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Pesquisa mostra como vivem os nômades globais do século XXI

Déborah Levitan
A psicóloga Déborah Levitan analisou dados de 919 famílias móveis de diversas nacionalidades, incluindo brasileiras, que moram na Suíça swissinfo.ch

O mundo globalizado traz alguns personagens antigos à tona: os nômades. Os andarilhos do século XXI são, assim como os dos primórdios, pessoas que se mudam com constância de país para buscar melhor subsistência.

Mas para quem acha esse estilo de vida estranho, desajustado e muito desapegado, se engana. A tese de doutorado da brasileira Déborah Levitan, do Instituto de Psicologia e Educação da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, traça um perfil inédito desses migrantes: desconstrói a imagem de desajuste, solidão, falta de rotina e privilegio e mostra que são famílias unidas e estáveis, entre outras descobertas.

O jeito nômade de viver não é novidade. Afinal de contas, o Homo sapiens sempre buscou melhores oportunidades. Mas ainda deixa confusos governos e pessoas que não entendem o estilo. Atualmente, esses grupos são chamados de Famílias Móveis, com direito a tradução em inglês, na expressão mobile families.

Para a pesquisa, foram considerados casais com filhos, vivendo atualmente na Suíça, e que já moraram em pelo menos três países. A psicóloga analisou dados de 919 famílias móveis de diversas nacionalidades, incluindo brasileiras e entrevistou em profundidade 29 desse grupo. Nessa categoria entram desde expatriados, pessoas com posições diversas em empresas internacionais, até diplomatas e profissionais liberais. Em comum, a finalidade de migrar para trabalhar.

Tradicionalmente, a migração por motivos profissionais é encarada como uma forma privilegiada de mobilidade. A tendência é pensar que famílias que migram por trabalho passam por uma transição “suave”, com apoio das mais diversas fontes, garantindo sua fácil adaptação e integração ao país de destino. Ao analisar as condições, tornou-se evidente que várias das preconcepções que permeiam o senso comum e a literatura da área não se aplicam a essas famílias.

Os resultados mostram que, mesmo em um país de altíssimo padrão como a Suíça, essas famílias – ao contrário do que se pensa – recebem pouco apoio. Metade dos entrevistados reporta não contar com o apoio na transição para o novo país; em particular, mais de quatro em cada dez não indicam o empregador como fonte de suporte. Como resultado, têm que lidar com múltiplos aspectos da adaptação sob condições semelhantes à dos residentes permanentes, mas sem as mesmas redes de apoio.

Elas vivem bem

Essas famílias mantêm alguns traços comuns entre si, na maioria das vezes como estratégia para melhor lidar com a dificuldade em criar raízes e a distância dos parentes e dos países de origem. Uma caraterística-chave é que o perfil nômade transfere a experiência para as relações.

A pesquisa revela que a ideia de que a mobilidade internacional repetida seja prejudicial à família é mal fundamentada. Os resultados sugerem que quanto mais os membros da família se mudam juntos, mais os laços familiares se fortalecem e maior é a capacidade de enfrentamento frente a mudanças, convertendo a migração em uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento.

Esses grupos mantêm rotina consideravelmente estável e metódica e, onde quer que estejam, cultivam amigos e sabem usar a rede de contatos a seu favor.

“É interessante observar a rotina estabelecida por certas pessoas, que chega a ser metódica ao extremo. Eu entrevistei famílias que estabeleciam as Noites de Guitarra, nas quais eles tocavam juntos. Elas tentam recriar as mesmas rotinas e experiências e preservar as mesmas atividades, seja na China ou na Suíça”, conta Déborah Levitan.

Desapego

O sentimento se confirma em relação a objetos. Como precisam se mudar com certa frequência, essas famílias tiveram que criar um novo modo de se relacionar com objetos materiais. A estratégia reflete também o fato de os pacotes de expatriação estarem cada vez mais magros.

Outra característica dessas famílias é a incorporação de culturas dos locais por onde passam. Enquanto o migrante que se fixa tende a reforçar as diferenças entre a cultura suíça e brasileira, por exemplo, esses outros grupos trazem a hibridização como estratégia para se sentir em casa em qualquer lugar e preservar um certo grau de mobilidade em razão possíveis mudanças futuras.

De acordo com Déborah, os resultados das pesquisa têm implicações para políticas públicas. A tese mostrou que 75% dessas crianças estudam em escolas públicas e locais na Suíça, o que cria novos desafios em relação a integração dos migrantes temporários. Existe uma ideia equivocada sobre o estilo de vida nômade, mas as entrevistas mostram que laços, raízes e estabilidade estão presentes em todos esses lares.

Adora recomeçar

Um belo dia resolveu mudar e fazer e ver tudo que queria. Essa é a história da Adriane Destri, paulistana de 34 anos, que já viveu em cinco países e fez da Suíça sua sexta morada.

Atualmente mora em Chiasso, cidade fronteira com a Itália. Casada com um italiano, confirma as afirmações da tese de doutorado de Déborah Levitan.

Ela tem no marido seu norte e força. “Como não temos parentes próximos, fazemos tudo juntos. Somos a família um do outro”, conta.

Com relação aos objetos, mais uma vez Adriane confirma a tese. “Não sou apegada a bens materiais, vendi carro, tudo que eu tinha. Sou apegada aos meus pais e agora ao meu marido. Mas trago um amuleto, que não tiro por nada: a correntinha com Nossa Senhora de Fátima que meu pai me deu”, explica.

Desajuste, insatisfação? Não, nenhuma dessas palavras passam pelo seu vocabulário. “O meu norte é saber o que quero, independentemente de onde eu esteja. Meu foco é sempre melhorar e todas as vezes que me mudei consegui subir mais um degrau. Adoro recomeçar”.

“Quando fui embora de Santos para a Indonésia, em 2005, eu nunca tinha saído do Brasil, nem para ir ao Paraguai. O meu namorado na época, hoje marido, foi transferido para a Ásia pela ONU. A minha mudança aconteceu logo depois do Tsunami que arrasou aquela região. Como sempre trabalhei com Direitos Humanos, logo me envolvi na causa e me alistei para ser voluntária.

Vivi também na Indonésia, nas Filipinas, Vietnam e, há menos de um ano, estamos na Suíça. Minha filha nasceu nas Filipinas há oito anos.

Eu carrego comigo as minhas experiências. Não tenho móveis ou carro. Nossa mudança é a roupa, os brinquedos da minha filha e as peças de artesanato que coleciono dos lugares incríveis onde vivi ou visitei.

Alugamos casas ou apartamentos já mobiliados. Mas os nossos lares sempre têm a nossa cara. As peças de artesanato que compramos nos representa, faz parte da nossa história. Fazemos a mesma coisa para a nossa filha. Ela tem um cachorrinho de brinquedo, por exemplo, que a acompanha por todos esses lugares. E como ela adora unicórnio, imprimimos imagens e colamos no quarto e sempre compramos uma cama lúdica para ela.

Eu tento incorporar tradições de outros povos. Carrego isso. Afinal de contas, acho sempre muito difícil ir embora. Assim me preparo para a nova jornada. Trago no peito um misto de dificuldade de deixar um lugar e a empolgação do recomeço.”

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