Brasileiros no exterior se ajudam pelas redes sociais
"Vocês conhecem um pediatra que fale português?", "preciso de uma manicure na região do Valais e que não cobre caro", "a minha vizinha espanca a filha dela, a quem devo denunciar?". Basta entrar em grupos de brasileiros pelo mundo para ler esse tipo de postagem.
Tem de tudo: desde perguntas sobre compras de produtos típicos a pessoas chamando outras para tomarem um café porque sentem-se sozinhas.
Pois é assim, pelas redes sociais e eventos divulgados por lá, que a comunidade brasileira na Suíça e pelo mundo se ajuda, se fortalece, se informa, se integra e, pasmem, sobrevive. A função social desses grupos é tão importante que desistir de um suicídio não é exagero para descrever o que os grupos gerenciados por migrantes em redes sociais são capazes de fazer por seus semelhantes. Muitas vezes invisíveis aos olhos do governo suíço e de outros países, as comunidades digitais de expatriados são capazes de salvar vidas.
Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.
Carência de afeto
A administradora de empresas Rafaela Pinheiro, que gerencia o grupo de no Facebook Brasileiras na SuíçaLink externo, com quatro mil integrantes, se orgulha de ter conseguido fazer com que uma das participantes, desesperada por sua condição de grávida sem dinheiro e apoio, tenha desistido de se matar depois de uma conversa com ela.
– Eu presto muito atenção ao que acontece nos grupos dos quais eu participo. Se leio alguma mensagem com potencial de sofrimento, como violência doméstica, por exemplo, chamo a pessoa para uma conversa privada no inbox e tento ajudar. Muitas vezes, essas mulheres só precisam de alguém que as ouça e oriente no idioma delas – explica.
A catarinense faz questão de explicar que ela indica às brasileiras profissionais indicadas para ajudarem no problema específico. “Esse é o momento de informar sobre uma associação, sobre o número da polícia e ouvir”, conta Rafaela, que modera o grupo e presta esse tipo de trabalho de forma voluntária.
Inúmeros grupos em redes sociais
O Brasileiras na Suíça não é unanimidade no país, existem outros inúmeros grupos, basta digitar as palavras “brasileiros na Suíça” na rede social Facebook para encontrá-los, isso sem falar dos outros muitos ao redor do mundo e das comunidades de portugueses também. Tem para todos os gostos e necessidades: profissionais, influenciadores digitais, conterrâneos que se ajudam, para quem busca trabalho, para mães, para quem quer trocar ou vender roupas e objetos e assim por diante.
Ser social
O filósofo Friedrich Nietzsche já escrevia sobre o espírito gregário do homem. O brasileiro talvez seja ainda um pouco mais sociável que a média conhecida pelo pensador alemão do fim do século XIX. Sim, latinos em geral trazem em seu DNA características culturais coletivistas, o que significa que relações sociais são mais valorizadas nesses tipos de cultura.
Em 2019, ao se falar sobre conexão de pessoas, é preciso incluir as redes sociais no assunto, principalmente quando se trata de quem está longe de casa. No contexto migratório, há um reforço da necessidade de vínculo, já que foi quebrado quando se deixou o lugar de origem. Se a cultura dos trópicos reforça a imprescindibilidade do contato, a internet é a ferramenta que une.
Quando se trata de criação de comunidades, é preciso citar a doutora em antropologia do consumo, Hilaine Yaccoub. Especialista na matéria que estuda comportamentos das pessoas em relação às escolhas de produtos e serviços, ela morou durante quatro anos na favela carioca da Barreira do Vasco para escrever sua tese de doutorado. Ali investigou a dinâmica local e sua organização sócio econômica, cultural e política. Ao se inserir no mundo dos “de dentro” da comunidade, observou que os moradores encontraram um caminho particular para desenvolver formas de consumo compartilhado e colaborativo, a partir dos laços e vínculos sociais formados e estabelecidos em valores baseados em trocas de favores, numa espécie de assistência mútua.
Trocando em miúdos, quem tem torradeira, não compra liquidificador, porque usa o do vizinho. A rede de favores funciona porque cada um doa o que pode, ajudando o grupo. Os brasileiros na Suíça podem não precisar desse auxílio material, em geral têm acesso aos bens mais básicos. Necessitam, no entanto, de informação, dicas de médicos, experiência. Querem carinho, atenção, sensação de pertencimento, um colo amigo, nem que seja virtual. A favela, assim como os migrantes, são populações cujas necessidades são muitas vezes ignoradas por governantes. Para driblar a falta de recursos, contam com criatividade e união.
Um bom exemplo de necessidade extrema é o caso de mães migrantes. Se as de primeira viagem já são estressadas, imagina quando a experiência vem junto com o desafio de morar fora. Além das dúvidas normais, adicione nesse caldeirão de incertezas questões como a necessidade de integrar o filho suíço na cultura brasileira, o medo da criança não falar português, além de outras dúvidas que assolam as mulheres estrangeiras pelo mundo. Para sanar essas e outras dúvidas, além de promover a integração de famílias de língua portuguesa na Suíça, as brasileiras Graziela Villardo Birrer, Elis Zollinger, Rita Pacanowsky e Lígian Ter-Nedden criaram em 2012 o Mamães na SuíçaLink externo. Hoje elas não estão mais à frente do grupo, mas os encontros ainda acontecem, liderados hoje por Lya Pfenninger.
As moderadoras organizam, em geral às quartas feiras, encontros para que possam sair do mundo digital e tenham a possibilidade de se encontrar, trocar ideias e fazer amizades. O grupo também faz passeios nos fins de semana em família.
A paulistana Rita Pakanovsky, que entrou para a organização do grupo posteriormente e escreve o blog Mamães na Suíça, conta que antes de encontrar as organizadoras se sentia muito isolada e até solitária. “Eu tinha criança pequena, não conhecia ninguém e queria me integrar. Eu devo ao grupo as amigas que tenho hoje”. Lya Pfenninger também obteve com o grupo a força e as informações que ela precisava.
Acolhimento
A comunidade digital Mães ExpatriadasLink externo, integrada por mulheres brasileiras que vivam no exterior, está colecionando nomes de voluntárias para acolhimento psicossocial online. O grupo espera que profissionais voluntários, caso haja necessidade de intervenção, e também voluntárias que possam contribuir presencialmente na vida de alguém que precise de ajuda se inscrevam e doem um pouco do tempo para alguém que precise. O projeto funciona como uma rede de apoio ativa. Quem tiver interesse, pode se cadastrar no site Mães Expatriadas.
Dicas para usar a internet como ferramenta de integração em um novo país
As redes sociais são realmente de grande valia para quem mora no exterior. Ali, por trás da tela, pessoas se conhecem, se ajudam, trocam informações, se encontram pessoalmente e até se casam. Parece que os Governos ainda não têm noção do quanto esses grupos conseguem promover bem-estar, se coordenados de forma correta.
Mostrar mais
Brasileiras se encontram em Genebra para estimular as oxitocinas
As comunidades digitais têm o poder de funcionar como células dos países de origem, com informação rica e útil em língua materna. Como jornalista especializada em Migração e Integração, resolvi escrever esse curto texto para alertar para uma receita infalível ao navegar pelo mundo virtual: espírito crítico e equilíbrio, cuidado e discernimento – como tudo na vida.
Educação e paz – Espírito crítico não significa bater boca na internet. Isso só mostra falta de educação. Como vejo muita gente brigar nos grupos, nunca é demais dizer que, se não concorda, exponha sua ideia com educação, sem xingar.
Dúvidas médicas
Já tive a oportunidade de ler perguntas do tipo: “estou com pneumonia, mas o antibiótico está me fazendo mal. Alguma dica de medicamento?” Gente, esse tipo de dúvida é para ser esclarecida com o médico. E o pior: as pessoas respondem com dicas de ervas milagrosas. Vale perguntar, no entanto, sobre profissionais que falem português, só não dá para confiar em consulta de rede social feita por quem não é médico.
Casos de violência
É interessante usar as redes sociais para denunciar abusadores, maridos violentos. Muitas pessoas não têm noção de onde procurar ajuda no país onde vivem. Em geral, expor esse tipo de situação pode gerar informação rápida. Só é preciso ter cuidado caso o agressor ou agressora leia em português ou esteja no grupo. Dessa forma, é melhor usar uma segunda conta do Facebook, por exemplo, para que a vítima não seja identificada.
Promova boa informação na rede – Divulgue eventos, vídeos e artigos jornalísticos que sejam de interesse da comunidade. Repassem dicas de médicos que falem português, dicas de passeios, grupos que promovam a integração, palestras. Prestem atenção somente ao objetivo do grupo. Não é para divulgar receita de bolo ou posições políticas em grupo de integração. E por falar em política, a regra de educação é a mesma para esse quesito. Cada um vota no candidato que quer, cada um tem sua opinião. O mundo já está muito violento, não precisamos da fúria virtual.
Algumas associações e grupos brasileiros:
– ABECLink externo e RaízesLink externo – curso de português como língua de herança
– Brasileiros na SuíçaLink externo (Facebook)
– Brasileiras na SuíçaLink externo (Facebook)
Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.