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Quando a Suíça votava os direitos dos judeus

A Associação Judia de Ginástica de Berna em 1935, zvg

Em janeiro de 1866, os judeus da Suíça obtinham o direito de se instalarem em qualquer lugar do país. Fato único, esse direito foi submetido a votação popular. Mas a democracia direta é uma faca de dois gumes e também pode servir aos antissemitas.

“A lei de 1866 vai permitir aos judeus da Suíça de estabelecerem de maneira legal, sem contrapartida ou dificuldades, sem que se possa imaginar se livrar deles como se faria de uma mercadoria”, declara para swissinfo.ch Johanne Gurfinkiel, secretário-geral da Coordenação Intercomunitária Contra o Antissemitismo e a Difamação (CICADLink externo).

Desigualdade de tratamento

Até então, a minoria judia não tinha beneficiado da possibilidade de se instalar livremente em todo o país que tinha sido autorizada aos cidadãos desde a criação do Estado Federal moderno em 1848.

Os judeus só podiam instalar-se em dois municípios do cantão de Argóvia, Langnau e Endingen, onde dispunham de uma proteção renovável de 16 em 16 anos. Mas mesmo nesses dois municípios, a liberdade não era total, os judeus não podiam ser agricultores nem artesãos. 

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Retratos da emancipação

Este conteúdo foi publicado em Para celebrar os 150 anos da igualdade de direitos para os judeus da Suíça, o fotógrado Alexander Jaquemet faz uma exposição no Kornhausforum em Berna, capital suíça, até 27 de fevereiro. São retratos de 15 judeus de toda a Suíça, jovens e velhos, pessoas conhecidas e anônimas.

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Essa desigualdade de tratamento provocou protestos de países com os quais a Suíça tinha assinado tratados de estabelecimento – França, Holanda, Estados Unidos e Reino Unido – que não compreendiam que seus cidadãos judeus fossem discriminados.

Frente a essas críticas, o governo propôs então de inscrever na Constituição a “igualdade dos cidadãos em matéria de estabelecimento e de legislação”, finalmente aceita por 53,2% dos cidadãos e uma maioria de cantões em 14 de janeiro de 1866.

Menos de dez anos depois, a revisão constitucional de 1874 tornava essa igualdade jurídica total, dando ainda aos judeus a liberdade de culto e de crença.

Um momento decisivo

O voto de 14 de janeiro de 1866, foi um verdadeiro momento decisivo na história da comunidade judaica da Suíça. No último final de semana, a data foi comemorada em Berna com uma festa cultural organizada pela Federaçâo Suíça das Comunidades IsraelitasLink externo, em presença do presidente da Suíça Johann Schneider-Ammann.

“Essa liberdade de estabelecimento é fundamental porque dá pela primeira vez aos judeus da Suíça o sentimento de se sentir em casa neste espaço político. O que é inaugurado em 1866 prossegue até hoje. A Suíça é uma pátria para os judeus que vivem aqui plenamente desde aquele momento, desde que foram considerados a seus próprios olhos e aos de seus vizinhos como cidadãos”, afirma Jacques EhrenfreundLink externo, professor de história dos judeus e do judaísmo na época moderna e contemporânea na Universidade de Lausanne.

“A nova lei reforça entre os judeus o sentimento de pertinência, patriótico e nacional”, confirma Johanne Gurfinkiel, que também julga os direitos outorgados em 1866 são capitais.

Copo meio vazio ou meio cheio

Na Suíça a outorga de novos direitos aos judeus tem a particularidade de ter sido aceita pelo povo. “Que eu saiba, não se votou sobre esse tema em outro país da Europa. É realmente uma especificidade suíça de abrir a porta da cidadania através de uma votação popular”, confirma Johanne Ehrenfreund.

Os suíços foram irreprocháveis na época? Johanne Gurfinkiel está dividido.

“Os judeus estavam presentes no país há séculos, não era uma nova imigração de desembarcava. Mas foi preciso uma pressão externa para que essa presença de vários séculos fosse objeto de debate. Certo, o resultado é muito positivo, mas pode-se questionar sobre o princípio de ter de votar um tal assunto. Podemos ver o copo metade vazio ou metade cheio, mas isso interpela”.

Um verdadeiro paradoxo

Desde o século 18, os direitos foram progressivamente reconhecidos aos judeus em vários países europeus e a igualdade foi conseguida durante o século 19. Mas essa evolução foi acompanhada de fortes vagas de antissemitismo. Na França, que, portanto, outorgou a igualdade total de direitos muito cedo (1791), a sociedade se dividiu, por exemplo, em torno do caso Dreyfus.

A Suíça não foi poupada, apesar do voto de 1866. Em 1893, o povo e os cantões, que se exprimia na primeira iniciativa popular submetida ao voto, aceitou proibir o abate ritual de animais.

“Não há ambiguidade sobre o antissemitismo dessa interdição”, afirma Johanne Gurfinkiel. “A ideia era outorgar aos judeus o direito de estabelecimento, mas não aceitar seus rituais e práticas. Concede-se a essa minoria direitos cívicos e políticos, mas estes devem ser limitados para dar aos judeus o sentimento de que eles não são finalmente bem-vindos”.

“O paradoxo é que no momento em que os judeus são emancipados depois de séculos de presença na Europa, surgem novas formas de exclusão”, explica Jacques Ehrenfreund. “O antijudaísmo tradicional, de conotação mais religiosa, dá lugar ao antissemitismo, termo que surgiu em 1879. O antissemitismo é mais político e justamente ligado ao fato que os judeus se tornaram cidadãos iguais”.

“É uma história complexa porque menos de 80 anos depois da emancipação, os judeus da Europa serão objeto de um genocídio sem precedentes”, prossegue o professor. “Para o historiador, é um verdadeiro desafio de colocar juntos esses dois elementos opostos e paradoxais”.

Vigilância constante

Para a CICAD, na Suíça como alhures, as derrapagens antissemitas são sempre possíveis em política. “Conforme a situação, temos frequentemente o reflexo de lembrar aos judeus que eles são convidados”, deplora seu secretário-geral. “Foi um traumatismo muito mal vivido quando do caso dos fundos perdidos em bancos suíços, nos anos 1990. Isso provocou uma fase de antissemitismo abertamente, sem limites e sem barreiras”.

“Quanto à democracia direta, ela também pode conduzir a derrapagens”, prossegue. “Por exemplo, o abate ritual é uma espécie de assunto recorrente que quase voltou. Há alguns anos, o questionamento da circuncisão poderia ter sido objeto de um voto. A democracia direta é uma força da Suíça, até porque ela é apoiada por forças democráticas mobilizadas. Mas ela também pode ser uma faca de dois gumes quando fica em mãos extremistas”.

Endingen e Lengnau

Do século 18 até 1866, dois municípios do cantão de Argóvia foram os únicos onde os judeus tinham direito de estabelecerem.

Sob a República Helvética (1798-1803), os reformadores tentaram promover a liberdade de estabelecimento dos judeus. Denunciando a influência da França, os opositores à República Helvética se focalizaram nessa questão, com o resultado do saqueio desses dois municípios em 1802. A História narra esse episódio sob o nome de Guerra das Ameixas. (Zwetschgenkrieg).

Em 1862, o Parlamento do cantão de Argóvia adota uma lei sobre a emancipação dos judeus. Mas os adversários lançam com sucesso uma iniciativa popular para revocar o parlamento. Resultado, um novo parlamento cantonal foi eleito, que revoca a lei.

Com a liberdade de estabelecimento outorgada no plano federal em 1866, os judeus deixam progressivamente os dois municípios para se instalar em outros lugares da Suíça. Mas em razão dessa longa presença, numerosos judeus suíços são originários desses dois vilarejos. É o caso da antiga ministra e presidente da Suíça Ruth Dreifuss (Endingen).

Conforme os últimos dados da Divisão Federal de Estatísticas, as comunidades judaicas representam 0,3% da população suíça.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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