preciso ter meios de pensa em profundidade e desconstruir as razões que levam a esse tipo de radicalização mortífera. Isso requer “fazer um balanço sem paixão de um intervencionismo ocidental que impõe a paz através de bombas em muitos países. São as ruínas e a desesperança que alimentam os extremismos. Sem esquecer certos gestos, como a recente condecoração por François Hollande – em toda discrição – de Mohammed ben Nayef, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, país que encarna o fundamentalismo islâmico e a negação dos direitos humanos, e que se inscreve na perda de referência política”.
O diário estima ainda que a questão do islã deveria poder ser abordada de maneira “mais séria e sobretudo mais calma do que os slogans de vingança praticamente diários próximos da extrema direita. A isso, são os valores da democracia – liberdades públicas, tolerância, laicidade – que devem se afirmar”.
Maior solidariedade na Europa
Segundo a Neue Lüzerner Zeitung, os atentados perpetrados na Europa testemunham o fracasso da coordenação entre os serviços de informação europeus. “Os Estados precisam colaborar de maneira mais estreita na luta contra o terrorismo. Não devem se contentar com a adoção de leis antiterroristas e sim instaurar mais câmeras vídeo nos espaços públicos e melhor utilizar as leis que já existem”.
O 24 horas também sugere uma maior solidariedade entre os Estados europeus. “Mesmo nesse combate vital contra o câncer do terrorismo, onde o controle das fronteiras é sem dúvida útil, a resposta só pode ser coletiva”, afirma o jornal editado em Lausanne. “Os atentados de Paris demonstraram que os governos tinham informação para evitar os atentados, mas que elas eram compartilhadas apenas parcialmente. A Europa só tem chance se reunir suas forças e meios”, afirma, por sua vez, a Tribuna de Genebra.
O Bund de Berna, capital suíça, sublinha que esses atentados chegaram num momento crítico para a União Europeia. “O ataque deve dar um impulso aos adeptos do Brexit. O terrorismo reforça todos os nacionalistas e populistas. Uma radicalização dos dois lados é do interesse dos islamitas que podem assim esperar recrutar novos soldados em Bruxelas, Paris ou Londres”.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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