Conheça os engenheiros que constroem as máquinas para entender o universo
Ela pode não ser uma personalidade entre os físicos famosos do CERN, que teorizam sobre o que aconteceu nos nanossegundos seguintes ao Big Bang; mas sem engenheiros como Marta Bajko, que trabalham nos ímãs gigantes do Grande Colisor de Hádrons, esses físicos não poderiam testar suas teorias.
Nos shows de rock, temos as grandes estrelas que tocam a música, e os “roadies”, que garantem que ela aconteça: afinam os instrumentos, conectam e ligam os amplificadores e os alto-falantes.
As estrelas do rock no CERNLink externo – Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, com sede em Genebra – são os pesquisadores de física de partículas. Eles ganham os holofotes quando descobrem uma nova partícula subatômica que nos ajudam a entender como provavelmente era o universo quando nasceu e como é a sua composição atual.
Contudo, sem os engenheiros que projetam, constroem e testam as complexas máquinas e instrumentos que possibilitam a colisão proposital entre partículas quase à velocidade da luz, as equações matemáticas seriam apenas “notas” em papel.
Ímãs gigantes
Continuando com a analogia do Rock-and-Roll, Marta Bajko seria uma “roadie”. Porém, durante uma recente visita em sua companhia pelo CERN, ela não usava nem macacão ou jaleco, mas sim um vestido estampado psicodélico, meias arroxeadas e uma pulseira de fios de arco-íris feita por sua filha de sete anos.
Como líder da seção de testes SM-18 dos ímãs supercondutores do CERN, Bajko e sua equipe de cerca de 30 engenheiros e técnicos testam os ímãs gigantes que operam em temperaturas próximas do zero absoluto (-273,15 graus Celsius/-459,67 Fahrenheit) para alcançar a supercondutividade (sem resistência elétrica). Alguns desses ímãs foram projetados para “dobrar” prótons ao redor do Grande Colisor de Hádrons (LHC) de 27 quilômetros circulares do CERN.
O LHC tem 1.232 grandes ímãs dipolares que direcionam bilhões de prótons a cada segundo ao redor do colisor antes de se chocarem, deixando vestígios de partículas subatômicas ainda menores – como o famoso Bóson de Higgs, o qual explica porquê o universo tem massa.
“Nossa primeira função é o diagnóstico”, diz Bajko. “Recebemos um ímã e o testamos, tentando entender o que está funcionando bem e o que não está. Depois que nossos colegas fazem as correções necessárias, testamos o projeto final”. Somente após todos os testes serem bem-sucedidos é que o ímã é aprovado para instalação.
Quando um novo projeto de ímã está sendo testado, todo o processo – desde o teste inicial para aperfeiçoamento, os novos testes, a optimização e a aprovação final após a instalação – pode levar anos. Como exemplo, a equipe de Bajko começou a trabalhar no projeto de novos ímãs para a atualização do High Luminosity LHC em 2008. Todavia, o primeiro protótipo começará a ser testado apenas este ano, e a instalação final dos ímãs é esperada para 2025.
Bajko nasceu em Gheorgheni, na Romênia, e foi educada também em Budapeste, na Hungria. Como praticamente todo mundo no CERN, ela fala diversas línguas (húngaro, romeno, espanhol, francês, inglês e italiano). Seu primeiro emprego fora da universidade foi em Madri, no CEDEX.Link externo Foi lá que ela encontrou os dois amores da sua vida: engenharia criogênica de materiais magnéticos e seu marido, Juan Carlos Perez, que também é engenheiro do CERN.
“Eu me sinto maravilhada pelo fato de que no LHC todas essas pessoas e setores – nenhum mais importante que o outro – estejam trabalhando juntas”
Aplicações no mundo real
Um componente crucial dos grandes ímãs supercondutores do CERN, que medem 15 metros de comprimento e pesam 27 toneladas, são os cabos enrolados com fios feitos de liga de nióbio-titânio (NbTi) ou nióbio-estanho (Nb3Sn). Essas ligas são condutores elétricos excepcionalmente eficientes em temperaturas extremamente baixas que permitem a supercondutividade.
Os fios e os cabos feitos destas ligas também podem ser bonitos, comenta Bajko, dizendo que um dia gostaria de fazer joias com essas ligas. Em um vaso na sua mesa ela mantém um buquê saltitante dos fios de liga de nióbio-titânio, cabos e fitas em espiral de metal, juntamente com fibras ópticas verdes.
O que esta engenheira acha mais gratificante em seu trabalho? Correndo o risco de decepcionar cientistas “nerds”, não é a descoberta de partículas subatômicas esotéricas que criaram o universo: “Isso está muito longe para mim”. Ao invés disso, afirma que se realiza frente às “aplicações reais de criogenia, supercondutividade e ímãs”. Por exemplo, o desenvolvimento de tecnologias médicas, como os equipamentos de ressonância magnética nuclear (RMN), se deve muito ao trabalho realizado no CERN.
Juntando trabalho e diversão
Como chefe de setor, Bajko passa parte de seu tempo no escritório, em reuniões e trabalhando em esquemas e equações, mas ela adora mesmo é estar no que ela chama de “parquinho”: a área de testes do SM-18, que tem cerca de 2.500 metros quadrados com grandes máquinas e instrumentos de diagnóstico de metal pintados em cores vivas. Para alguns testes, os ímãs longos são colocados em uma “bancada criogênica”, onde são ligados simultaneamente para observar se as centenas de peças funcionam bem juntas. Cada ímã também é colocado em um dispositivo que ela chama de “a maior garrafa térmica do mundo” para testes criogênicos adicionais.
Uma bateria de testes em um único ímã pode durar mais de dois meses. À medida que o teste avança a temperatura é gradualmente esfriada e o ímã “passa por treinamento”. Os ímãs “aprendem” e tem também uma “memória”. Com ajustes sutis, os testes sucessivos se aproximam do desempenho projetado para o novo ímã em temperaturas próximas do zero absoluto.
Um dos desafios mais formidáveis para os engenheiros que trabalham com os ímãs supercondutores é fabricar componentes magnéticos à temperatura ambiente que devem operar a quase -300°C. Imagine construir um motor de carro em uma fábrica quente que precise funcionar em temperaturas mais frias que o espaço sideral.
“Eu me sinto maravilhada pelo fato de que no LHC todas essas pessoas e setores – nenhum mais importante que o outro – estejam trabalhando juntas”, afirma Bajko.
Então, como os físicos e engenheiros “roadies” trabalham juntos? A engenheira sorri. “Os físicos são um pouco sonhadores”. Em sua experiência, muitas vezes eles não consideram as dificuldades de se construir uma máquina complexa que talvez nunca tenha existido antes, mas que é absolutamente necessária para provar (ou não) suas teorias. Nem por vezes consideram o custo de projetar e construir tal máquina. Essas preocupações recaem sobre os engenheiros, que explicam aos físicos (e ao setor de orçamentos) o que ela chama de “viabilidade da fabricação”.
Talvez este seja o grande desafio e recompensa de explorar a física subatômica trabalhando com a engenharia criogênica de materiais magnéticos – ou qualquer tipo de engenharia. “Meu trabalho não está apenas no papel ou em uma tela, mas em toda essa instalação que eu posso ver e tocar. E está funcionando”.
Tradução: Renata Bitar
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