A seleção de um professor instala o caos em Zurique
Em 26 de janeiro de 1839, o Conselho de Educação de Zurique se reuniu para decidir sobre a seleção de um novo professor para a cátedra de Teologia da universidade. O conselho estava totalmente divido. A ala dos liberais queria que David Friedrich Strauss ocupasse a vaga, pois achavam que ele, 300 anos depois da Reforma, traria uma renovação para a Igreja. A ala conservadora não considerava este cidadão alemão, de 31 anos, apto para o cargo.
Em sua obra “A Vida de Jesus, uma revisão crítica”, além de fazer uma distinção minuciosa entre a figura histórica de Jesus de Nazaré e a do Cristo, como uma figura da Fé, ele ainda declarava que as histórias da Bíblia eram todas, sem tirar nem pôr, relatos míticos. Após uma reunião muito conturbada, os votos ficaram empatados em sete a sete, e o prefeito, Conrad Melchior Hirzel, em sua função como chefe do Conselho de Educação da cidade, daria o voto decisivo.
O voto do prefeito, como registra no dia seguinte o jornal liberal Neuen Zürcher Zeitung, “ajudou a versão do progresso a vencer”. A eleição de Strauss, teólogo reformado, foi um “grande evento para a Igreja” e seguiu totalmente a essência do espírito de Zwingli. Porém a maioria dos pastores reformados não concordaram. Johann Jakob Füssli, pastor da Catedral de Zurique, exigiu que a Igreja passasse a ter voz de voto na escolha do professor catedrático de Teologia.
Protesto contra nomeação
Na sua opinião, “não é saudável que se entregue a formação do nosso clero a um homem que nega tudo o que é positivo no Cristianismo”. Foi o que ele bradou perante os membros da assembleia municipal. O seu protesto foi indeferido, e os liberais celebraram a decisão afirmando que esta escolha era “um pedido oficial” a Strauss para que trouxesse “um facho de luz” para Zurique.
Para a burguesia conservadora e a maioria da população rural, a escolha do teólogo progressista foi a gota d’agua que faltava para entornar o copo. Desde 1833, o cantão de Zurique tinha uma nova constituição liberal que havia destituído o poder da Igreja de deliberar sobre questões educacionais.
A partir de então, os jovens de Zurique não tinham mais pastores como professores, mas professores leigos cujos conhecimentos dos temas que ensinavam bem como os ideais liberais eram adquiridos no Seminário de Küsnacht, fundado pouco tempo antes.
Os conservadores temiam que a escolha de Strauss fizesse com que a formação dos pastores na Faculdade de Teologia fosse secularizada e que a Igreja se transformasse em “uma igreja erroneamente religiosa”. Os pastores vociferavam no púlpito contra Strauss – o teólogo anticristo –, e representantes de quase 30 municípios reuniram-se em um “comitê central”, sob a coordenação do empresário Johann Hürlimann-Landis, para exigir: “Fora Strauss!”
O cantão de Zurique ficou completamente dividido. Não faltavam discussões e polêmicas nas tabernas, nas assembleias de estudantes e nas reuniões familiares. Os políticos conservadores exigiam inclusive o fechamento da universidade, que existia há apenas seis anos, pois assim a escolha de Strauss seria cancelada.
Os cidadãos liberais ironizavam, pois consideravam estas reações apenas a prova de que “os princípios dos nossos Reformadores, o livre pensar e pesquisar e o anseio pela verdade” corriam sérios perigos. “A história do Strauss está causando o maior estrondo aqui & estamos divididos entre os pró-Strauss e os contra-Strauss”, relata o estudante universitário Otto Werdmüller em carta aos seus pais.
Caricaturas
Em poucas semanas são publicados centenas de artigos nos jornais e quase uma centena de revistas polêmicas com ideias contra e a favor de Strauss. Os caricaturistas se divertem com o caso “Strauss”, ou o “Caso do Avestruz”, pois o sobrenome “Strauss” também significa “avestruz” em alemão.
Em uma das caricaturas vê-se o prefeito de Zurique ajoelhado diante de lúcifer, que cavalga um avestruz (Strauss). Enquanto o pássaro tem a pata sobre uma cruz e sobre a Bíblia, um burro – que na figura representa o governo liberal – relincha um “Amém”.
Um autor anônimo escreveu até uma peça de teatro com o título “Zwingli diante do Grande Conselho no ano de 1839”, na qual o Reformador chama um documento do Comitê Central de “instrumento de baderna” e o rasga em pedacinhos.
No dia 10 de março de 1839, o Comitê Central entrega uma petição com 40 mil assinaturas não apenas solicitando a anulação da eleição do catedrático como também subordinando todas as escolas à Igreja. Para resolver a situação, a assembleia do cantão sugere que Strauss seja imediatamente aposentado, pois a “utilidade da sua atividade profissional” na Faculdade de Teologia não estava mais garantida.
Uma semana depois, a assembleia do cantão cede à grande pressão da opinião pública. Após uma reunião que durou nove horas, o professor Strauss é aposentado antes mesmo de tomar posse no seu cargo. Como indenização, Strauss passa a receber uma aposentadoria vitalícia no valor mensal de mil francos suíços.
Adaptação: Fabiana Macchi
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