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Marasmo nas relações Suíça-Tunísia

O então Presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali (à esquerda), e seu homólogo suíço, Samuel Schmid, na Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação em 2005. Keystone

Os 23 anos de reinado do ex-ditador da Tunísia não foram suficientes para esquentar a relação do país com a Suíça.

Em 2005, o então presidente da Suíça, Samuel Schmid, criticou duramente o regime pelo não respeito dos direitos humanos. Alguns aplaudiram, outros diziam que ele apenas cumpriu sua obrigação.



















“O que aconteceu mostra que não podemos limitar a liberdade por muito tempo. A população e os meios de comunicação modernos ajudaram a derrubar o regime”, diz Samuel Schmid, que espera que a transição será feita “sem derramamento de sangue”.

Desde que assumiu o poder em 1987, a relação entre a Suíça e o regime do presidente Zine el-Abidine Ben Ali tem sido bastante morna. “As relações bilaterais entre os dois Estados foram muitas vezes afetadas por posições divergentes sobre o respeito dos direitos humanos”, declara em uma linguagem perfeitamente diplomática o site do Ministério das Relações Exteriores suíço.

Prova desse marasmo: a embaixada da Tunísia em Berna ficou a maior parte do tempo sem um inquilino no cargo de embaixador. De 1995 a 2000, ela foi chefiada por um encarregado de negócios e desde então o posto quase nunca contou com a presença de um embaixador.

“Não foi uma relação aberta e absolutamente amigável”, confirma Schmid, que fo membro do governo da Suíça entre 2000 e 2008. “E eu espero que mude agora”, diz o ex-ministro e autor, em novembro de 2005, de um discurso inesquecível em Tunis.

 

Indignação

Na época, a capital da Tunísia acolhia, depois de Genebra em 2003, a segunda fase da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação. Samuel Schmid ocupava na ocasião a presidência rotativa da Suíça.

Diante de uma plateia de chefes de estado, incluindo Ben Ali na primeira fila, o suíço diz que “não é aceitável que a ONU ainda tenha entre seus membros, Estados que aprisionam seus cidadãos apenas por terem criticado as autoridades na Internet ou na imprensa”. E para ter certeza de ser compreendido, o presidente acrescenta ainda: “Para mim, é óbvio que possamos falar livremente aqui em Tunis, entre essas quatro paredes, mas também fora delas.

Imediatamente censurado pela emissora de televisão estatal, o discurso custou também mais de cinco anos de purgatório à swissinfo.ch na Tunísia, onde – fora um curto período de alguns meses – o site nunca pôde estar disponível, até a semana passada.

“Todos sabiam que em 2005 não havia liberdade de expressão. Havia uma censura mais ou menos rigorosa e não queria que o encontro fosse manipulado para consolidar aquele sistema. Eu quis aproveitar aquela oportunidade para chamar as coisas pelo nome”, recorda hoje Samuel Schmid.

“A Suíça do norte da África”

Esse reconhecimento do regime ditatorial e repressivo de Ben Ali não foi sempre fácil na Suíça. Refugiado político em 1992, Ali Belhadj lembra que na época “a situação de quase guerra civil na Argélia camuflava a situação na Tunísia”. Os suíços não estavam familiarizados com a Tunísia, que consideravam como “a Suíça do norte da África”.

No início, o responsável da Associação Ez-Zeitouna, que reúne famílias de refugiados da Tunísia na Suíça, teve seu pedido de asilo rejeitado e precisou entrar com um recurso. “Recebi, finalmente, o estatuto de refugiado em 1995, quando a questão da Tunísia ficou mais clara na mente das autoridades suíças. Desde então, os tunisianos que eram contra o regime Ben Ali recebiam o estatuto rapidamente, às vezes em dois ou três meses”.

Anouar Gharbi, coordenador do Comitê de Apoio ao povo tunisiano, não é um refugiado político. Com sua esposa suíça, ele optou por deixar a Tunísia em 1991, ao descobrir seu nome em uma lista de procurados.

“Sou sindicalista e o que não pude fazer na Tunísia, fiz na Suíça”, diz. Quando o Presidente Ben Ali veio à Genebra, em 1995, para uma reunião da Organização Internacional do Trabalho, Ali Belhadj foi um dos organizadores da manifestação denunciando a visita. Na época, ninguém, nenhum membro do governo federal ou do cantão de Genebra, foi dar as boas-vindas oficiais ao homem forte de Tunis.

Já Anouar Gharbi acredita que foi só a partir de 2000 que os adversários tunisianos foram realmente levados a sério na Suíça. “Foi aí que começaram a perceber que a Tunísia estava reprimindo violentamente seu povo e que a situação tinha passado dos limites”, recorda. Lembrando que milhares de turistas ignoraram durantes anos o slogan: “Tunísia, férias no sol, tortura na sombra”.

Primeira vez 

Em fevereiro de 2001, as relações entre a Suíça e a Tunísia quase que foram comprometidas. Abdallah Kallel, ex-ministro do Interior da Tunísia, apontado pelas ONGs como um dos principais torturadores do regime de Ben Ali, foi quase preso em Genebra por causa de uma denúncia de Abdennacer Nait-Liman, diretor de uma associação de vítimas de tortura na Tunísia.

O ex-ministro escapou pouco antes da chegada da polícia, mas os tribunais de Genebra deixaram claro que eram competentes para julgá-lo nos termos da Convenção da ONU contra a Tortura. Hoje o réu continua foragido e o caso ainda pendente.

No final de 2005, após o estrondo causado por seu colega presidente em Túnis, a chefe da diplomacia suíça, Micheline Calmy-Rey, recebe em Berna quatro membros da oposição tunisiana como sinal do “interesse” do país pelo respeito dos direitos humanos. Foi a primeira vez que um ministro das Relações Exteriores ocidental questionou o comportamento da Tunísia, provocando a ira do regime Ben Ali.

 

Nem melhor, nem pior

Finalmente, será que pode-se dizer que a Suíça foi mais corajosa do que  outros países na maneira como tratou a ditadura da Tunísia? “Em comparação com a Alemanha, Holanda e Dinamarca – não estou falando da França, que vive agitando as mãos dos ditadores – honestamente, não sei” admite Manon Schick, porta-voz e nova diretora da seção suíça da Anistia Internacional.

“É verdade que a Suíça foi bem dura no discurso de Samuel Schmid em Túnis, em 2005. Mas, ao mesmo tempo, ela havia organizado a cúpula preparatória. Por isso, cabia mais a ela tratar dessas questões do que aos outros países”.

Manon Schick conclui: “a atitude da Suíça diante da Tunísia de Ben Ali foi mais ou menos a mesma de todos os outros. Ela acolhe a oposição, mas não põem em causa as relações de Estado para eEstado”.

Com uma superfície de 163’610 km2, a Tunísia, que tem uma população de um pouco mais de 10 milhões de habitantes, é quatro vezes maior do que a Suíça.

Entre 8 a 9 mil tunisianos moram na Suíça.

1215 suíços vivem na Tunísia (dados de 2009).

Exportações da Suíça em 2009: 209,09 milhões de francos (+45,6% em relação ao ano anterior).

As exportações suíças são representadas por produtos tradicionais, ou seja, máquinas (36,6%) e farmacêutica (24,6%), mas também produtos têxteis (8,5%), produtos agrícolas (5,7%) e pedras preciosas (5,3% ).

Importações da Suíça em 2009: 37,4 milhões de francos (+20,6% em relação ao ano anterior).

As importações da Suíça se concentram nas áreas de pedras preciosas (28,2%), máquinas (18,3%) e produtos agrícolas (16,0%).

Adaptação: Fernando Hirschy

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