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“Não temos qualquer animosidade em relação à Suíça”

Sliman Bouchuiguir olha para o futuro swissinfo.ch

Em crise desde 2008, as relações entre a Suíça e a Líbia estão em vias de normalização rápida.

Na entrevista a seguir, o novo embaixador líbio em Berna, Sliman Bouchuiguir convida as empresas suíças a participarem da reconstrução do país.

Opositor desde o início ao regime Gaddafi, exilado durante 34 anos, o ex-secretário-geral da Liga Líbia dos Direitos Humanos ocupa agora o cargo de embaixador da Líbia em Berna.

E é à swissinfo.ch que Sliman Bouchuiguir – que também tem nacionalidade suíça – concede sua primeira entrevista desde que apresentou suas credenciais à presidente suíça Micheline Calmy-Rey, em 29 de setembro último.

swissinfo.ch: O senhor está confiante que a Líbia vai se democratizar?

Sliman Bouchuiguir: Estou, creio que a nova direção política é honesta em sua vontade democrática, especialmente Mustafa Abd-al-Jalil e Mahmoud Jibril (respectivamente presidente e primeiro ministro do Conselho Nacional de transição, ndr). Mas a honestidade não basta. Será preciso um esforço contínuo para criar as bases necessárias e avançar na via democrática e de respeito dos direitos humanos.

Contudo, os contornos da democracia já estão inscritos na Constituição interina que enquadrará o país durante os próximos dois anos.

No prazo de 18 meses, haverá eleições livres e equitativas, permitindo à Líbia de ter um primeiro parlamento capaz de designar um governo democrático. Vamos, portanto, na boa direção. Mas é preciso enraizar esse processo democrático na lei e na vida cotidiana.

swissinfo.ch: A nominação em Berna significa uma normalização das relações entre a Suíça e a Líbia, depois da crise provocada pela prisão em Genebra de Hannibal Gaddafi?

S. B. : Conforme minhas discussões com a atual direção líbia, ela recusa-se a mencionar essa época sombria e a qualifica de fase temporária nas relações entre a Suíça e a Líbia. Está claro que viramos a página. Aliás, a Suíça nomeou um novo embaixador em Trípoli (Michel Gottret, ndr). Estamos impacientes de ver uma melhora em nossas relações. Não temos qualquer animosidade em relação ao governo suíço.

Os suíços podem ajudar-nos em vários setores. É do interesse da Suíça e da comunidade internacional que a Líbia se torne um país democrático respeitoso dos direitos, defensor de liberdades e parte integrante da comunidade internacional.

A seção suíça de Médicos Sem Fronteiras está ativa em Misrata e em Benghazi. Temos também pacientes gravemente feridos que serão dentro em breve tratados na Suíça. Assinamos um acordo de cooperação com o hospital cantonal de Genebra e procuramos assinar outros com os de Vaud (oeste) e de Berna (centro).

swissinfo.ch: Durante o caso Hanibal Gaddafi, empresas suíças foram bloqueadas na Líbia. Elas já estão de volta ou manifestaram a intenção de voltar?

S. B.: Estamos em contato com as câmaras de comércio suíças, especialmente em Lausanne, Zurique e Genebra. Queremos ter um plano para a reconstrução. As câmaras de comércio devem ter em mãos projetos de reconstrução para comunica-los às empresas suíças. De nossa parte, damos uma grande importância à contribuição suíça nesse processo de reconstrução.

swissinfo.ch: A Líbia precisou os setores em que os suíços podem estar presentes? Qual a estimativa do custo total da reconstrução?

S. B. : O plano de reconstrução está em fase de elaboração. Os especialistas que trabalham nele podem ter necessidade de apoio da experiência bem conhecida da Suíça nessa área de avaliação e de planificação.

Segundo o primeiro-ministro, o custo da reconstrução é estimado entre 500 e 700 bilhões de dólares, montante que a Líbia sozinha não pode pagar. Por essa razão, precisamos da contribuição de empresas estrangeiras a fim de restabelecer a situação econômica o mais rápido possível.

Os suíços podem contribuir em vários setores, dada sua competência em matéria de desenvolvimento e de tecnologias em desenvolvimento sustentável, tecnologias de ponta, construção de infraestruturas, inclusive estradas, eletricidade e comunicações.

Um ministro líbio em exercício falou da possibilidade para a Suíça de contribuir na revitalização do turismo e da hotelaria. Pessoalmente, espero que os suíços invistam no turismo, setor em que eles têm grande experiência.

swissinfo.ch: Um dos problemas a resolver para a Líbia é o desbloqueio de fundos em bancos suíços. O senhor tem uma estimativa do valor potencial e em que pé estão as discussões para a restituição?

S. B.: Existem dois tipos de bens congelados. Primeiro, ativos que pertenciam ao Estado líbio. Esses ativos não são um problema para o governo suíço, que os estima a 760 milhões de dólares, depositados atualmente no Banco Central Suíço. Durante uma conferência organizada pela França em 1° de setembro, a chanceler Micheline Calmy-Rey anunciou que Berna estava pronta a liberar 380 milhões de dólares.

Aguardamos agora um encontro no Banco Central Suíço para determinar os procedimentos de restituição desses 380 milhões de dólares. Discutiremos posteriormente os fundos restantes.

Quanto aos ativos da família Gaddafi e de próximos do regime, ninguém pode estimar o valor. O governo suíço não interfere nessa questão, mas propôs nos fornecer uma assistência jurídica a respeito desses fundos.

No final do século 19, os primeiros comerciantes suíços se instalaram na Líbia. A Suíça reconheceu o novo Estado imediatamente após a declaração de independência, em 1951. Uma dezena de suíços viviam na Líbia na época.

Com a chegada das companhias de petróleo, muitos geólogos, técnicos e especialistas suíços foram para a Líbia. Juristas suíços como Eduard Zellweger (1901-1975) foram conselheiros do governo.

Em 1965, a Suíça abriu um consulado em Trípoli e uma embaixada em 1968.

A breve detenção de Hannibal Gaddafi em meados de julho de 2008, em Genebra, provocou tensões políticas entre a Líbia e a Suíça. As autoridades líbias tomaram medidas coercitivas contra pessoas de nacionalidade suíça e empresas suíças estabelecidas na Líbia. Em 23 de fevereiro de 2010, um dos suíços retidos na Líbia voltou ao país e o outro em 13 de junho.

Com os acontecimentos recentes, as relações bilaterais entre a Suíça e a Líbia devem se normalizar progressivamente.

Au vu des développements récents, les relations bilatérales entre la Suisse et la Libye devraient se normaliser progressivement.

Fonte: Ministério suíço das Relações Exteriores (DFAE)

Funcionário das Nações Unidas

Expulso da Universidade de Benghazi em abril de 1976, Sliman Bouchuiguir deixa a Líbia. Ele e dez de seus colegas receberam ameaças dos “guardas revolucionários” dirigidos por Abd-al-Salam Jallud.

Posteriormente ele é contratado pelas Nações Unidas em Nova York, onde exerceu várias funções entre 1978 e 2003. Entre suas missões de paz esteve no Camboja, África do Sul e Haiti.

 Opositor no exílio

Em 1974, Sliman Bouchuiguir participa da criação da Liga de Estudantes líbios de Washington, que se tornou posteriormente em União Geral dos Estudantes líbios da América.

Em janeiro de 1976, participa de um ataque à embaixada líbia em Washington. Em julho do mesmo ano, seu passaporte e o de alguns colegas, é confiscado e eles são considerados “instigadores da formação de uma frente contra a grande revolução de setembro.”

Em novembro de 1980, participa da fundação da Frente Nacional Democrática líbia.

Em março de 1989, faz parte dos fundadores da Liga Líbia pelos Direitos Humanos. Em 25 de fevereiro de 2011, faz um discurso diante do Conselho dos Direitos Humanos em Genebra que decide, então, interromper a participação da Líbia de Gaddafi.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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