Salário mínimo: cantões suíços avançam apesar do revés nacional
Vaud deverá ser o mais novo cantão suíço a votar uma lei de salário mínimo, se juntando aos outros cantões que definiram regras locais para o piso salarial nos últimos anos. Milhares de assinaturas em defesa de um pagamento mínimo de CHF 23 (US$ 25) por hora trabalhada foram reunidas e entregues por ativistas do cantão. No entanto, uma proposta de lei nacional que está tramitando pode anular grande parte do impacto da mobilização de Vaud.
No início de outubro, em Lausanne, ativistas entregaram 32 mil assinaturas em defesa de duas iniciativas legislativas separadas, mas mutuamente dependentes: uma focada em ancorar o princípio do salário mínimo na constituição cantonal e outra que trata de regras para implementá-lo.
Os sindicatos e partidos de esquerda apontam que as propostas são “oportunas”, uma vez que a inflação, os custos dos cuidados de saúde e os preços dos aluguéis estão pressionando os trabalhadores com baixos rendimentos. Eles defendem que as autoridades encaminhem as iniciativas com agilidade, colocando-as rapidamente para votação.
Uma década depois de os eleitores suíços rejeitarem categoricamente um salário mínimo nacional de CHF 22 – que teria sido confortavelmente o mais elevado do mundo – as mobilizações em Vaud mostram como a questão se deslocou para o nível cantonal e local.
Nos últimos anos, cinco dos 26 cantões suíços votaram a favor de um salário mínimo: Neuchâtel em 2017 (CHF 20,77), Jura em 2018 (CHF 20,60), Genebra em 2020 (CHF 23), Ticino em 2021 (CHF 19) e Basel City este ano (CHF21) – desde então, alguns valores foram ajustados para cima devido à inflação. Iniciativas similares também estão avançando em vários outros cantões e, em junho, Zurique e Winterthur se tornaram as primeiras cidades a seguir o exemplo, estabelecendo o piso mínimo de CHF 23,90 e CHF 23, respectivamente.
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Resistência e oposição
No entanto, as mobilizações por salários mínimos a nível local enfrentam resistência jurídica e política. As leis de Zurique e Winterthur, por exemplo, estão atualmente bloqueadas por recursos legais interpostos por grupos patronais. “Se cada município definir o seu próprio salário mínimo, isso nos levará a situações absurdas”, disse a porta-voz dos empregadores de ZuriqueLink externo, Nicole Barandun, à rádio pública suíça, SRF, no mês passado. O seu grupo demanda esclarecimentos sobre a legalidade de um salário definido municipalmente.
Resta saber se a iniciativa local será bem-sucedida ou não. Em 2017, o tribunal federal decidiu que os salários mínimos definidos em nível cantonal eram constitucionais. Mas legislações de nível municipal são uma novidade. Segundo a SRF, as autoridades de Zurique e Winterthur estão avançando com os preparativos para introduzir a lei.
Mas em Berna, as propostas de um piso mínimo salarial sofrem um revés. Em dezembro passado, o parlamento votou a favor de uma moção que dá preferência aos acordos de negociação coletiva em detrimento dos salários mínimos cantonais ou locais.
O texto do político do Partido do Centro, Erich Ettlin, propõe que nos setores onde tenha sido negociado um acordo salarial coletivo nacional, este se aplicaria independentemente de uma taxa mínima cantonal – mesmo que os salários negociados fossem mais baixos. Embora esta previsão já esteja incorporada nas leis de três cantões, teria um impacto nos salários mínimos de Neuchâtel e Genebra – onde, o sindicato UNIA estima que a medida resultaria numa queda mensal de CHF 1.000 no rendimento dos cabeleireiros, por exemplo.
A proposta de Ettlin está atualmente na mesa do governo, que irá elaborar uma lei e devolvê-la para apreciação no parlamento. Grupos de esquerda dizem que continuarão a combater a iniciativa, inclusive a partir da coleta de assinaturas visando um novo referendo nacional.
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Peculiaridade suíça
Olhando de fora, as discussões salariais podem parecer detalhes pequenos em um país onde os salários são, de qualquer forma, elevados.
No entanto, internamente, os debates sobre o salário mínimo mostram a forma como os partidos políticos operam no sistema político suíço federativo, concentrando os esforços mais a nível nacional ou local, dependendo da questão.
O tema do salário mínimo – tal como outras questões como a licença paternidade ou os direitos dos imigrantes ilegais – é um exemplo de como as cidades podem introduzir “ideias de esquerda que não têm qualquer tração a nível nacional”, escreveu o jornal NZZ am Sonntag em Junho.
Um salário mínimo de CHF 23 por hora, ou CHF 4.186 por uma semana de 42 horas de trabalho, é de fato alto se comparado com outros países. Na Europa, o próximo valor mais próximo seriam os 2.508 euros pagos em Luxemburgo (2.414 francos suíços). Na Alemanha, o salário mínimo é de 12 euros por hora. No entanto, os custos de vida são mais elevados na Suíça e, em certa medida, os salários acompanham o movimento – atualmente no país, a média salarial bruta é de CHF 6.665.
Porém, em 2021, cerca de 745.000 pessoas (de uma população de quase 9 milhões) viviam com um rendimento abaixo do limiar da pobreza – definido como uma média de CHF 2.289 por mês para uma única pessoa e CHF 3.989 por mês para dois adultos e dois filhos.
A tendência faz parte de uma “mudança política” dos últimos anos, marcada pelo fortalecimento das políticas de esquerda nas zonas urbanas, enquanto as áreas rurais permanecem conservadoras, considerou o jornal. Os partidos de esquerda estão cientes e têm usado a nova realidade em seu benefício.
Nesse cenário, a direita política – no papel, tradicionalmente uma firme defensora da descentralização – pode acabar assumindo uma posição oposta, lutando por mais decisões nacionais, como no caso da questão salarial.
Justificando o seu apoio à moção de Ettlin em Dezembro passado, os parlamentares de direita disseram que a proposta iria “reforçar a parceria social, que garantiu relações laborais pacíficas na Suíça durante mais de 100 anos”.
Da mesma forma, a direita que frequentemente defende a democracia direta, neste caso, contudo, argumenta que as votações cantonais sobre os salários mínimos poderiam pôr em perigo o equilíbrio histórico entre empregadores e empregados.
“Há uma decisão democrática, por um lado, e um Estado de direito, por outro; não se pode votar em tudo”, disse Barandun, porta-voz dos empregadores de Zurique, à SRF.
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Corrida para a votação
No caso de Vaud, os ativistas não se desanimaram com o revés em Berna. Na verdade, o texto entregue no início de outubro afirma explicitamente o oposto da ideia de Ettlin, ao estipular que a proposta salarial de CHF 23 deve ser priorizada em relação aos acordos coletivos.
“O salário mínimo é uma ferramenta de política social” para permitir que os trabalhadores vivam “com dignidade”, escrevem os ativistas no seu site. Outros aspectos dos acordos coletivos, como a formação, os direitos de férias e as disposições de progressão na carreira, permanecerão válidos.
Em relação à proposta de Ettlin, os ativistas dizem que ela não só levanta “grandes problemas institucionais”, mas que o processo de validação pode levar anos – apontando que cantão de Vaud deveria, entretanto, ter o direito de “tomar uma decisão soberana sobre a questão”.
Dito isto, também poderá levar algum tempo até que os cidadãos de Vaud possam decidir: os ativistas disseram ao jornal Le Temps que não esperam uma votação antes de 2025, no mínimo.
(Adaptação: Clarissa Levy)
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