Poderia a Zika se espalhar pela Suíça?
Um objeto de pesquisa fugitivo zumbe pelo ar em busca de sua próxima vítima. Este mosquito é de fato saudável, mas logo cientistas em Zurique irão infectar mosquitos exóticos encontrados na Suíça para ver se eles podem transmitir o vírus da Zika para humanos.
Você provavelmente já ouviu falar sobre o vírus da Zika e de como ele é associado a defeitos fetais – notadamente, microcefalia ou uma cabeça anormalmente pequena – quando mulheres grávidas são afetadas.
Por ser uma doença transmitida pelo mosquito, a Zika tem ganhado as manchetes principalmente por seu impacto em regiões tropicaisLink externo nativas da América do Sul, sudeste da Ásia e África central e ocidental. Mas a pesquisa sobre a Zika é também necessária na Suíça, onde 41 casos foram registrados em 2016. As mudanças ambientais, aliadas ao moderno aumento das viagens internacionais, significam que hoje patógenos podem facilmente entrar na Europa vindos do exterior.
“A Zika foi descoberta em Uganda (em 1947) junto com muitos outros vírus que nunca haviam contaminado humanos porque existiam em um ambiente completamente isolado. Mas, quando você começa a cortar a floresta e a juntar habitats humanos e animais, então os mosquitos podem pular de um hospedeiro para outro”, explica Eva Veronesi, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Zurique (UZH).
A entomologista italiana lidera um time de pesquisadores no Instituto de Parasitologia da UZH em uma missão para determinar quais espécies exóticas de mosquito encontradas na Suíça podem potencialmente espalhar a Zika. Seu trabalho neste tópico – chamado de competência vetorial – faz parte de um projeto de pesquisa internacional com 53 parceiros financiado pela União Europeia chamado ZikAllianceLink externo.
Uma questão de competência
Normalmente, a Zika é conhecida por ser transmitida entre humanos via contato sexual e também da mãe grávida para a criança ainda antes de ela nascer. Mas a maneira mais comum de contágio é através da picada da fêmea do mosquito-tigre egípcio – também conhecido como mosquito da febre amarela – Aedes aegypti.
Ele não é um grande problema para a Suíça, uma vez que esta espécie não pode sobreviver no clima da Europa Central. No entanto, duas outras espécies exóticas de mosquito podem: o Aedes albopictus (mosquito-tigre asiático), que veio do sudeste da Ásia e foi detectado pela primeira vez em 2003 no cantão do Ticino, no sul da Suíça; e o Aedes japonicus (mosquito de arbusto asiático), que é nativo de Japão e Coréia e foi observado pela primeira vez na Suíça em 2008.
Uma pesquisa recenteLink externo confirmou que o Aedes albopictus é fisicamente capaz de transmitir o vírus da Zika, e ele é atualmente classificado como um “potencial” vetor da doença entre humanos. Mas o status do mosquito de arbusto asiático neste aspecto permanece desconhecido – e é isso que Veronesi e sua equipe buscam descobrir.
“Nós temos demonstrado que o Aedes japonicus pode transmitir outros patógenos como o vírus do Oeste do Nilo e, pelo fato de estar na mesma família do vírus da Zika, há uma boa chance de que a Zika possa ser transmitida pelo Aedes japonicus também”, diz Veronesi.
Os pesquisadores têm atualmente coletado ovos de diferentes populações de Aedes japonicus em torno da Suíça. Eles planejam levar os ovos até a idade adulta para depois os infectar com diferentes cepas de Zika oriundas da África, da América do Sul e da Ásia. Uma vez infectados, os mosquitos serão testados para ver se podem espalhar o vírus.
Os pesquisadores irão também testar o potencial dos mosquitos para a transmissão do vírus sob diferentes condições de temperatura, incluindo aquelas que refletem a temperatura média suíça. Outro fator que determinará quais mosquitos são vetores “competentes” da Zika é se o vírus pode sobreviver dentro de seus corpos o tempo suficiente para alcançar suas glândulas salivares. Isso porque a cada vez que a fêmea do mosquito pica, ela primeiro injeta um pouco de saliva na ferida para evitar que o sangue de sua vítima coagule.
Caça ao ovo
Ao todo, existe cerca de 32 espécies de mosquito na Suíça, incluindo a espécie nativa mais comum, o Culex pipiens. Mas, Veronesi e sua equipe mantêm seu foco nos mosquitos exóticos, já que existe a evidência de que eles podem espalhar doenças similares, como o vírus do Oeste do Nilo.
Veronesi explica que ela e sua equipe têm coletado ovos de mosquito em Zurique e planejam coletar mais ao longo de toda a Suíça. Para ter a certeza de que estão coletando somente ovos do mosquito de arbusto asiático, eles utilizam armadilhas que reproduzem os locais onde o inseto se reproduz naturalmente. Estes lugares tendem a ser superfícies úmidas e escuras – em contraste com outras espécies de mosquito que depositam ovos diretamente sobre a água parada.
“Nós enchemos pequenos recipientes pretos de plástico com água de torneira e então colocamos em seu interior uma pequena tira de papel especial que absorve a água. O mosquito deposita seus ovos no papel”, explica Veronesi. “Em uma semana em Zurique, nós coletamos mais de 10 mil ovos com 30 armadilhas”.
Se preparando para o pior
Desde o surto de Zika no Brasil em 2015, houve casos esporádicos reportados na Suíça. Em 2016, a cidade de Locarno, no Ticino, adotou multas pesadas para os residentes que falharam ao tomar precauções para minimizar as populações do mosquito-tigre asiático, o que inclui fechar recipientes de lixo firmemente e eliminar focos de água parada. Mas, até agora a taxa de incidência na Suíça felizmente não alcançou proporções epidêmicas.
Então, o que acontecerá se os pesquisadores da UZH descobrirem que o mosquito de arbusto asiático é capaz de transmitir a Zika?
“Nós teremos que tentar reduzir as populações de mosquitos e nos preparar para uma possível epidemia na Europa. Existem métodos sofisticados que podem ser implementados em nível nacional”, diz Veronesi, citando os inseticidas químicos e bacteriológicos e também o controle da reprodução do mosquito através da liberação de indivíduos esterilizados.
Ela acrescenta que os primeiros resultados são esperados para o fim deste ano ou o início do ano que vem.
“Um resultado positivo deve ser levado seriamente em consideração porque é claro que nós todos viajamos e não existem fronteiras para insetos ou patógenos”.
Dados da Zika segundo o Centro de Controle de Doenças dos Estados UnidosLink externo e a Organização Mundial de SaúdeLink externo (OMS)
– O vírus da Zika foi observado pela primeira vez em 1947, com o primeiro caso documentado em humanos em 1952.
– O vírus foi batizado com o nome da Floresta Zika, em Uganda.
– O primeiro grande surto em humanos não foi documentado até 2007, na Micronésia.
– A Organização Mundial de Saúde declarou a Zika uma emergência sanitária internacional em 1° de fevereiro de 2016.
– O vírus da Zika forneceu a primeira instância documentada de transmissão sexual de uma doença usualmente propagada por insetos.
– Como os sintomas da infecção da Zika – febre, erupções cutâneas, dor muscular e nas articulações e olhos vermelhos – são geralmente leves e muitos similares a muitas outras doenças, é difícil estimar o verdadeiro número de casos.
– Atualmente não existe vacina ou cura para a Zika.
– Muito raramente a Zika é fatal.
– Além da microcefalia, a “a síndrome congênita do vírus da Zika” observada em fetos expostos ao vírus durante a gravidez inclui convulsões e problemas na audição, visão e deglutição, e também abortos espontâneos e fetos natimortos.
Dois projetos de pesquisa para o Horizonte 2020
O projeto ZikAllianceLink externo é apoiado pelo Programa de Pesquisa e Inovação Horizonte 2020 da União Europeia, dentro do Contrato de Subvenção ZikAlliance nº 734548 para melhor entender os aspectos clínicos fundamentais das infecções pelo vírus da Zika. Projeto de três anos que envolve 11,9 milhões de euros (CHF 12,9 milhões) e tem 53 parceiros em toda a Europa, a pesquisa tem foco especialmente nos impactos da infecção da Zika durante a gravidez e na história natural do vírus.
O projeto Infravec2Link externo recebeu financiamento do Programa de Pesquisa e Inovação Horizonte 2020 da União Europeia dentro do Contrato de Subvenção nº 731060. Financiado por quatro anos com 10 milhões de euros (CHF 10,9 milhões) e com 24 sócios, a iniciativa fornece infraestrutura e recursos para grupos de pesquisa que estudam insetos vetores de doenças humanas e animais, incluindo mosquitos, pulgas, carrapatos e mariposas.
Maurício Thuswohl
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