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Brasileiras negras criam grupo na Suíça

Mulheres
O grupo de valorização feminina Pérolas Negras com a madrinha, a embaixatriz Danielle Marquardt Bayer, na residência da Embaixada do Brasil em Berna. swissinfo.ch

O dia 20 de novembro é o Dia Nacional da Consciência Negra. A data está inserida no calendário brasileiro, mas as mulheres negras brasileiras na Suíça também querem falar sobre o assunto.

Elas valem mais que pedras preciosas, mas muitas não enxergam seu valor. Reluzem um brilho cintilante, mas são apagadas pelo descrédito de outras mulheres ou até de si mesmas. São negras e fortes, mas várias vezes desistem de lutar por voz na sociedade, caladas pela falta de autoestima ou simplesmente por olhares desencorajadores. Baseada em histórias de conhecidas e na própria experiência como negra, a empreendedora Gleide Kummli abraçou a causa das mulheres afrodescendentes do Brasil que vivem na Suíça e criou, em junho passado, o grupo de valorização feminina Pérolas Negras.

Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.

O time se reúne a cada dois meses para discutir temas ligados à comunidade, dificuldades de integração, busca de oportunidades profissionais, autoconhecimento e valorização própria, além de novos caminhos e possibilidades.

Autoestima

O Pérolas Negras foi criado com 20 mulheres e hoje já conta com um número três vezes maior de participantes. Para coordenadora, Gleide chamou Lívia Stöckli. Para madrinha, convidou a Embaixatriz Danielle Marquardt Bayer, que embora seja loira de olhos claros, se sensibilizou imediatamente com a causa e fez mais que simplesmente levantar a bandeira da inclusão. Danielle Abriu a Embaixada do Brasil em Berna para evento de lançamento do projeto e se emocionou com os relatos.

– Eu considero importante apoiar iniciativas que ajudem a resgatar a dívida histórica com essa parcela da população brasileira, que ainda não teve sua participação adequadamente valorizada na formação da história e cultura do nosso país. E não precisa ser negra para apoiar isso. Basta prestar atenção e estar sensibilizada – revela a Embaixatriz, que está de partida para Austin, nos Estados Unidos. Danielle conta que ficou insegura em relação à sua aceitação no grupo, por ser a única branca. “Mas as meninas dizem que eu sou a cereja do bolo, a pérola diferente que faz o colar ficar mais charmoso”, diz.

Sem estigma

Brincadeiras à parte, Gleide diz que a participação de Danielle no Projeto foi essencial para tirar o estigma de segregação, mas ao mesmo tempo validar o grupo com a chancela da Embaixada. “Nós, negras, precisamos desse reconhecimento. Nós viemos do Brasil já com o ranço do racismo, que se perpetua aqui na Suíça. Para termos voz, precisamos provar nosso valor três vezes mais que uma mulher branca. Dessa maneira, o apoio da Danielle é essencial”, explica.

De acordo com a idealizadora, o nome do Grupo vem exatamente da falta de oportunidade e voz das mulheres negras, seja entre o grupo de conterrâneas ou no grupo de suíços.

“Às vezes, não temos voz entre muitas brasileiras brancas e tampouco no grupo das suíças, já que somos migrantes. Essas mulheres são pérolas, mas acontece que passaram despercebidas pela sociedade. No nosso grupo, temos médicas, artistas, cineastas, tradutoras, produtoras culturais, psicólogas, escritoras negras etc. Algumas dessas mulheres, no entanto, se sentem deslocadas, muitas vezes mais integradas à sociedade suíça do que à brasileira. No grupo, damos força umas às outras, estimulamos a autoestima. Mas que fique claro que não pregamos racismo ao contrário. Só queremos nos ajudar e focar no futuro”, explica.

De acordo com Gleide, foi por essa razão que ela pensou em criar uma comunidade que quisesse discutir as questões específicas da etnia. “O objetivo do Pérolas não é reclamar do racismo, mas esses temas vêm à tona, assim como a falta de oportunidade, dificuldades de integração e uma outra infinidade de questões. Só que quando expostas diante de outros grupos, a história do racismo no Brasil se repete aqui. Há negação e ainda ouvimos que queremos nos ‘vitimizar’”, explica.

O próximo encontro acontece dia 20 de novembro, por ocasião da data.

“A constituição da autoestima, personalidade e identidade do negro”; Dea Abdulail Keita, sociólogo e pesquisador independente

“Empoderamento da mulher afro-descendente na Europa”; Lucy Oyubo, pedagoga

Local: Consulado Geral de Zurique, às 17 horas

Stampfenbachstrasse, 138 – 8006 – Zurique

Para as interessadas em participar: entrar em contato com info@perolasnegras.ch

Racismo institucional do Brasil é refletido por brasileiros que vivem no exterior

Quando questionadas sobre como é ser negra na Europa, as integrantes do Grupo Pérolas Negras respondem que é, sem sombra de dúvida, melhor que no Brasil. Na opinião das participantes, embora ainda tenham que enfrentar o preconceito por serem estrangeiras, o racismo pela cor da pele é muito mais leve na Europa e na Suíça.

O preconceito de cor vem, segundo as entrevistadas, de algumas brasileiras brancas, que já eram racistas no Brasil e que só repetem a prática em outro contexto. Assim como essas pessoas faziam quando moravam no seu país de origem, agem assim aqui também. “São atitudes pequenas do dia a dia. É aquela que não quer falar com você na rua, que não te convida, mas chama a todas as outras do grupo. É tudo bem disfarçado, mais ainda que no nosso país. Lá é mais cruel”, explica uma das participantes que não quis se identificar. “Pelo menos aqui na Suíça eu entro em uma loja sem medo de ter alguém me vigiando, me seguindo para ver se eu vou roubar algo”, diz outra Pérola.

A tese de doutorado de Ana Cláudia Lemos Pacheco traz uma explicação sobre o sentimento de solidão. Embora o estudo seja de Ana Claudia seja sobre os fatores que contribuem para que as mulheres negras sejam preteridas pelo homem negro, tem relação com o sentimento de desconexão com algumas de integrantes mais preconceituosos. De acordo com o estudo, a exclusão está conectada a aspectos históricos e culturais que habitam nossa sociedade. “Em nosso imaginário cultural, as características raciais e fenotípicas da mulher negra – considerando a cor da pele, as características do cabelo, a estética – estão o tempo todo associadas a estereótipos negativos”, avalia a socióloga. A socióloga ouviu, 25 mulheres negras em Salvador –  doze ativistas e treze não ativistas – todas pertencentes a setores da classe média e populares.

Dessa maneira, quando essas características fenotípicas são encontradas fora do Brasil, a carga do imaginário cultural se faz presente mais uma vez. Essas características são reflexo do que já foi comprovado por documento oficial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)Link externo, divulgado em setembro de 2014: o Brasil não pode ser chamado de democracia racial, é caracterizado por um “racismo institucional, em que hierarquias raciais são culturalmente aceitas. O documento foi produzido por Mireille Fanon-Mendes France e Maya Sahli, duas relatoras independentes escolhidas pela ONU, que visitaram o país entre 4 e 14 de dezembro no anterior. Elas se reuniram com autoridades do governo em Brasília, Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.

Segundo o documento, a participação dos afrodescendentes na economia nacional é de apenas 20% do PIB, apesar de representarem mais da metade da população do Brasil. O desemprego é 50% maior entre os “afro-brasileiros” do que entre os descendentes de europeus, enquanto a média salarial entre os afrodescendentes é de US$ 466, quase metade dos US$ 860 dos descendentes de europeus. O estudo diz que racismo permeia todas as áreas da vida, no entanto, tem sido difícil aos afro-brasileiros levantar e discutir o assunto” já que ainda existe o “mito da democracia racial” no país.

Temas abordados pelo Pérola Negras:

·       Reintegração social

·       Auto estima

·       Fortalecimento mútuo

·       Sororidade – mulheres apoiando umas às outras

·       Casos de sucesso

·       Empreendedorismo

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