Detetives sociais para combater abusos na assistência social
Uma nova lei deve permitir que as agências de seguro social espionem os cidadãos com a ajuda dos chamados "detetives sociais". O Parlamento e o governo entendem que a medida seria necessária para combater abusos do sistema previdenciário. Os opositores, no entanto, falam de violação do Estado de direito e levam a questão a referendo.
A. sofreu um acidente de trabalho. Depois queixou-se de dores nas costas e acabou tendo direito a receber uma pensão por invalidez do seguro de acidentes suíço (Suva). No entanto, o Suva suspeitava que ele estava simulando. O quadro médico não estava muito claro, e em discussões com representantes do Suva e o assegurado não levaram a conclusões. Por esta razão, a agência encomendou um investigador privado B. para monitorar o segurado A., e descobrir se o estado real de saúde estava de fato de acordo com suas alegações. *
Quanto custa o monitoramento?
De 2009 a 2016, o seguro de invalidez realizou cerca de 16.000 investigações de suspeita de abuso. Em 1.700 destes casos o monitoramento foi feito, e em 800 deles a suspeita revelou-se fundada. Durante o mesmo período, o Suva examinou em torno de 3.300 casos suspeitos, e colocou 11 pessoas sob observação.
Em 2017, o seguro de invalidez examinou 2.130 processos, de um total de 217.000 assegurados. Em 210 casos foram realizadas medidas de monitoramento, dos quais 170 casos suspeitos foram confirmados. Graças a estas medidas, as economias totais de pensão pagas são estimadas em cerca de 178 milhões de francos, dos quais cerca de 60 milhões são atribuíveis às medidas de vigilância. Fonte: Ufas
Se os eleitores votarem em 25 de novembro pelo “sim” à Lei Federal revista na Parte Geral do Direito de Seguro Social (LPGA)Link externo, o detetive privado B. deve monitorar o segurado A. seja na rua, em um bar, no parque ou em qualquer outro lugar público. Mesmo em locais privados, ele pode estar de olho em A.. Desde que B. continue em uma área pública, A. pode ser observado, por exemplo, na varanda ou no jardim.
O detetive social pode tirar fotos ou fazer gravações de som, desde que ele não utilize dispositivos que aumentem a sua percepção como lentes de teleobjetivas, câmeras infravermelhas (para a visão noturna) ou microfones direcionais. Com a permissão de um juiz, os investigadores privados podem até mesmo localizar com GPS o segurado.
A revisão da Lei
No passado recente, Suva e o seguro de invalidez (IVLink externo, na sigla em alemão) realizaram sistematicamente medidas de monitoramento para enfrentar eventuais abusos. Em outubro de 2016, no entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (CEDH) declarou que o Suva não possui base jurídica suficiente para a vigilância secreta dos segurados. A Suva então encerrou o monitoramento. Devido a um julgamento posterior do Tribunal Federal, o IV também interrompeu os seus.
A suspensão das medidas de controle levou o governo e o Parlamento a uma intervenção. A maioria do Parlamento aprovou uma nova base jurídica e decidiu remover uma revisão mais ampla do governo – anteriormente já proposta, mas que custaria muito tempo – das disposições da Lei Federal sobre a Parte Geral do Direito Previdenciário (ATGS, na sigla em alemão), que tratava sobre o direito de observação, e priorizá-la. Em março de 2018, ambas as câmaras do Parlamento aprovaram a revisão da parte sobre o direito de observação com grande maioria.
As novas regras preveem, entre outras coisas, que um representante do seguro, na função de direção, pode permitir que a medida de intercepção seja realizada se houverem sinais concretos de abuso, e a situação não possa ser esclarecida de outras maneiras. A vigilância deve ser mantida por um máximo de 30 dias, no prazo de seis meses. Este período pode ser prorrogado por um máximo de seis meses. No fim da monitoração o seguro deve informar à pessoa segurada sobre a razão, forma e duração do monitoramento.
Se a suspeita de abuso não puder ser fundamentada, a companhia de seguros deve destruir o material de monitoração, a não ser que o segurado solicite especificamente um armazenamento deste nos arquivos.
+ O texto da votaçãoLink externo
As novas regras se aplicam não só ao Suva e ao seguro de invalidez (IV), mas a todos os seguros sujeitos à ATGS citada acima, como o AHVLink externo (sistema de previdência público por idade e para herdeiros), o seguro desemprego e seguro de saúde obrigatório. A lei afeta potencialmente todas as pessoas que vivem na Suíça. Exceção são a assistência social, que é da competência dos cantões e municípios, bem como planos de pensões profissionais.
Pontos controversos
Existe um consenso de que o abuso do seguro social deve ser combatido. No entanto, os políticos de esquerda criticaram a revisão duramente no Parlamento, por ela ser desproporcional e contrária aos direitos fundamentais, e à privacidade do segurado. A lei, que foi apenas acenada apressadamente, serviria apenas aos interesses das companhias de seguros, e criaria um clima de desconfiança geral em relação ao segurado.
Este artigo é parte de #DearDemocracy, a plataforma da swissinfo.ch dedicada a temas de democracia direta.
Os opositores criticam, em particular, que as seguradoras podem monitorar as pessoas de acordo com as novas regulamentações, sem ter que obter a permissão de um juiz. Assim, o seguro teria mais poderes do que a polícia.
O Código de Processo Penal (StPOLink externo, na sigla em alemão) permite que a polícia observe pessoas em locais públicos, sem uma ordem judicial. No entanto, o StPO não menciona, diferente do ATSG, que uma pessoa pode ser monitorada em um local (privado) que seja (livremente) visível a partir de um lugar público geralmente acessível.
De acordo com o Serviço Federal de Seguridade Social (BSVLink externo, na sigla em alemão), a jurisdição do Tribunal Federal permite que a polícia monitore indivíduos em lugares privados, que estão livremente visíveis a partir de um local que seja geralmente acessível – mesmo que isso não esteja expressamente previsto no Código de Processo Penal. Em qualquer caso, a revisão do ATSG dá aos detetives sociais direitos semelhantes aos da polícia.
Também com base na jurisdição do Tribunal Federal, o BSV também contesta a suposição de que – como já temido pelos adversários – de acordo com a nova lei, “livremente visível” possa significar que o interior de uma casa possa ser monitorado. Segundo o BSV, salas de estar, quartos e escadarias são abrangidas na esfera da privacidade, e não podem ser monitoradas por detetives sociais.
O BSV também enfatiza que a revisão não permite que ferramentas aumentem a capacidade de percepção humana ao tirar fotos, fazer áudios ou vídeos. Drones, dispositivos de visão noturna, câmeras infravermelhas, telescópios e escutas telefônicas não podem ser usados. No entanto, isto não está explicitado assim na lei, mas é resultado de uma interpretação análoga à do Código de Processo Penal, bem como dos pareceres dos conselheiros federais durante o processo legislativo.
Por isso alguns oponentes, especialmente os do campo liberal, criticam a redação malograda da lei. Eles temem que por causa das formulações pouco claras o debate sobre pontos controversos no tribunal continue.
*A história tomada como exemplo é fictícia.
Referendo
O referendo contra a nova base jurídica para o monitoramento de segurados foi tomado por um pequeno grupo de cidadãos, incluindo a escritora Sibylle Berg, o jovem ativista Dimitri Rougy e o especialista em segurança de computadores Hernani Marques.
Os membros do partido Verde e do Partido Social Democrata (SP), que se opuseram à revisão no Parlamento, queriam primeiro que não houvesse referendo, porque eram da opinião de uma campanha sobre abuso de benefícios sociais seria difícil. Nesse meio tempo, entretanto, eles apoiam o referendo.
Até mesmo no campo dos liberais uma comissão foi formada contra a revisão do ATSG por representantes dos jovens liberais, do partido Verde liberal e do Partido Cristão Democrático do Povo (CVP). Em particular, a comissão critica a má formulação da lei, que deixa muito espaço para interpretação, assim como enfatiza a necessidade de proteger a privacidade do segurado.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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