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Redes sociais ajudam, mas fream integração

Homem na frente de um prédio
René Dentz: "...Não se deve viver em função das redes. Tem gente que apresenta insônia por causa disso, vejo vários casos no consultório..." swissinfo.ch

O século 21 apresenta um mundo com enorme complexidade, onde o pensamento é desafiado constantemente a encontrar caminhos não trilhados, a inovar, a pensar de forma singular e à diferença. No entanto, a mesmice é insistente. 

Esse pensamento baseia o livro “Bem-vindos ao século 21”, do psicanalista e professor universitário suíço-brasileiro, René DentzLink externo, que vem à Suíça para apresentar sua pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Fribourg e aproveita para proferir palestra no Cebrac, em Zurique. 

De acordo com o psicanalista, a complexidade trazida com o novo século, que culmina com a revolução digital, se mostra na insuficiência de métodos antigos e de pensamentos arcaicos para encontrar soluções, mesmo que possam parecer o único caminho ou salvação. Como professor, analisa também o novo papel da escola. 

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

– Além das várias funções, tais como conhecimento, criatividade e preparação ao mercado de trabalho, a escola precisa entender que está exercendo o papel de um lugar de formação da personalidade. Não tem como hoje, em um mundo sem grandes lugares de acolhimento, a escola se ausentar dessa função. Por isso, é preciso sim que ela aborde de forma individual e coletiva temas como bullying, depressão, separação, luto, diversidade, automutilação, sexualidade – explica Dentz.

Dentro do espaço de reflexão que é o livro, o autor convida o leitor a pensar sobre esse novo mundo e tempo, tão desafiador mas ainda tão mal compreendido. Em 122 páginas, René fala ainda de outros gargalos da incompreensão de uma nova era, como o uso de redes sociais e tecnologia, saudades, comportamento de jovens, sexualidade, suicídio, ansiedade, democracia, cultura e religião. 

De seu consultório em Ouro Preto, Minas Gerais, ele conversou com a swissinfo.ch sobre temas que pretende abordar em sua apresentação aos brasileiros na sua palestra sobre O impacto das redes sociais nas emoções. Na entrevista, o psicanalista provoca com a desconcertante pergunta: “você quer o que você deseja?” para fundamentar uma série de pontos conturbadores desse século, que começou há quase duas décadas, mas pouco foi entendido. 

Palestra Gratuita: dia 16 de novembro, às 17 horas, no CebracLink externo – Militärstrasse, 90 – Zurique

swissinfo.ch: Em seu livro você aborda o impacto das redes sociais no mundo de hoje, fala sobre as ansiedades geradas por esse desejo de saber de tudo o tempo todo ou de imitar a vida de outros. Como essas redes são um grande aliado dos que foram embora de seu país para se conectarem com seus familiares e amigos, como poderíamos destacar esse fato em relação à migração e extrair o que há de melhor nessa tecnologia?

René Dentz: As pessoas querem saber de tudo, o tempo todo. Isso cria uma avalanche de emoções, que afloram simplesmente pelo fato de saber mais. Eu acho que, devido à tecnologia, o Brasil está mais presente na vida desses migrantes. Essas pessoas não tinham essa mesma possibilidade de ligação há 15 anos, o que pode ser muito positivo. Não quero falar mal da internet, mas a relação é diferente. 

Essas redes podem funcionar como uma forma de afetação que prendam à cultura de origem. E isso pode ser muito positivo por tratar-se da manutenção do vínculo afetivo. Entretanto, pode retardar a inserção na cultura suíça. No entanto, se a pessoa tem as questões bem resolvidas em sua mente, a tecnologia e as redes sociais só contribuem. 

swissinfo.ch: E qual seria seu “conselho” para os migrantes com relação ao uso dessas redes sociais?

R.D.: Diria para manter sempre o velho e bom equilíbrio. Não se deve viver em função das redes. Tem gente que apresenta insônia por causa disso, vejo vários casos no consultório. Há quem acorde no meio da noite e vai checar mensagem, ler o que está acontecendo e não consegue mais dormir. Muitos não percebem, mas essa ligação está associada a um processo de ansiedade. 

Tampouco vejo positivo que quem esteja fora do Brasil não consiga se desligar do que acontece no país. Eu imagino que esse tipo de situação seja uma tentativa inclusive de lutar contra a saudade, de resgate.

Como psicanalista, eu prego muito o autoconhecimento no sentido de que muitas vezes as pessoas não se percebam, não consigam identificar o que querem de verdade. É nesse momento, muitas vezes, que tem-se início a ansiedade.

Acredito inclusive que esse tipo de comportamento possa representar um sentimento conflituoso. E aí entra a importância do conhecer a si próprio.

swissinfo.ch: E como entraria o autoconhecimento nesse contexto? No contexto do século 21, que é o título do livro, eu abordo o tópico como algo muito importante para que se fuja de armadilhas de cópia da vida dos outros para tentar buscar uma felicidade igual ao do “amigo”. É perigoso quando alguém se deixa influenciar pelos desejos da sociedade, que é um parâmetro só até um certo ponto. É preciso entender o seu desejo. 

R.D.: Por isso a pergunta: o que você quer realmente? Não há meias palavras nisso, é fato. As redes sociais, infelizmente nesse sentido, potencializam a frustração de basear sua experiência na do outro. Elas têm o poder de impedir que as pessoas descubram seus reais desejos. Quando pensamos em uma pessoa que está inserida em outra cultura, em outro país, muitas vezes está rodeada por sonhos iniciais que não são reais, nem tampouco lhes pertencem. Por isso, a inserção em uma cultura estrangeira deve possibilitar a desconstrução do ideal e a construção do real. 

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Mulher posando frente às montanhas

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Brasileiros no exterior se ajudam pelas redes sociais

Este conteúdo foi publicado em Tem de tudo: desde perguntas sobre compras de produtos típicos a pessoas chamando outras para tomarem um café porque sentem-se sozinhas. Pois é assim, pelas redes sociais e eventos divulgados por lá, que a comunidade brasileira na Suíça e pelo mundo se ajuda, se fortalece, se informa, se integra e, pasmem, sobrevive. A função social…

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Por isso, convido o leitor a se perguntar sempre: você quer o que você deseja? Felicidade é um desejo pessoal que não pode ser imitado. Vou te dar um exemplo: como psicanalista, eu me deparo com mulheres que dizem que não queriam ter sido mães. Tornaram-se por conta da família. Caíram na armadilha mimética (de imitação), pode ter sido reforçada pelas redes sociais ou pela exigência de um papel social. 

Vivemos um momento de transição complicado, no qual ninguém é obrigado a nada, mas que se perde nas escolhas. Um mundo no século 21 que pensa com cabeça de Século 20.

Redes sociais em números e consequências

As redes sociais têm sido apontadas como mocinhas e bandidas desse início do Século 21. Ao mesmo tempo que promovem conexão com pessoas, estimulam o isolamento. Largamente utilizada pelos brasileiros, – 62% da população, de acordo com relatório divulgado pelas empresas We are SocialLink externo e HootsuiteLink externo, intitulado “Digital in 2018: The AmericasLink externo”. Têm sido inclusive acusadas de gerar depressão e ansiedade.

Entre as redes sociais mais acessadasLink externo pelos brasileiros está o YouTube, com 60% de acesso, o Facebook com 59%, o WhatsApp com 56% e o Instagram com 40%. Quase todo cidadão suíço navega regularmente na Internet, 86%, segundo estatísticaLink externo. O uso das redes, entretanto, diminuiu em 4% pela primeira vez em anos, de acordo com a consultoria suíça Publicom, que coleta dados para o estudo MediaBrands desde 2013. 

Prejudicial – Estudos mostram que redes sociais são mais viciantes que álcool e cigarro – é o que diz a pesquisa realizada pela instituição de saúde pública do Reino Unido, Royal Society for Public Health, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem. E, dentre elas, o Instagram foi avaliado como a mais prejudicial à mente dos jovens.

Os resultados mostram que 90% das pessoas entre 14 e 24 anos se utilizam dessa tecnologia – mais do que qualquer outro grupo etário, o que os torna ainda mais vulneráveis a seus efeitos colaterais. Ao mesmo tempo, as taxas de ansiedade e depressão nessa parcela da população aumentaram 70% nos últimos 25 anos. Os jovens avaliados estão ansiosos, deprimidos, com a autoestima baixa, sem sono, e a razão disso tudo pode estar na palma das mãos deles: nas redes sociais, justamente.

Ao longo da pesquisa, 1.479 indivíduos entre 14 e 24 anos tiveram que ranquear o quanto as principais redes (Youtube, Instagram, Twitter e Snapchat) influenciavam seu sentimento de comunidade, bem-estar, ansiedade e solidão.

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