A migração não se evita com medidas de curto prazo
A Suíça pretende utilizar parte dos seus fundos de ajuda ao desenvolvimento para combater as causas dos êxodos e migração irregular. Conversamos com o CEO da Swisscontact, uma organização de desenvolvimento com laços estreitos com a comunidade empresarial, sobre a nova estratégia suíça para a cooperação internacional.
swissinfo.ch: Investimentos maiores em ajuda ao desenvolvimento realmente levam a uma diminuição da migração ou podem até ter o efeito oposto, porque mais pessoas podem se dar ao luxo de fugir?
Samuel Bon: A causalidade não é linear. A cooperação para o desenvolvimento pode ter um efeito redutor da migração, mas apenas a longo prazo. Se investirmos na formação profissional, por exemplo, isso por si só não é suficiente para reduzir a migração. Precisamos de um buquê de medidas.
Por exemplo, precisamos de segurança jurídica para que as pessoas tenham a coragem de criar uma empresa ou de atrair investidores internacionais para o país para criar empregos. Por outro lado, prevenir a migração com ajuda a curto prazo é ilusório.
A migração só irá parar completamente quando o nível de vida for o mesmo em todos os países?
Essa é a questão: queremos evitar completamente a migração? Este não é o objetivo da cooperação para o desenvolvimento, nem é o objetivo da nova estratégia de CI da Suíça.
Se você olhar para uma economia global em rede, a migração é sempre uma parte importante dela. Também se pode ver isso nas remessas, ou seja, o dinheiro que os migrantes devolvem aos seus países de origem: o dinheiro que flui de volta é três vezes mais do que o que se chama orçamentos internacionais de desenvolvimento em todo o mundo. Isto mostra a grande importância econômica dos movimentos migratórios.
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Quando se fala em migração, não se pode falar apenas de pessoas que procuram asilo na Suíça por causa de uma situação de emergência, porque essa é uma proporção muito pequena. Por exemplo, há uma grande migração circular: as pessoas trabalham temporariamente noutros países ou regiões e depois regressam ao seu país de origem. Também na Suíça, muitos ramos da indústria dependem de trabalhadores estrangeiros.
A cooperação para o desenvolvimento não se trata, portanto, de impedir a migração. A questão é: como pode a migração gerar o máximo de valor agregado possível para ambos os lados?
A migração é uma questão multifacetada e complexa. Acho delicado que se tenha a sensação de que a cooperação para o desenvolvimento deve impedir a migração. A verdadeira questão deve ser: como podemos tornar a migração mais humana e economicamente válida?
Isso é uma crítica discreta à política da Confederação Suíça?
Não, isto não é uma crítica à Confederação. Pelo contrário: acredito que a Confederação dá uma valiosa contribuição.
“A Suíça é o único país que abriu seus projetos bilaterais de ajuda ao desenvolvimento à concorrência internacional”.
A Suíça está empenhada em garantir que as pessoas encontrem melhores condições nos seus países de origem. E está em diálogo com os Estados para prevenir a migração ilegal e descontrolada.
A crítica não é dirigida contra o governo federal, mas contra a percepção não totalmente diferenciada no parlamento, onde as questões são simplificadas. Isto não é culpa das autoridades federais.
Entretanto, o senhor critica a Confederação a respeito da nova estratégia em outro aspecto: a Suíça é o único país que concede publicamente projetos de ajuda ao desenvolvimento de acordo com as diretrizes da OMC. É por isso que cada vez mais projetos estão sendo concedidos a ONGs estrangeiras e empresas com fins lucrativos no exterior. Por outro lado, já que outros países não o fazem, as ONGs suíças têm poucas chances de ganhar contratos de outros países. Correto?
É verdade, mas não é uma crítica a essa nova estratégia – porque essa abertura de mercado foi decidida há anos. Isso nos incomoda na medida em que os pesos e medidas são diferentes. Mas nós somos a favor da concorrência, ela nos faz mais ágeis.
Mas o problema é que a Suíça é o único país a abrir seus projetos bilaterais de ajuda ao desenvolvimento à concorrência internacional. De acordo com as normas internacionais, a cooperação para o desenvolvimento não está sujeita às regras de licitação da OMC; a Suíça o fez voluntariamente. Este não é o caso em outros países. Isto distorce a concorrência.
O Parlamento deveria, portanto, fazer a si mesmo a pergunta: faz sentido que a Suíça seja o único país a abrir o seu mercado a tal ponto, enquanto todos os outros países não o fazem?
A Confederação deveria então pressionar os outros países a colocar os projetos de desenvolvimento em concurso, de acordo com as diretrizes da OMC?
Ela até poderia tentar isso, mas acho que a Suíça não conseguiria ir muito longe. Sabe, a cooperação para o desenvolvimento nunca é completamente neutra. Essa ação nunca é puramente caridosa, mas tem sempre um pano de fundo de segurança e política comercial. Especialmente os grandes países com uma história colonial têm interesses estratégicos geopolíticos e econômicos que os ligam a projetos de desenvolvimento. Portanto, eles não têm interesse em abrir mais os seus mercados.
“A DEZA estava certa em não retirar o seu pessoal durante a crise do Coronavírus.”
Se de fato todos os países abrissem completamente o mercado do desenvolvimento, isso seria bem-vindo e interessante. A competição reforçaria o poder dos projetos. Mas não estou certo de que a Suíça tenha força política suficiente nos organismos internacionais para impor isso no diálogo multilateral. Mas pode valer a pena tentar.
Ontem, na conferência de imprensa dos seus primeiros 100 dias no cargo, a nova chefe da DEZA (Agência Suíça para Desenvolvimento e Cooperação, na sigla em alemão), Patricia Danzi, disse que a nova estratégia da Suíça foi concebida para ser suficientemente flexível para permitir que a cooperação internacional se adapte facilmente à atual crise do Covid 19. O senhor concorda com essa avaliação?
Sim, a cooperação internacional de desenvolvimento suíça tem duas vantagens: em primeiro lugar, os projetos de desenvolvimento suíços são concebidos a longo prazo e, em segundo lugar, têm fortes raízes locais. A DEZA estava certa em não retirar o seu pessoal durante a crise do coronavírus. Apresentou-se como um parceiro confiável, mesmo em tempos difíceis. Isso é certamente apreciado.
Além disso, a Suíça foi capaz de responder rápida e fortemente às novas necessidades decorrentes da crise do coronavírus. A Confederação concedeu empréstimos adicionais de uma forma relativamente simples. Isso também tem a ver com a solidez financeira da Suíça, pois ela foi capaz de reutilizar orçamentos rapidamente. Esta é uma bela e generosa tradição suíça.
A Swisscontact é uma organização suíça parceira para a implementação de projetos de desenvolvimento internacional. A fundação independente e sem fins lucrativos foi fundada em 1959 por personalidades da comunidade empresarial e científica suíça. A Swisscontact se autodenomina “Fundação de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento” porque não quer ser uma agência de ajuda, mas uma organização de desenvolvimento orientada para os negócios.
A fundação tem um orçamento anual de cerca de 100 milhões de francos suíços. Ao contrário de outras organizações de ajuda, não realiza campanhas públicas de angariação de fundos.
A Swisscontact realiza projetos próprios e encomendados. Em 2019, a Swisscontact estava ativa em 37 países em desenvolvimento e na Suíça, com cerca de 1.000 funcionários no total.
swissinfo.ch/ets
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