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Vontade política orienta caso Marcos nas Filipinas

As vítimas do ditador filipino Ferdinand Marcos estão finalmente se aproximando da fortuna escondida por ele em bancos suíços. Apesar da demora, o complexo processo serve agora de modelo internacional para a recuperação de ativos de ditadores.

Mural mostrando o presidente Ferdinand Marcos, deposto em 1986 após 20 anos de ditadura. AFP

Cerca de 47 mil pedidos de indenização foram apresentados, mais do dobro que o esperado, e mais estão sendo aceitos até 30 de maio O pagamento é esperado para o próximo ano – exatamente três décadas depois do congelamentos das contas do ditador pelas autoridades suíças.

A longa espera tem agravado os problemas, de acordo com um post na página do Facebook da associação filipina de defesa das vítimas de Marcos.

“Já é difícil refazer e reviver a experiência e passar por isso seguidas vezes por causa de detalhes técnicos. Isso é muito, muito, muito frustrante”, escreve Marlette Marasigan. “Nós já somos vítimas aqui e agora somos vítimas do processo, também.”

O processo de praticamente todos esses casos no mundo é longo e fastidioso e usa um método estabelecido pela Suíça e as Filipinas em suas negociações.

A Suíça abriu o caminho nesse sentido, devolvendo 1,8 bilhão de dólares para os países pilhados por seus governantes, entre eles as Filipinas. Isso representa mais de um terço dos 5 bilhões de dólares em restituições mundiais estimados pelo Banco Mundial.

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Porém, o montante também destaca a concorrência relativamente fraca para ser o “melhor da classe” entre os benfeitores, de acordo com Gretta Fenner, diretora do Instituto de Governança da Basileia, que ajuda os países na recuperação de ativos e no combate à corrupção.

Criadora de tendências

A Suíça, e seus reputados banqueiros, vêm trabalhando nas duas últimas décadas para acabar com a reputação de lavadores de dinheiro sujo do mundo. A pressão dos Estados Unidos e de outros países no combate à evasão fiscal e ao crime do colarinho branco também incentivou mais transparência.

O congelamento das contas suíças de Marcos, em 1986, marcou a primeira vez que o governo suíço retornava tais fundos ao seu legítimo proprietário.

“Foi a partir daí que a Suíça começou a desenvolver sua política de recuperação de ativos, realmente com o caso Marcos”, disse Fenner.

“Se isso foi por razões de imagem ou por causa de um verdadeiro senso de responsabilidade e uma compreensão do papel da Suíça no combate à corrupção, eu não sei dizer”, conta Fenner. “Mas ficou claro para os suíços que a recuperação de ativos passou a ser uma questão para eles.”

O caso Marcos beneficiou da vontade política e de uma estreita cooperação dos dois países, cujas relações remontam há mais de 150 anos.

Os 685 milhões de dólares bloqueados nas contas de Marcos representam “uma das maiores somas já devolvidas por qualquer governo a um país outrora governado por um regime cleptocrático”, conta o porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Suíça, Stefan von Below.

“Isso marcou o início da agenda mundial de recuperação de ativos e estabeleceu novos padrões para futuras restituições e potenciais utilizações dos fundos adquiridos ilegalmente”, explica o diplomata. “Também teve um impacto direto nas negociações da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC) que denota um capítulo inteiro à recuperação de ativos.”

Para as Filipinas, o dinheiro devolvido ajuda a encerrar uma época difícil. Para a Suíça, ele reforça o argumento de que o país é sério na questão de não deixar que ditadores e regimes autocráticos abusem de seus centros financeiros.

A devolução de fundos públicos saqueados leva pelo menos alguns anos, dependendo do grau da troca de informações e da cooperação entre os países, e envolve questões legais e financeiras complexas. Novas leis suíças têm procurado acelerar o processo.

Esse tipo de restituição é considerado agora uma prioridade da política externa suíça. “A Suíça se tornou líder mundial neste campo”, disse von Below.

Atitudes instáveis

Foi preciso anos de negociações e muitas decisões judiciais em ambos os países para elaborar como as Filipinas poderiam usar os 685 milhões de dólares. Dois terços foram empregados em uma reforma agrária para beneficiar os agricultores sem terra, de acordo com a Constituição do país de 1987. O resto para a indenização das vítimas.

Em fevereiro de 2014, o presidente das Filipinas, Benigno Aquino III, criou um conselho especial para indenizar as vítimas que sofreram abusos e seus familiares. Durante os 20 anos da ditadura de Marcos, os opositores políticos sofreram tortura, execuções sumárias e desaparecimentos.

O governo suíço oferece uma assistência técnica para o conselho, que deve autenticar as reivindicações antes que o dinheiro seja pago.

A administração de Aquino espera distribuir o dinheiro antes do final de seu mandato, em junho de 2016, garante Andres Bautista, um advogado formado em Harvard, nomeado por Aquino para presidir a Comissão Presidencial de Bom Governo, que ficou encarregada da recuperação do dinheiro desviado por Marcos.

A mãe de Aquino, Corazon Aquino, criou essa comissão no mesmo ano em que ela derrubou o governo de Marcos e os suíços congelaram as contas do ditador.

Marcos, que impôs a lei marcial em seu país entre 1972 e 1981, acabou morrendo no exílio no Havaí em 1989.

O governo filipino recuperou cerca de 4 bilhões de dólares em ativos de Marcos, mas acredita-se que outros 6 bilhões continuem escondidos em algum lugar.

Essa fortuna parece ser movimentada volta e meia. No ano passado, por exemplo, um ex-assessor da ex-primeira-dama das Filipinas foi preso tentando vender um quadro de Claude Monet por 32 milhões de dólares a um comprador suíço.

“É por isso que continuamos procurando o dinheiro na Suíça e em outros países europeus”, disse Bautista, embora as autoridades suíças tenham garantido ao governo filipino que não há mais nenhum ativo desviado por Marcos no país.

Adaptação: Fernando Hirschy

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