Um voto para esvaziar o conflito jurassiano
Trinta e cinco anos depois da criação do último dos 26 Cantões suíços, os ânimos acalmaram-se nos vales jurassianos. Apesar dos irmãos inimigos - berneses e jurassianos - se falarem novamente, no Norte e no Sul ninguém mais acredita realmente numa reunificação, como swissinfo.ch pôde constatar.
Cidade de Moutier, numa tranquila terça-feira de outubro. É meio-dia e meia, as ruas do centro estão quase desertas. O ambiente aprazível mas cinza não é convidativo para perambular por essa cidadezinha industrial, de pouco mais de 7 mil habitantes, entalhada às portas do Cantão do Jura. Apenas alguns cartazes para assinalar a próxima votação sobre o início de um processo destinado a reunificar o Jura com o Jura Bernês, para a formação de um único cantão. Não há sinal de nenhuma movimentação pré-eleitoral.
Mantida bernesa por algumas dezenas de sufrágios após três plebiscitos que inflamaram a região no começo dos anos 1970, Moutier cristaliza grande parte das agitações em torno da Questão Jurassiana. Desde 1982, a maioria das autoridades desse município é separatista. O prefeito, Máxime Zuber, no cargo há 19 anos, é membro do Partido Socialista Autônomo (PSA), cisão do Partido Socialista do Jura Bernês, que continuou fiel ao Cantão de Berna.
Em um plebiscito em 1998, os habitantes de Moutier recusaram novamente sua anexação ao cantão do Jura, pela pequena margem de 48 votos. Em caso de nova rejeição pelo Jura Bernês, dia 24 de novembro – cenário previsto pelos observadores e confirmado pelas pesquisas – os municípios poderão solicitar separadamente adesão ao Cantão do Jura. É um processo que alguns qualificam de “lex Moutier”, feita sob medida para pôr fim de uma vez por todas à Questão Jurassiana.
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Um cajado jurassiano no formigueiro suíço
Claro desinteresse
Para sentir um pouco de movimento, é preciso ir à estação ferroviária, por onde passa a linha direta Basileia – Genebra. No ‘Hotel de la Gare’ (hotel da estação) ponto de encontro dos autonomistas jurassianos, a situação é clara: aqui o “sim” será uníssono no dia 24 de novembro. Sentada a uma mesa, em frente à estação, Sophie Mertenat, 35 anos, não se ilude: “Meus pais lutaram pela causa jurassiana, que é uma questão importante para mim. Mas o Cantão do Jura não provoca nenhum novo sonho. Não existe mais uma forte mobilização, como no passado, e os jovens não demonstram o menor interesse por essa votação.”
Em outro bar-restaurante de Moutier, o patrão – preocupado em não aparecer na mídia – mostra-se também céptico. “Na melhor das hipóteses, teríamos uma voz a mais no Cantão do Jura. Muitos aqui, mesmo entre militantes separatistas, receiam que, separando-se do Cantão de Berna, a cidade perca seu tribunal regional ou seu hospital. Isto será certamente determinante na hora de depositar o voto nas urnas.”
O entusiasmo abrandou
O ideal revolucionário que levou, em 1979, à criação do Cantão do Jura, cedeu espaço a argumentos mais pragmáticos, queixam-se os mais ardorosos militantes. Para Marcial Schweizer, 60 anos, essa circunspecção tem um lado bom: “Há uns 20 anos, as dissensões foram reabsorvidas e as pessoas voltaram a se falar novamente”, realça esse separatista nada nostálgico. “Cada facção tinha suas lojas, seus restaurantes, suas associações. Famílias se dilaceraram, a atmosfera era sufocante.”
Martial Schweizer, cidadão de Moutier
Há cerca de 20 anos, as divisões foram resolvidas e as pessoas voltaram a se falar.
Hoje, todos os atores são unânimes em sublinhar que o diálogo se tornou mais sereno. “A paixão abrandou desde 1994 e a instauração da Assembleia Interjurassiana (AIJ), que conseguiu acalmar os ânimos, incitou os irmãos inimigos a se comunicarem. Essa pacificação explica aliás por que a questão jurassiana não inflama mais as pessoas como ocorria no século passado”, escreve Rémy Chételat, redator-chefe do diário Quotidien Jurassien.
É verdade, no entanto, que se percebe na população um receio de novos rompimentos. “Claro, Moutier não vai mais se inflamar como aconteceu nos anos 1970, mas estamos ansiosos para buscar outras coisas”, enfatiza esse quinquagenário com quem cruzamos na rua. O secretário-geral da AIJ, Emanuel Gogniat, constata, por sua vez, uma brecha entre uma camada da população que se desinteressa por essa votação e os militantes “que se engajam, como da primeira vez, mantendo posições emocionais cristalizadas.”
Uma atmosfera norte-irlandesa
No vilarejo de Bévillard, a uns dez quilômetros a sudoeste de Moutier, Marc-Alain Affolter reivindica, por exemplo, sua “união visceral” ao Cantão de Berna. Dono do grupo epônimo que fabrica engrenagens de relojoaria e de máquinas, ele salienta a vantagem de pertencer a um grande cantão que tem peso no país e o privilégio do estatuto particular concedido à região por Berna. “Estamos muito à vontade no Cantão. Por que, então, deixá-lo?”
Mudança de tom a apenas algumas centenas de metros de distância. Vincent Charpilloz, diretor da empresa familiar Hélios SA – especializada na fabricação de peças sobressalentes para diversas indústrias (relojoaria, automóvel, médica…) – defende com firmeza o “sim”. “Um poder mais próximo estaria em melhores condições de representar nossos interesses, até porque o Jura e o Jura-Sul estão estreitamente ligados sob o aspecto econômico”, destaca.
Apesar de crises cíclicas inerentes a uma indústria muito dependente dos mercados externos e as dificuldades por que passam certas empresas da região, o Jura Bernês tornou-se mais atrativo nas últimas décadas, responde Marc-Alain Affolter: “À época dos plebiscitos, era impossível contratar um trabalhador qualificado do exterior. O Jura Bernês provocava quase tanta aversão quanto a Irlanda do Norte. As coisas felizmente mudaram bastante e a perspectiva de trabalhar para empresas ativas no mundo inteiro seduz jovens diplomados.”
Fim do isolamento
Passemos a Delémont, capital situada no Norte do Cantão do Jura. Grande parte do trajeto se realiza pela ‘Transjurana’, rodovia nacional que liga Bienne, no Sul, a Boncourt, fronteira norte do cantão do Jura com a França. O último trecho começará a operar em 2016. Gargantas, passes e vales tortuosos do Arco Jurassiano não serão mais pesadelos para motoristas apressados. O isolamento ferroviário e rodoviário da região, uma das causas determinantes do separatismo, não pesa mais na votação de 24 de novembro.
Emanuel Gogniat, secretário-geral da Assembleia Interjurassiana (AIJ)
O argumento da língua é destacado pelos antiseparatistas, que sublinham a importância de pertencer a um grande cantão bilingue.
Ocorre o mesmo com a religião e a língua, duas fortes reivindicações identificadoras, que remontam à origem da criação do Cantão do Jura. Ocorre às vezes que nos debates públicos ou nas cartas dos leitores, ex-combatentes pró-berneses – e protestantes – alertem para o perigo de uma “vinculação ao Cantão do Jura, dirigido por um partido religioso” (alusão ao Partido Democrata Cristão, originalmente católico). Mas nos discursos dos partidos destacam-se por vezes apenas culturas políticas diferentes, impregnadas de catolicismo ou protestantismo.
Quanto à veemente defesa do francês e à alergia pelo dialeto suíço-alemão, manifestadas durante anos e anos de luta, elas praticamente desapareceram da paisagem. “O argumento da língua mudou de campo, afirma Emanuel Gogniat. Ele é agora utilizado pelos anti-separatistas. Estes salientam a importância de pertencer a um grande cantão bilíngue que desempenha a função de elo entre a Suíça germanófona e francófona.” O Cantão do Jura reconciliou-se, aliás, com a cultura germânica nos últimos anos estabelecendo laços econômicos com Basileia e instaurando possibilidade de ensino bilíngue.
Oficialmente bilíngue, Berna é, no entanto, um cantão de clara maioria germanófona. Não chega a 8% – cerca de 80 mil pessoas – o número de habitantes de língua francesa.
No Jura Bernês há 50 mil habitantes. A maioria dos 30 mil francófonos vive em Biel/Bienne, a maior cidade bilíngue da Suíça.
No Parlamento cantonal bernês, dezesseis das 160 cadeiras são atualmente ocupadas pelos romandos (os de idioma francês)
Desde 2011 e juntamente com o fracasso da eleição de Jean-Pierre Graber, do Partido do Povo Suíço (UDC/SVP), o Jura Bernês está sem representante no Parlamento Federal.
Já o cantão do Jura, que reúne um pouco mais de 70 mil habitantes, conta com dois conselheiros dos Estados (senadores) e dois conselheiros nacionais (deputados).
swissinfo.ch
Escassas esperanças de reunificação
No Norte da região, quase todo o mundo diz-se favorável à reunificação com o Sul. A ministra jurassiana Elisabeth Baume-Schneider, citada pelo ‘Journal du Jura’, elogia alternadamente “um espaço geográfico e socioeconômico homogêneo, paisagens que constituem o elo da identidade jurassiana, competências compartilhadas nas microtécnicas, opiniões geralmente idênticas manifestadas por ocasião de votações federais e a existência de quase 70 associações e instituições formadas no âmbito interjurassiano.”
Nas ruas, porém, ninguém manifesta esperanças desmedidas. “Um cantão maior teria mais peso, o que é uma vantagem. Mas no Jura Bernês, registram-se muitos preconceitos sobre o Jura. Não conseguiremos convencê-los”, resume um comerciante preocupado em preservar o anonimato. O mesmo ceticismo demonstra, em Delémont, aquele cidadão encontrado na praça Roland Béguelin (líder político que teve papel fundamental na criação do Cantão do Jura): “As pessoas aqui não se sentem realmente envolvidas com essa votação. É do outro lado, no cantão do Jura Bernês, que tudo será decidido. Infelizmente, a posição das pessoas na região está definida, há muito tempo.”
Dia 24 de novembro de 2013, os cidadãos do Jura e do Jura Bernês não se pronunciarão sobre a criação de um cantão mas sobre a oportunidade de deflagrar um processo que possa levar a essa medida. Várias votações serão necessárias para instituir uma entidade englobando as duas regiões.
Na hipótese mais provável – um “sim” do Cantão do Jura e um “não” do Jura Bernês, a ‘questão jurassiana’ será considerada resolvida, abandonando-se a ideia de um cantão.
Mas os governos bernês e jurassiano acertaram que as comunas do Jura Bernês que quiserem possam aderir ao Cantão do Jura. Prevê-se um prazo de dois anos para que as ditas comunas organizem um plebiscito sobre o problema. A votação diz respeito apenas ao Jura Bernês, até porque nenhuma comuna jurassiana expressou desejo de unir-se ao Cantão de Berna.
Fonte ATS (agência de notícias suíça)
Adaptação: J.Gabriel Barbosa
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