Neve artificial para salvar as geleiras dos Alpes
As geleiras nos Alpes estão derretendo devido ao aquecimento global. Enquanto as populações esperam que as orações surtam efeito, pesquisadores tentam combater o derretimento das geleiras com soluções tecnológicas.
No início de maio, quando a Suíça foi coberta por um manto branco de neve até às planícies, muitas pessoas olharam para o céu com descrença. Os agricultores temiam pela colheita. Já os motoristas tinham medo de conduzir com os pneus de verão.
Para o glaciólogo (pesquisador de glaciares ou geleiras) Felix Keller, o evento foi um presente do céu. A extraordinária queda de neve prolongou o inverno alpino e proporcionou às geleiras uma proteção adicional contra os raios solares, diz.
Por que as geleiras são importantes
Desde os picos dos Alpes até as planícies: uma série de artigos publicado no site da swissinfo.ch ilustra as consequências do derretimento das geleiras em diferentes altitudes e apresenta as estratégias de adaptação e proteção.
3000 – 4500 metros: as geleiras alpinas e a paisagem
2000 – 3000 metros: turismo e riscos naturais (publicado em setembro)
1000 – 2000 metros: produção hidroelétrica (outubro)
0-1000 metros: recursos hídricos (novembro)
Mas apesar da queda de neve incomum no final da primavera, as geleiras continuam a derreter. As duas ondas de calor que atingiram a Suíça entre o final de junho e o final de julho – quase 30 graus em Zermatt, ao pé do Matterhorn – intensificaram ainda mais o fenômeno.
Matthias HussLink externo, chefe da Rede de Monitoração de Geleiras na Suíça (GlamosLink externo), escreveu no Twitter que as geleiras alpinas perderam cerca de 800 milhões de toneladas de gelo e neve durante os 14 dias de onda de calor.
A perda equivale a um “cubo de gelo” três vezes mais alto do que a Torre Eiffel, em Paris. Ou a quantidade de água potável consumida pela população suíça (8,5 milhões de pessoas) por ano, explicou Huss.
Geleiras desaparecem em 2100?
O derretimento das geleiras não é um fenômeno novo: desde 1850, o volume das geleiras alpinas diminuiu cerca de 60%. No entanto, o que surpreende os observadores é a velocidade com que os “gigantes” dos Alpes estão desaparecendo.
“Minha impressão é que a velocidade de derretimento das geleiras aumentou dramaticamente nos últimos dez anos”, diz Simon Oberli, um fotógrafo suíço que documenta o fenômeno com imagens panorâmicas espetacularesLink externo.
+ Descubra o que se passa na maior geleira da Europa
Huss, chefe do Glamos, também observa que o derretimento das geleiras se acelerou desde 2011. Somente no ano hidrológico de 2017-2018, as aproximadamente 1500 geleiras suíças perderam cerca de 2,5% de seu volume totalLink externo.
Se as coisas continuarem nesse ritmo, metade das geleiras alpinas desaparecerá nos próximos 30 anos, como mostra um estudo recenteLink externo do Escola Politécnica Federal em Zurique (ETH) e do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Florestal, Neve e Paisagem.
E se nada for feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, os pesquisadores alertam que todas as geleiras na Suíça e na Europa quase derreterão completamente até o final do século.
Alpes sem rosto
Na Suíça, um país particularmente afetado pelo aquecimento global, as consequências do encolhimento das geleiras são múltiplas. Dependendo da altitude acima do nível do mar, estas podem ser físicas, geográficas ou econômicas. Os setores mais gravemente afetados são o turismo, a energia hidroelétrica, os recursos hídricos e a prevenção dos riscos naturais.
Geleiras contam histórias
O encolhimento de geleiras também pode ter efeitos positivos. Achados arqueológicos e restos humanos, que vieram à luz durante o recuo do gelo (entre eles “Ötzi”, uma múmia originária do Neolítico tardio encontrada em 1991 na região do Ötztal, Tirol do Sul, Itália) fornecem informações valiosas sobre o passado. Por exemplo, sobre a mobilidade das pessoas através dos Alpes e sobre atividades em grandes alturas.
Nas regiões mais altas do país, entre 3000 e 4500 metros acima do nível do mar, a redução da massa de gelo altera inevitavelmente a paisagem alpina. Juntamente com as geleiras, parte da identidade nacional que ajudou a tornar a Suíça conhecida no mundo também está desaparecendo. Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), com o desaparecimento das geleiras, a face dos Alpes “nunca mais será a mesma.”
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Comparação: geleira do Trento em 1891 e 2010
A Suíça também perde também uma importante herança nacional: 62% das geleiras suíças estão incluídas no Inventário Federal de Paisagens e Monumentos NaturaisLink externo. Com o recuo das geleiras, “parte da nossa história desaparecerá”, afirma a deputada-federal Lisa Mazzone.
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Comparação: geleira de Ferpècle em 1900 e 2010
Como uma geleira pode ser salva?
O derretimento das geleiras pode ser retardado por várias medidas. No cantão de Valais, por exemplo, parte da geleira do Ródano está coberta há mais de dez anos com lonas brancas, especialmente desenvolvidas para protegê-las dos raios solares. O objetivo é proteger a gruta de geloLink externo, uma das mais importantes atrações turísticas dos Alpes.
Huss salienta que essas lonas, chamadas “Geotêxteis2, são muito eficazes em pequena escala, quando o processo de derretimento local deve ser reduzido por razões econômicas. “Mas não servem para salvar a geleira como um todo. Os custos são muito mais elevados do que os benefícios. Também me pergunto se os turistas gostariam de vê-las embrulhadas em panos sujos.”
O glaciólogo suíço Felix Keller tem outra ideia: reciclar a água que derrete da geleira durante o verão. “Poderíamos armazená-la em grandes alturas e transformá-la novamente em gelo no inverno. Ou poderíamos usá-la para produzir neve artificial, que é a melhor proteção possível para as geleiras”, diz.
Em termos concretos, Keller propõe a instalação de um sistema de produção de neve independente do solo e sem a utilização de energia elétrica sobre uma geleira. Um sistema patenteadoLink externo por uma empresa suíça poderia produzir 30 mil toneladas de neve por dia.
“De acordo com meus parceiros é viável”, diz Keller, também gerente de projeto nesse sistema. Em agosto foi lançado um projeto-piloto no valor de 2,5 milhões de francos suíços para proteger a geleira MorteratschLink externo, no cantão dos Grisões, com duração de 30 meses. Com o apoio da Agência Suíça de Promoção da Inovação, vários institutos de pesquisaLink externo e parceiros industriais, Keller espera encontrar parceiros interessados não apenas na Suíça, mas também em várias regiões da Europa, Himalaia e América do Sul.
O método é interessante, diz Huss. “Mas os desafios tecnológicos, os custos totais e o impacto no meio ambiente são enormes”, considera.
Rezar também ajuda?
Outros confiam nas forças divinas. Duas comunidades do cantão do Valais, por exemplo, alteraram o texto de uma antiga oração com aprovação do Vaticano.
Até então a oração apelava pela contenção do crescimento da geleira do Aletsch – a maior da Europa continental – e com isso, para evitar o risco de inundações. A partir de 2011 a reza mudou: hoje os fiéis pedem que esse sítio do Patrimônio Mundial da Unesco seja preservado do aquecimento global.
Huss, por sua vez, concentra-se nas pessoas: “As geleiras só podem ser salvas através de esforços globais para proteger o clima.” Se o aquecimento for limitado a dois graus Celsius, um terço do volume atual das geleiras alpinas ainda continuaria a existir até o final do século.
Iniciativa popular
Em 2019, a Associação Suíça de Proteção ao Clima lançou a iniciativa popular (n.r.: proposta de lei que é levada a plebiscito após recolhimento de assinaturas dos eleitores) intitulada “Por um clima saudávelLink externo“. Ela exige que as emissões na Suíça sejam reduzidas a zero até 2050, e que os objetivos fixados pela Convenção de Paris sobre o Clima sejam incluídos na Constituição suíça. A associação já recolheu quase 100 mil assinaturas, um número suficiente para levar a iniciativa à votação.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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