Imprensa comenta resultados de plebiscito
Um dia após a aprovação apertada nas urnas da iniciativa "Contra a imigração em massa", a imprensa suíça e internacional avalia os resultados e as consequências de uma votação. Entre as críticas e o apoio, a unanimidade é que a iniciativa terá uma forte influencia no futuro das relações entre a Suíça e a União Europeia.
“Foi por pouco, mas foi”, resume o Público o resultado do plebiscito votado na Suíça em 9 de fevereiro, no qual foi aprovada por uma maioria apertada uma iniciativa popular (projeto de mudança constitucional) que determinou a reintrodução do sistema de quotas para migrantes europeus. No editorial, o articulista do jornal português é lapidar: “O sim que trava a imigração ganhou. A direita nacionalista ganhou. A Europa perdeu.”
O Público faz um histórico das iniciativas lançadas pelo mesmo partido. “A iniciativa – Contra a Imigração de Massas – foi do Partido do Povo Suíço, que nunca escondeu ao que vinha. Foram os mesmos que propuseram, em 2010, um referendo para a expulsão de estrangeiros que tivessem cometido uma qualquer infração (por exemplo, trabalhar para além do horário de trabalho) ou que no ano anterior conseguiram proibir a construção de minaretes (as torres das mesquitas) em território suíço.”
Todavia o jornal considera que o principal alvo da iniciativa não eram os estrangeiros, mas sim a própria União Europeia. “Eles olham para o projeto da construção europeia com algum desdém, mas os seus argumentos convenceram a maioria dos suíços que foram votar. Responsabilizam os estrangeiros pelo aumento da criminalidade, pela subida das rendas das casas, pela descida dos salários e por transportes públicos apinhados de gente. A culpa há-de ser de alguém: neste caso, dizem, é dos ‘outros'”.
Política interna
A BBC explica o resultado pelo contexto político interno. Imogen Foulkes, correspondente da emissora britânica em Genebra, afirma que o resultado mostrou as divisões tradicionais dentro do país, “com as áreas que falam francês contra as cotas de imigração, as áreas que falam alemão divididas e a área que fala italiano, o cantão de Ticino, a favor das restrições.”
Agora Foulkes considera que o governo suíço terá que explicar sua posição à União Europeia. “Este é o resultado que o governo e os líderes empresariais suíços mais temiam: apoio para as cotas de imigração, pela menor das margens. Na Suíça a palavra dos eleitores é final e o governo agora terá que informar a União Europeia que quer ‘renegociar’ seu acordo bilateral sobre a livre movimentação das pessoas”, afirmou Foulkes.
Reação em Portugal
A agência de notícias Lusa entrevistou José Cesário, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que lamentou a decisão do eleitor suíço. “Não é um resultado positivo, nem para quem pretenda emigrar para a Suíça, nem sequer para Europa da livre circulação para a qual estivemos a trabalhar ao longo destas últimas décadas”, declarou. O representante do governo português relativizou, porém, as possíveis consequências para a população portuguesa já instalada na Suíça. “Na Suíça residem cerca de 250 mil portugueses ou um pouco mais e para estes, para já, não há qualquer espécie de consequência”. O secretário de Estado está, aliás, “firmemente convencido de que a Suíça precisa deles, e as autoridades e a população suíças tem-no dito.”
No jornal português Diário de Notícias, cidadãos portugueses foram entrevistados. Marília Mendes afirmou “estar “decepcionada, mas não surpreendida”. A responsável dos associados portugueses do sindicato suíço UNIA teme os efeitos das votações de 9 de fevereiro. “As consequências não serão imediatas (…), mas existirão. Os portugueses perderão muitos dos direitos adquiridos com a entrada em vigor dos acordos com a União Europeia”, disse.
Temor e apoio
No Jornal de Negócios, a portuguesa Maria, 57 anos, não escondeu o seu medo. Gerente de um restaurante, ela está na Suíça há 35 anos e conhece bem a situação que agora ameaça muito imigrantes. “Até me arrepiei, nunca pensei que isto fosse acontecer. Nos primeiros anos em que vim cá, as autoridades cancelaram as autorizações e ficámos sem papéis, sem direitos. Muita gente perdeu seu emprego”, disse Maria, que obteve a sua autorização de residência permanente há 25 anos e está agora a considerar pedir a nacionalidade suíça. “Tenho mais vontade de pedir a nacionalidade porque tenho medo que um dia me tirem tudo o que investi aqui”, afirma.
Por outro lado, até cidadãos portugueses já residentes na Suíça reconhecem que existe um mal-estar generalizado com o atual fluxo migratório vivido pelo país. Entrevistada pelo diário Público, Rita Rito, 40 anos, há um ano na Suíça, onde trabalha numa empresa da área da eletricidade, critica alguns concidadãos. “A senhora que faz limpeza na minha casa, e que é portuguesa também, está desempregada há mais de um ano e a viver da Segurança Social de cá, está com medo de ser posta porta fora.”
Com vínculo de trabalho seguro, e à espera de ver deferido o seu pedido de autorização de permanência por mais um ano, Rita explicou ao Público que também vê Suíça “saturada de tantos imigrantes”: “Tem sido uma loucura, todos os dias chega gente. Apesar de ser imigrante aqui, tenho que reconhecer que limitar as entradas é uma atitude inteligente. Uma forma de os suíços se protegerem”, declarou.
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Suíços aprovam restrição à imigração de europeus
Reações da mídia helvética
A mídia suíça começou essa segunda-feira (10) comentando em coro o resultado imprevisto de uma das questões levadas à urna no domingo. A imprensa do país ressalta a clivagem entre duas Suíças
Depois do “sim” à iniciativa do partido do povo suíço (SVP, na sigla em alemão) contra a imigração em massa, a imprensa de língua francesa destaca a divisão entre duas Suíças e examina os desafios que o país deverá afrontar no futuro, enquanto que as reações na parte de língua alemã são embaralhadas para dizer o mínimo, alguns jornais falando de “desastre” e outros de “vitória”.
Em seu editorial, o jornal da Suíça francesa Le Temps tenta dissecar a votação de domingo, dizendo que “uma parte deste país tem medo da evolução em progresso”, enquanto que o cantão do Ticino, de língua italiana, muito exposto na fronteira, teria expressado sua “frustração”. De acordo com o diário, a Suíça rural estaria “insegura” e “parece sentir só os aspectos negativos que surgem durante um período de alto crescimento”.
UE como inimigo
O Le Temps também observa que, na parte de língua alemã, a União Europeia é vista como um inimigo, “até mesmo pelos principais setores econômicos, conhecidos por ser eurofóbicos”. Por sua vez, o Le Matin não mede suas palavras, a Suíça de língua alemã teria se “retraído atrás de suas pequenas certezas, com ciúmes de seus privilégios e nostalgia de um tempo glorioso que só existe nos quadros de Anker”, um pintor de paisagens rupestres suíças.
Juntando-se ao coro de língua francesa, o Quotidien jurassien fala de uma “divisão escancarada entre Suíça francesa e Suíço alemã”. O jornal culpa as autoridades pelo resultado da votação, dizendo que elas não teriam sido “suficientemente rigorosas no controle das medidas de acompanhamento” da imigração. O escrutínio também seria um sinal de uma “Suíça que sofre, mal termina o mês e tem medo do futuro” relata o Le Courier.
O 24 Heures, do cantão de Vaud, aponta a “desconexão das instituições com uma parcela da população” que escuta “as sereias populistas do SVP” e que “pula no escuro acreditando escolher segurança”. O jornal evoca uma outra Suíça mais confiante no futuro e racional (que inclui o cantão de Vaud), que agora tem “necessidade de se preocupar”, o país teria criado “uma grande crise”.
Dura tarefa para governo federal
O jornal La Liberté, do cantão de Friburgo, enfatiza a árdua tarefa do Conselho Federal. O governo terá que convencer 28 países da União Europeia a tomar uma sopa feita com “velhos ingredientes, como a iniciativa contra a superpopulação estrangeira, a luta contra o Espaço Econômico Europeu (EEE) e o ranço da iniciativa contra minaretes”.
O jornal prevê uma “era do gelo” entre Berna e Bruxelas, enquanto que o Tribune de Genève fala de um retorno às cotas de imigração “como um tapa magistral na Europa”. O jornal de Genebra se pergunta como sair dessa “enrascada”, que vai exigir “engenhosidade extra e pragmatismo”.
Os jornais de língua alemã comentam especialmente o significado histórico do voto. Como muitos jornais de língua francesa, eles ressaltam o paradoxo da votação de domingo, que ameaça os acordos bilaterais e a rejeição do EEE pelo povo em 1992. Os acordos bilaterais foram promovidos, na época, pelo SVP como uma alternativa a não aproximação com a UE.
“É certo que o ‘sim’ ao texto do SVP não é favorável para a economia suíça e, portanto, o bem- estar da população”, diz o Neue Zürcher Zeitung, de Zurique. Opinião não compartilhada pelo Basler Zeitung, de Basileia, que analisa que “toda a Suíça ganhou uma vitória”.
O acordo sobre a livre circulação de pessoas entre a Suíça e a União Europeia entrou em vigor em 2002 e constitui o ponto principal do Acordo Bilateral I.
Segundo o acordo, cidadãos da Suíça e dos países-membro da União Europeia possuem o direito fundamental de escolher livremente o local de trabalho e de residência dentro dos territórios dos países participantes do acordo.
Os eleitores suíços já foram três vezes às urnas para votar sobre a livre circulação de pessoas. Em maio de 2000, os suíços aprovaram nas urnas, por grande maioria, o Acordo Bilateral I e, com ele, o acordo de livre circulação de pessoas.
Em 2005, os eleitores aprovaram a ampliação do acordo de livre circulação de pessoas para dez novos países que aderiram à UE em 2004.
Em 2009, foi aprovada a ampliação do acordo para a Romênia e a Bulgária.
Há previsão de que, no segundo semestre de 2014, seja votada a ampliação do acordo para a Croácia, novo país-membro de UE.
As relações entre a Suíça e a União Europeia são reguladas por 20 acordos bilaterais e cerca de 100 contratos complementares.
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