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A erva no porão como uma geleia

Cultura de maconha em recinto fechado Keystone/Kantonspolizei Graubünden

De fora parece uma casa como tantas outras na região. E ali dentro não existem odores particulares ou indícios suspeitos. Mesmo assim, no subsolo, a cânabis, com alto nível de THC, é cultivada doze meses por ano.

André * prepara um cigarro com um papel curto. É o segundo em quinze minutos. Entretanto, dentro, tem apenas tabaco. “Normalmente não fumo  durante o dia. Geralmente, dou um “tiro” antes de ir dormir. Libera a minha mente.”

Perto dos 50 anos de idade, André começou “relativamente tarde” a fumar maconha. “Muito depois do meu filho de 21 anos”. Quando eu era jovem, a erva era comprada na rua ou através de alguns contatos.  Tinha sempre que procurar as pessoas e eu não sabia nunca o que eu teria nas mãos. E depois eu gastava muito dinheiro.”

Quatro anos atrás ele decidiu iniciar uma produção própria. “Encontrei uma casa suficientemente grande (na região de Lausanne, oeste ndr). Se eu continuasse num apartamento seria impossível começar com uma plantação “indoor”, em recinto fechado.

O seu jardim secreto fica dentro de dois armários de tecido escuro, num local perto do porão.  “Tudo isto que eu cultivo é para o meu uso. A venda não é meu negócio”, garante.

THC além do permitido

André é favorável à legalização controlada da maconha – “mas com normas para proteção dos jovens”-  e é consciente dos riscos do consumo (veja ao lado).

Na sua longa “carreira” de fumador, ele constatou como a erva se tornou mais forte. “Quando eu era jovem o nível de THC (tetrahidrocanabinol, o princípio ativo da cânabis, ndr) era de 3 a 7 %. As minhas plantas possuem entre 30 a 35%, bem acima do nível permitido pela lei que é de 1%.”

Fumar a erva mais forte não quer dizer, obrigatoriamente, arruinar mais a saúde, pensa André. “Fumo muito menos “baseados” (cigarros de maconha). É como beber uma dose de whisky no lugar de três cervejas.”

17 francos por uma semente

Junto com dois amigos, André comprou tudo para a plantação caseira. Não foi nenhum problema encontrar as lâmpadas, as bombas elétricas, o sistema de ventilação, os indicadores de taxa de umidade, a terra adubada e, principalmente, a semente.

“Existem revendedores especializados que possuem o necessário, sem faltar nada. Uma época eles vendiam até mesmo as mudas mas hoje está proibido. Para obter as sementes procuro alguns fornecedores na Suíça alemã e na Holanda”, explica.

Com o tempo, André descobriu que o material poderia ser comprado através do comércio normal de artigos agrícolas por 25% do preço inicial. “As lojas de maconha fazem “negócios da China”. Basta ir uma vez para se dar conta: estão sempre cheias!”.

As plantações no subsolo são modestas. Tem espaço para 30, 40 plantas. Pouco, em comparação com outras instalações. “Conheço gente que cultiva centenas”, afirma André.

A compra das sementes é uma das principais despesas – “ são verdadeiros achados da engenharia genética”. Elas podem custar até 17 francos cada uma. E depois tem o custo da eletricidade para alimentar as potentes lâmpadas.

“Por um ciclo de cultivo, que  dura cerca de três meses, gastamos algo como mil francos”, revela André. Não acredito que o nosso grande consumo levante uma suspeita junto da empresa fornecedora de energia elétrica. Mas é verdade que os grandes plantadores são descobertos através deste modo.”

“Quando é boa fico feliz em compartilhar”.

O investimento inicial de cerca de 6 mil francos foi rapidamente pago. A cada colheita (quatro em um ano) se obtém 500 a 700 gramas de marijuana. Uma quantidade que, avaliada no varejo da rua, renderia um valor ao redor dos 10 mil francos (12  a 15 francos por grama).

“ Para sai por uns 500 francos, mais ou menos entre 200 e 300 gramas. E além disso, sei o que estou fumando!”, nos diz  André, que cultiva exclusivamente com o método biológico. “Muita da erva em circulação é tratada quimicamente.”

André dá de presente aos amigos as sobras da colheita. “ É um pouco como a geleia feita em casa: quando é boa somos felizes de compartilhá-la.”

Segundo as estimativas da Polícia Judiciária Federal (2011), entre 100.000 e 236.000 pessoas na Suíça consomem regularmente produtos à base de cânabis. Os consumidores ocasionais (ao máximo, uma vez por mês) seriam entre 73.000 e 168.000

O tráfico preocupa o policial

Na Suíça, observa André, tem muita gente que dispõe de bastante conhecimento técnico para a produção. “Excluindo Amsterdã, é difícil encontrar em outro lugar uma concentração alta”, diz André, que formou o seu “ dedo verde” lendo livros e documentando-se na internet.

A parte mais difícil do cultivo em recinto fechado, explica André, é o cuidado exigido pelas plantas. O nível de pH da água, os parasitas e a temperatura do local estão entre as suas principais preocupações.

A polícia e o fato de agir na ilegalidade o preocupa. “A polícia poderia aparecer, de repente. Mas a erva  é de uso pessoal: não creio me arriscar muito. De qualquer forma, seria ruim perder todo o material.”

As pequenas plantações  do tipo “ indoor” não estão entre as prioridades da luta contra os entorpecentes,  nos confirma Jean Philippe Pittet, porta-voz da polícia de Lausanne. “Entramos em ação apenas depois de sermos informados através dos vizinhos, uma média de uma vez por mês.” 

Fusão dos mercados

Na mira das autoridades estão as plantações em larga escala e as redes criminosas. A polícia federal está em alerta porque percebeu que o crime organizado, tradicionalmente ligado ao tráfico de heroína e de cocaína, passou a ter interesse pela maconha.

É uma “profissionalização” do comércio da maconha que se explica sobretudo com o aumento do preço nos últimos anos. Além disso, quem trafica a cânabis  se arrisca muito menos, do ponto de vista penal.

André, ativo no âmbito social, prefere continuar ‘limpo’. “Muitas pessoas pediram para eu vender. Mas não é o meu papel. E depois eu tenho um bom trabalho e não tenho a necessidade de renda extra.”

Na Suíça, o cultivo da cânabis com o objetivo de extrair entorpecentes, o comércio, o consumo e a posse são passíveis de punição, em virtude da Lei Federal das drogas.

As penas previstas vão de multa à prisão de até três anos. A maconha pode ser, ao contrário, prescrita como terapia, com prévia autorização.

A maconha é considerada droga quando o nível de THC (tetrahidrocanabinol) supera o 1%.

Durante os anos 1990, muitos cantões tinham  uma política de tolerância. Por algum tempo, na Suíça, era possível comprar marijuana em mais de 130 pequenas lojas especializadas.

A emergência de um verdadeiro turismo da maconha nas zonas de fronteira e a publicação de estudos que indicavam potenciais riscos para a saúde psíquica, todavia, contribuíram para o crescimento de uma frente contrária à descriminalização.

No outono de 2008, o eleitorado suíço rejeitou com mais de 63% dos votos  a iniciativa popular que pedia a descriminalização do consumo da maconha e a criação de um mercado sob controle estatal.

Em junho de 2012, o Parlamento decidiu que os maiores de idade que são flagrados com menos de 10 gramas de cânabis não serão mais  denunciados na justiça, mas serão punidos com de uma multa.

Fumar maconha, com ou sem o tabaco, pode alterar as funções pulmonares, aumentar o risco de inflamação das vias respiratórias e provocar bronquites crônicas e tumores.

Algumas pesquisas demonstraram uma leve diminuição da memória e da rapidez de concentração entre os consumidores de longa data.

Existiria ainda uma ligação entre o consumo de cânabis (regular ou precoce) e as psicoses ou depressão.

Segundo diversos estudos a cânabis tem, entretanto, propriedades terapêuticas. Pode, por exemplo, aliviar distúrbios nos doentes terminais de AIDS ou de câncer.

Alguns componentes da cânabis poderiam, inclusive, beneficiar os tratamentos da asma e do glaucoma.

(Fontes: Instituto de prevenção Dependências Suíça, Organização Mundial da Saúde)

Adaptação: Guilherme Aquino

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