Tribunal suíço julgará suposto assassino de aluguel de Lukashenko
Yuri Harauski, ex-membro de uma unidade militar vinculada ao presidente da Belarus, Alexander Lukashenko, será julgado em um tribunal regional suíço em 19 de Setembro. Ele é acusado de ser um dos responsáveis por desaparecimentos forçados de três pessoas da oposição política. Harauski confessou envolvimento. Entenda o caso.
Do que se trata o caso?
Harauski, que era membro da unidade militar SOBR, às vezes conhecida como “esquadrão de ataque de Lukashenko”, é acusado de ter participado do sequestro e assassinato do ex-ministro do Interior Yury Zakharenka, do ex-vice-primeiro-ministro Viktar Hanchar e de Anatoly Krasouski, empresário e amigo próximo de Hanchar. Os três desapareceram na Bielorrússia em 1999. Harauski também é acusado de ter mantido a história em segredo até 2019.
O caso surgiu depois que familiares de duas das vítimas apresentaram queixas criminais, apoiados pela ONG TRIAL International, pela Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) e pelo centro bielorrusso de direitos humanos Viasna. Além dos processos abertos pelos familiares, as organizações também apresentaram suas próprias queixas criminais. Num comunicado de imprensaLink externo, a TRIAL International, sediada em Genebra, descreveu o caso como “pioneiro”.
Os sequestros têm como cenário o contexto de repressão política vivido na Belarus de Lukashenko, que está no poder desde 1994. A tensão política no país aumentou especialmente após as disputadas eleições de 2020, em que milhões de pessoas saíram às ruas em protestos. O modus operandi da repressão em Belarus envolve detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados, conforme documentado por numerosas organizações, incluindo a ONULink externo.
Por que o julgamento acontecerá na Suíça?
Harauski reside na Suíça, para onde fugiu, supostamente em 2018. Segundo a FIDHLink externo, Harauski apareceu na mídia em 2019, declarando à Deutsche WelleLink externo que esteve envolvido nos três desaparecimentos e fornecendo detalhes sobre os sequestros e assassinatos. A TRIAL International investigou e conseguiu confirmar que o ex-militar estava morando na Suíça, no cantão de St Gallen.
“De acordo com as informações disponíveis, ele chegou ao país em busca de asilo, argumentando que sua vida estava em risco devido à sua vontade de falar sobre seu envolvimento anterior com a unidade SOBR”, disse a FIDH.
De acordo com a lei suíça, o crime de desaparecimento forçado de outra pessoa “em nome ou com a aquiescência de um Estado ou organização política” pode ser julgado de acordo com o princípio da “jurisdição universal”. Isto também se aplica a qualquer pessoa que cometa o crime no estrangeiro “desde que esteja agora na Suíça e não tenha sido extraditada”.
O que está em jogo?
O advogado Severin Walz, residente em St Gallen, representa duas das vítimas, filhas de desaparecidos. “Para elas este julgamento é um marco”, disse ele à SWI swissinfo.ch, “porque é a primeira vez em mais de 20 anos que uma pessoa pode ser responsabilizada no devido procedimento pelo desaparecimento de seus pais”. Ele diz que é a primeira vez que a verdade sobre o que aconteceu pode ser estabelecida em um tribunal, dando-lhes finalmente algumas respostas às perguntas que têm feito desde então.
O fato de Harauski ter confessado também é significativo, diz ele, uma vez que assim contribui para o apuramento da verdade.
E se for condenado, este julgamento poderá ter implicações mais amplas para a responsabilização na Belarus. “Um elemento do crime é que o Estado está envolvido no desaparecimento e, se ele for condenado, esse elemento será comprovado”, disse Walz à SWI swissinfo.ch. Isso significaria que o dedo seria apontado a altos funcionários, até mesmo ao próprio Lukashenko, como tendo ordenado os crimes.
Harauski pode enfrentar uma pena de prisão de um a 20 anos. A defesa provavelmente pedirá uma redução da pena devido à confissão de Harauski e à sua disposição de fornecer informações.
O que esse caso tem de novo?
“Pela primeira vez, um cidadão bielorrusso é julgado por desaparecimento forçado com base na jurisdição universal”, afirma TRIAL International. Segundo a FIDH, há outro caso iniciado na Lituânia contra agentes de segurança bielorrussos, incluindo o vice-ministro do Interior, Nikolay Karpenkov, por um caso de suposta tortura durante os protestos contra a reeleição de Lukashenko. No entanto, os suspeitos ainda estão na Bielorrússia.
É também uma novidade para a Suíça, uma vez que é a primeira aplicação de uma disposição sobre desaparecimentos forçados introduzida no Código Penal SuíçoLink externo em 2017. O artigo 185.º permite que o crime seja processado sob jurisdição universal como um crime autónomo. É o caso deste julgamento, uma vez que se trata de três desaparecimentos. É também por isso que também que vai a julgamento no tribunal distrital de St Gallen, em Rorschach, e não no Tribunal Penal Federal, o que aconteceria caso o desaparecimento forçado fosse acusado como parte de um crime internacional (crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio). O Artigo 185 foi introduzido na legislação suíça depois que a Suíça assinou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento ForçadoLink externo .
“É a primeira vez que este artigo é aplicado em um caso e isso é especial”, diz Walz. “Também tem um significado para a Europa. Acredito que seja a primeira vez que tal artigo é aplicado em um dos países que assinou a convenção.”
O que se espera que aconteça no tribunal?
O julgamento está agendado para os dias 19 e 20 de setembro. Poderá ser prorrogado se as partes solicitarem mais provas e o tribunal aceitar. No entanto, fontes apontam que é improvável que seja adiado. As vítimas estarão presentes e o próprio acusado deverá testemunhar. O fato de ele ter confessado indica que o procedimento será relativamente rápido.
O tribunal provavelmente decidirá com base na investigação e no depoimento do acusado, segundo Walz. O veredito também pode ser anunciado rapidamente.
(Adaptação: Clarissa Levy)
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