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“O Brasil é muito mais do que o PSDB contra o PT”

Praça do Relógio vista do alto da Reitoria da USP, em São Paulo. CICA*FOTOS

A frase do doutor em Ciência Política Rolf Rauschenbach exprime uma de suas impressões sobre o clima da eleição presidencial no Brasil, em que o segundo turno será no próximo dia 26, entre o candidato do PSDB, Aécio Neves, e a presidente do país, candidata do PT, Dilma Rousseff. 

Pesquisador suíço afiliado ao Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo) e consultor independente na Suíça, Rauschenbach fala sobre as semelhanças das propostas de governos dos dois candidatos, da simpatia que teve pela candidatura de Marina Silva e das suas impressões sobre o próximo governante, seja ele do PSDB ou PT.

Rauschenbach, que morou no Brasil, também faz um comparativo sobre os modelos de campanhas brasileiras e suíças, que se diferenciam principalmente pela veiculação de publicidade no rádio e na TV. Para ele, o uso dos veículos audiovisuais no modelo brasileiro, que são proibidos nas campanhas suíças, conseguem apelar mais facilmente para as emoções dos cidadãos, abusando de uma maneira excessiva com mecanismos psicológicos, esquecendo que o processo democrático também deve ser um processo de iluminação e de amadurecimento emocional e intelectual dos cidadãos.

Diante do tamanho e da complexidade dos problemas brasileiros, Rauschenbach salienta preocupação com a crença generalizada no Brasil de que o presidente pode resolver todos os problemas do país. Ele compara ainda as constituições dos dois países, mostrando as similaridades teóricas – até mesmo a Constituição suíça como uma das inspirações para elaboração da brasileira. Porém, para ele, enquanto os conceitos básicos são os mesmos, a concretização é bem distinta. “E a meu ver, no caso brasileiro, com falhas importantes”, afirma Rauschenbach, que detalha o seu pensamento na entrevista a seguir.

swissinfo.ch: Qual a sua percepção sobre o atual cenário político do Brasil, com Dilma Rousseff e Aécio Neves disputando o segundo turno para a presidência da República?

 Rolf Rauschenbach: Existem duas interpretações desse cenário: ou os candidatos do PSDB e do PT são realmente os melhores representantes e, por isso, são aqueles que podem e devem disputar a presidência no segundo turno, ou as estruturas institucionais e socioeconômicas do Brasil perpetuam principalmente aqueles que já estão no poder, independentemente das suas qualidades. Na realidade, deve ser uma mistura dos dois fatores, já que são interdependentes. Mas me parece que, no Brasil, o segundo tem cada vez mais peso. Neste contexto, vale lembrar que em eleições majoritárias como as presidenciais, todas as forças convergem para o centro, já que é ali onde se ganha mais facilmente a maioria. As retóricas antagonistas entre o PSDB e o PT procuram estabelecer diferenças programáticas, que na realidade acabam sendo bem menores. Considerando o fato de o  Brasil ser um país enorme e complexo, me parece estranho achar que existem somente duas propostas – muito parecidas – sobre como fazer o Brasil progredir. Por isso, tive bastante simpatia pela Marina Silva e alguns outros chamados candidatos nanicos, até porque tenho certeza de que o Brasil é muito mais do que PSDB contra PT.

swissinfo.ch: O que achou das campanhas?

RR.: Em eleições, por definição, os candidatos são vistos antes das ideias e dos projetos. Por isso, as campanhas tendem a ser mais emotivas, mais pessoais do que as em torno de questões específicas, como é o caso em um referendo ou um plebiscito. No Brasil, essa tendência está ainda fortalecida pelo fato de que a maior parte da comunicação pública é transmitida pela TV e pelo rádio. Veículos audiovisuais conseguem apelar mais facilmente para as emoções dos cidadãos do que debates travados nas mídias impressas.

A meu ver, as campanhas atuais abusam de uma maneira excessiva destes mecanismos psicológicos. Afinal, não podemos esquecer que o processo democrático sempre deveria ser também um processo de iluminação, de amadurecimento emocional e intelectual dos cidadãos. Vejo poucas contribuições nessa direção, mas muito bate-boca vazio de ideias construtivas.

swissinfo.ch: O que se pode esperar com a vitória de Dilma ou de Aécio do ponto de vista dos programas de governo apresentados e das alianças que estabeleceram?

RR.: Pelo que vi, são poucas as promessas concretas de ambos os candidatos, e no fundo não acho que haverá diferenças programáticas substanciais entre um presidente Aécio ou uma presidente Dilma. Do lado do Aécio, seria suicídio mexer fundamentalmente com os programas sociais expandidos pelo PT. Da mesma forma, seria suicídio da Dilma não tomar medidas sérias a respeito da inflação, dívida pública, Petrobras etc. Porém, esperaria mais dinamismo do Aécio do que da Dilma. Ela e o PT me parecem intelectualmente esgotados. O PT precisa se renovar em termos de ideias e de pessoas. Conseguiria isso mais facilmente e com mais benefícios para o Brasil se estivesse na oposição.

swissinfo.ch: O que esperar da campanha neste segundo turno?

RR.: São semanas longas. Os apoiadores da Dilma podem atacar de uma maneira extremamente violenta o Aécio como eles o fizeram com Marina. No outro lado, existem várias brechas pelas quais o Aécio pode criticar e fragilizar a candidatura da Dilma. Ao meu ver, o jogo ainda está aberto. Acharia importante que os dois candidatos tentassem moderar os seus apoiadores para não esquentar mais este clima pesado.

swissinfo.ch: Antes da Copa do Mundo, o Brasil foi tomado por manifestações populares, que o senhor chegou a declarar que não sabia como não tinham acontecido antes, diante de tantos problemas do país. Como o senhor percebe esta tolerância e passividade da população em relação a má gestão dos governos em suas diversas instâncias?

RR.: É verdade. Do meu “ponto de vista suíço”, foi difícil entender a passividade da população brasileira. As manifestações de 2013 faziam muito sentido para mim. Mas deveríamos evitar uma interpretação romântica demasiada desses acontecimentos: de uma população de 200 milhões de habitantes, 1 milhão foi à rua. Nas pesquisas, o apoio aos manifestantes foi grande, mas já na época foi difícil tirar conclusões concretas sobre elas. Do “ponto de vista brasileiro”, a passividade é um senso bastante comum: há uma parte enorme da população, que todo dia tem que lutar pela sobrevivência e para a qual qualquer grande mudança tende a representar uma ameaça ao status quo fragilizado. É por isso que essas pessoas tendem a ter atitudes mais conservadoras. Mas é claro que as coisas mudarão somente a partir do momento no qual haja uma participação mais ampla e profunda de todos os cidadãos.

Rolf Rauschenbach Divulgação

swissinfo.ch: A eleição presidencial acaba sendo a mais discutida, mas as escolhas para o legislativo também são fundamentais. Como o senhor analisa o formato das campanhas e no que realmente contribuem para ajudar as pessoas a escolherem seus candidatos?

Sem dúvida, o foco das campanhas é para presidente. O presidente brasileiro é muito poderoso, comparando com outras democracias como França e Estados Unidos, e por isso fica ainda mais no centro das atenções. Como já mencionei, considero o peso dos veículos audiovisuais problemático, sem falar da qualidade das contribuições no horário gratuito e dos debates de TV quase esterilizados. Mas é muito simples criticar os formatos. O problema é mais fundamental. Os legislativos têm pouco poder, em particular no nível municipal e estadual, e por isso não recebem tanta atenção.

swissinfo.ch: O modelo político suíço poderia servir de exemplo para o brasileiro de alguma maneira, mesmo sendo países com diferenças tão grandes?

Apesar das diferenças óbvias entre a Suíça e o Brasil, os dois países têm constituições muito parecidas. São duas federações, por acaso ambas com 26 Estados – ou 26 cantões, no caso suíço. A autonomia dos municípios e dos estados é algo fundamental. As duas constituições preveem iniciativas populares e referendos, um fato que é raro no nível federal. Não há dúvida de que a Constituinte Brasileira se inspirou – entre outras fontes – na constituição Suíça. Mas enquanto os conceitos básicos são os mesmos, a concretização é bem distinta. E a meu ver, no caso brasileiro, com falhas importantes.

swissinfo.ch: Poderia exemplificar?

RR.: Pela Constituição, o Brasil é uma federação, mas na realidade temos uma centralização do poder muito grande. Em primeiro lugar, na presidência, depois, nos governadores. Os municípios são fracos e não usufruem a autonomia que deveriam ter em um regime federativo. Em parte, isso é devido à concentração das atividades econômicas e a subsequente arrecadação de impostos em grandes centros urbanos, deixando muitos outros municípios dependentes dos repasses estaduais e federais. Até um certo ponto, isto é inevitável. Existem também na Suíça municípios e cantões que dependem de repasses. Mas, me parece que no Brasil o desequilíbrio é grande demais. Vejo poucas ideias de como reverter este quadro. Todo mundo sempre olha para o presidente, em vez de tomar uma atitude de responsabilidade própria. Outro exemplo são os processos de democracia direta, como a iniciativa popular ou o referendo. As versões brasileiras desses mecanismos são pouco participativas e não permitem aos cidadãos aproveitar o potencial inovador e transformador que é inerente a eles.

swissinfo.ch: E como isso se complica no Brasil?

RR.: O resultado dessas distorções é uma desvantagem institucional que não é fácil para compensar. No fundo, leva a maioria a atitudes menos responsáveis, já que aparentemente somente o presidente ou o governador têm capacidade de avançar as questões. É obvio que assim os desafios complexos que o Brasil enfrenta nunca poderão ser resolvidos. É preciso a contribuição de cada um.

Rolf Rauschenbachs é Pós-Doutorando em Ciência Política (USP), Doutor em Ciência Política (Universität St. Gallen, Suíça), Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais (Universität St. Gallen), Bacharel em Economia e Administração (Universität St. Gallen), com intercâmbios em Economia e Administração (Université Catolique de Louvain-la-Neuve, Bélgia e New York University, EUA), em Ciência Política (Institut des études politiques de Paris, França) e em Filosofia (Universität Basel, Suiça). Atualmente é bolsista da FAPESP e pesquisador no NUPPs, trabalhando sobre os processos de democracia direta (plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei) no Brasil.

Fonte; NUZPPs (Núcleo de Pesquisas em Plíticas Públicas da Universidade de São Paulo).

swissinfo.ch: Os recursos que os partidos recebem de empresas para as campanhas são alvo de muita polêmica. O senhor acredita em algum formato ideal para que as campanhas possam ser feitas sem que a máquina do governo sirva depois como uma moeda de troca?

RR.: Uma forma ideal não existe. O processo democrático implica certas intenções normativas, mas não anula o fato de que interesses distintos lutem pelo poder. Nessa luta são usadas armas de vários tipos: argumentos e dinheiro talvez sejam as mais importantes. A presença de dinheiro é inevitável e nem sempre necessariamente problemática. O estabelecimento de transparência sobre o financiamento de campanhas já é um progresso importante. Talvez seja necessário comunicar estes dados mais ativamente, por exemplo, durante o horário gratuito.

swissinfo.ch: Como é a situação na Suíça?

RR.: Na Suíça encontramos fatos quase curiosos. Não há nenhum regulamento sobre o financiamento de campanhas e partidos: não há limites, não há transparência, nada! Este problema é parcialmente sanado pela proibição de qualquer informação publicitária eleitoral no rádio e TV. E nenhum candidato pode veicular propaganda em rádio ou TV. Há anúncios nos jornais, panfletos enviados pelo correio e pela internet… Isso reduz bastante os custos, porque o que realmente encarece as campanhas são os programas de rádio e TV. A princípio acho isso uma solução genial, pois o que se vê na publicidade política na grande maioria não tem nenhum valor educativo. Custa muito e atrapalha o processo. Mas em um país como o Brasil, que tem uma população tão grande e com tantos analfabetos (ainda que funcionais), não poderia sobreviver sem rádio ou TV. Não acho que o modelo suíço seja viável para o Brasil.

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